domingo, 31 de maio de 2009

Responsabilidade civil por danos ecológicos

Responsabilidade civil por danos ecológicos



Do meio ambiente como “meio agressor” ao ambiente como “bem jurídico agredido”

A questão da responsabilidade pelos danos ao ambiente foi objecto de tratamento por parte da doutrina, sendo que o “dano ao ambiente” era visto como “o dano causado às pessoas e às coisas pelo meio ambiente em que vivem”.
Assim, o problema central consistia na reparação dos danos subsequentes às perturbações ambientais.
Numa fase inicial, a construção do estado de direito ambiental alicerçou-se fundamentalmente em mecanismos de prevenção e controle.
Na falta de legislação específica que consagrasse modelos de imputação de danos adequados às exigências ambientais, e que solucionasse os problemas causados por esses danos, a atenção da doutrina centrou-se na adaptação das estruturas de imputação existentes.
No entanto, através de uma progressiva protecção autónoma e imediata de bens ambientais, levanta-se a necessidade de autonomizar os prejuízos causados ao próprio ambiente, dos prejuízos causados ao Homem e às coisas através do meio ambiente.
Assim, procura-se distinguir do conceito de danos ambientais (enquanto danos causados pelo ambiente à saúde, aos bens imóveis e móveis ou ao património em geral), dos danos causados à Natureza em si, ao património natural e aos fundamentos naturais da vida.


O princípio da responsabilização

Este princípio encontra-se previsto na alínea h) do artigo 3º da LBA, onde se prevê que os utilizadores do ambiente assumem as “ consequências para terceiros da sua acção, directa ou indirecta, sobre os recursos naturais”.
As acções referidas incluem não só as condutas que coloquem bens ambientais em risco ou em perigo mesmo que não causem danos efectivos, como também os custos da reparação e os das medidas preventivas funcionalmente dirigidas a evitar os danos.
Esta ideia permite fundamentar a imputação de externalidades, ou de custos ambientais, mediante o recurso a outros instrumentos jurídicos directos (sanções administrativas) e indirectos (exemplo, taxas e impostos ambientais).
O princípio da responsabilidade fundamenta-se, por um lado, no princípio do poluidor pagador e, por outro, no direito de polícia.
Evidentemente que o princípio da responsabilidade deve ser complementado com o princípio da repartição comunitária. Este último princípio determina que os custos de prevenção e reparação dos danos ecológicos devem ser suportados pelo Estado quando não seja possível (ou quando não se justifique) imputá-los ao seu causador.


Instrumentos de protecção jurídico-ambiental

Planos e programas:
 Inserção da dimensão ambiental no planeamento e nas contas públicas;
 Planos gerais de política ambiental;
 Planos sectoriais de política ambiental.

Instrumentos normativos de regulamentação directa:
 Normas de determinação da qualidade ambiental;
 Sanções preventivas;
 Instrumentos de gestão da informação e do conhecimento;
 Sanções administrativas;
 Sanções repressivas;
 Responsabilidade civil;
 Responsabilidade contra-ordenacional;
 Responsabilidade penal.

Instrumentos normativos de regulamentação indirecta:
 Taxas e impostos ambientais;
 Subsídios;
 Instrumentos financeiros e fiscais;
 Benefícios fiscais;
 Empréstimos a fundo perdido ou com juros bonificados;
 Certificação da qualidade ambiental de instituições.


Dano ecológico

O dano jurídico deriva de uma valoração operada pelo Direito. Consiste numa perturbação de bens juridicamente protegidos, sendo que, a sua relevância jurídica e justificação axiológica radicam na protecção que o direito concede a um conjunto de bens em razão dos fins que permitem atingir.
A procura de um conceito normativo de dano ecológico pressupõe, a compreensão de um conceito normativo de ambiente, sendo essencial considerar a protecção jurídico-constitucional que merece no ordenamento jurídico português.
Essa protecção é directamente assegurada pela constituição ao determinar o artigo 9º da CRP a “ defesa do ambiente” e a “ preservação dos recursos naturais”, mas também ao reconhecer-se no artigo 66º o direito ao ambiente e à qualidade de vida como direito fundamental. Desta forma, o tratamento jurídico do ambiente não se reduz à dimensão de tarefa Estadual, considerando-se, portanto, que os particulares são titulares de direitos subjectivos públicos.
O direito fundamental ao ambiente tem, assim, uma dupla natureza. Por um lado é um direito subjectivo, por outro constitui um elemento fundamental da ordem objectiva da comunidade.
O direito ao ambiente é, desde logo, um direito negativo (traduzindo-se na abstenção por parte do Estado e de terceiros de acções ambientalmente nocivas). Tem também uma dimensão positiva, obrigando o Estado e outras entidades a adoptar as medidas necessárias de defesa do ambiente e à preservação dos recursos naturais.
A tutela jurídico-ambiental consiste na regulamentação de condutas humanas que são susceptíveis de afectar a sua qualidade dos componentes ambientais. Essa protecção visa proteger ou conservar um determinado estado, um modo de ser dos bens naturais. Por exemplo, no que respeita ao ar, o estado de qualidade e equilíbrio ecológico é promovido através de normas de qualidade que fixam os valores indicativos e os valores limite no ambiente para determinados poluentes.
Assim, o estado de qualidade não é determinado por referência a uma norma isolada, sendo antes o padrão de qualidade resultante da concretização de todo o sistema juridico-ambiental.
O dano ambiental pode então ser entendido como a perturbação do estado do ambiente, determinado pelo sistema jurídico-ambiental. Pode, pois, ser caracterizado como uma perturbação do património natural (enquanto conjunto dos recursos bióticos e abióticos da sua interacção) que afecte a capacidade funcional ecológica e a capacidade de aproveitamento humano de tais bens, tutelada pelo sistema jurídico-ambiental.


