segunda-feira, 25 de maio de 2009

O regime juridico das áreas protegidas

INTRODUÇÃO

A Constituição da República Portuguesa, no seu art. 66.º n.º 2 c) atribui ao Estado o dever de criação de reservas e parques naturais para a protecção de paisagens e sítios, garantindo a preservação de valore culturais. Subsequentemente, a Lei de Bases do Ambiente, aprovada pela Lei n.º 11/87, de 7 de Abril, estabelece vários componentes ambientais que devem ser protegidos por lei. Esses componentes ambientais dividem-se em naturais (ar, luz, água, solo vivo e subsolo, flora e fauna) e humanos (paisagem, património cultural e construído e poluição). As áreas protegidas foram criadas para proteger uma grande parte destes componentes – entende-se que existem áreas que, pelas suas características, merecem uma tutela especial por parte do Estado, tendo em vista a manutenção das mesmas, através de medidas de protecção que podem ir desde a proibição de construção até à própria interdição da entradas das pessoas. Estas áreas estão previstas na própria Lei de Bases do Ambiente, no seu art. 29.º, que impõe a criação de uma rede nacional de áreas protegidas, que podem ter âmbito nacional, regional ou local, que “devam ser submetidas a medidas de classificação, preservação e conservação, em virtude dos seus valores estéticos, raridade, importância científica, cultural e social ou da sua contribuição para o equilíbrio biológico e estabilidade ecológica das paisagens”. Temos então aqui o ponto de partida e o fundamento básico de todo o regime das áreas protegidas.

EVOLUÇÃO HISTÓRICA

Desenvolvendo a Constituição da República Portuguesa, e da lei de bases do ambiente entretanto aprovada, foi criada pelo Decreto-Lei n.º 19/93 de 23 de Janeiro a Rede Nacional de Áreas protegidas. Este diploma previa quatro classificações possíveis: parque nacional, reserva natural, parque natural e monumento nacional, considerando que as áreas protegidas de interesse regional ou local se deveriam designar paisagem protegida. Criou também, para a gestão das áreas protegidas de interesse nacional, o Serviço Nacional de Parques, Reserva e Conservação da Natureza. As áreas regionais e locais deveriam ser geridas, respectivamente, pelas respectivas associações de municípios ou pelos municípios. Previa também a obrigatoriedade da elaboração de planos de ordenamento das respectivas áreas.
Na senda da reforma que toda a legislação ambiental tem sido vítima, foi aprovado do Decreto-Lei n.º 142/2008, de 24 de Julho. Este decreto-lei define a organização de toda a rede de conservação da natureza, bem como o regime jurídico das áreas protegidas. É então criada a Rede Fundamental da Conservação da Natureza, a qual é composta:
- Pelo sistema nacional de áreas classificadas, que integram as Áreas Protegidas integradas na Rede Nacional de Áreas Protegidas, os sítios da Rede Natura 2000, e as áreas classificadas por compromissos internacionais; [art. 5.º n.º 1 a) ]
- Pelas áreas de continuidade, designadamente da Reserva Agrícola Nacional, a Reserva Ecológica Nacional e o domínio público hídrico. [art. 5.º n.º 1 b) ]
Será o objecto do presente trabalho o estudo do regime das áreas protegidas em concreto.

PRINCÍPIOS DA CONSERVAÇÃO DA NATUREZA

Para além dos princípios gerais do direito do ambiente, que o presente diploma desenvolve e aplica à conservação da natureza em especial, são ainda criados novos princípios. Temos então:
- O princípio da função social e pública do património cultural. Este princípio serve para realçar a importância que a conservação da natureza tem para as pessoas, bem como para o desenvolvimento económico e social.
- O princípio da sustentabilidade. Este princípio decorre do princípio da proporcionalidade do direito administrativo geral. Hoje em dia é cada vez mais patente que o desenvolvimento económico tem de ser conciliado com o ambiente, sob pena de risco da própria extinção da raça humana. Não se pode colocar o desenvolvimento económico à frente do ambiente, pois um bom ambiente é condição essencial para que as pessoas vivam bem e numa normalidade social, mas o desenvolvimento económico também o é. Penso que o que este princípio nos diz é que não pode haver nem excessos na criação de áreas protegidas (pois se tudo for área protegida então não haverá espaço para o desenvolvimento económico), nem se pode ser muito restritivo (pois se tal acontecer a possibilidade de danos no ambiente, muitos dos quais irreversíveis, aumenta bastante).