O título de imputação

O direito do ambiente português, no que respeita ao título de imputação, adoptou o princípio da responsabilidade objectiva. No entanto, a imputação de danos com base no risco exige uma definição precisa e coerente de um conjunto de aspectos fundamentais:
 Identificação das actividades objectivamente perigosas;
 Identificação dos responsáveis;
 Prova de nexo de causalidade;
 Causas de exclusão da responsabilidade;
 Limites da obrigação de indemnização;
 Delimitação da eficácia espacial e temporal da situação de responsabilidade.

Contudo, não parece ser esta a solução do direito português, uma vez que o legislador criou estruturas de imputação demasiado vagas e imprecisas e que pode colocar em causa a eficácia e a eficiência do sistema.


Nexo de causalidade

O actual sistema é lacunar no que respeita à determinação do nexo de causalidade, ou seja, não existe nenhuma regra específica da responsabilidade ambiental sobre esta questão.
A solução parece ser a da aplicação analógica do artigo 563º do C.C. Esta regra requer desde logo um duplo juízo:
 Um juízo empírico mediante o qual se elege determinado facto como conditio sine qua non do dano considerado;
 Um juízo de imputação normativa exigindo que tal condição se revele em abstracto como causa adequada a produzir tal dano.
A aplicação da teoria da causalidade adequada (para que exista nexo de causalidade entre o facto e o dano não basta que o facto tenha sido em concreto causa do dano, em termos de conditio sine qua non, é necessário que, em abstracto, seja também adequado a produzi-lo segundo o curso normal das coisas) provoca muitas dificuldades que resultam, por exemplo, da incerteza científica sobre a causa, da concorrência de causas e do carácter indirecto e muitas vezes complexo do percurso causal.


Restauração natural

O direito português no artigo 48º da LBA determina que os infractores são obrigados a remover as causas da infracção e a repor a situação que existia anteriormente.
A restauração natural é aferida pela recuperação da capacidade funcional ecológica e da capacidade de aproveitamento humano do bem natural determinada pelo sistema jurídico, ou seja, pressupõe a recuperação da capacidade de auto-regeneração do sistema ecológico.
A restauração natural pode assumir duas formas:
 A restauração ecológica (visa a reintegração ou recuperação dos bens afectados);
 A compensação ecológica (visa a substituição dos bens naturais lesados por outros equivalentes, mesmo que situados num local diferente).


Indemnização pecuniária

Os danos ao ambiente podem ser susceptíveis de avaliação pecuniária. A avaliação monetária dos danos ao ambiente tende a justificar-se com três objectivos fundamentais:
 Permitir a compensação dos usos humanos afectados durante o período de execução da restauração natural;
 Possibilitar a análise da proporcionalidade das medidas de restauração natural;
 Permitir a compensação dos danos ecológicos quando a restauração natural se revele impossível.


Fases do procedimento

O processo de indemnização engloba as seguintes fases:
 Avaliação do dano;
 Identificação das alternativas de indemnização possíveis;
 Escolha da alternativa adequada.


Titularidade do direito à indemnização dos danos ecológicos


Decorre do nº3 do artigo 52º da C.R.P o direito dos particulares à indemnização de danos ao ambiente, ou seja, confere-se a todos o direito de promover a prevenção, a cessação ou a perseguição judicial das infracções contra o ambiente, bem como a requerer a correspondente indemnização.
Desta forma, todos os cidadãos podem interpor uma acção popular para defesa dos bens ecológicos.





Bibliografia


Baptista Machado, João – Introdução ao direito e ao discurso legitimador, Coimbra, 1983

Cruz, Branca Martins da – Responsabilidade civil por dano ecológico, Porto, 1996

Marques Dos Santos, A. – Direito internacional privado e ambiente, Lisboa, 2002

Canotilho, J,J, Gomes – Vital Moreira – Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra, 1992, 3ª ed.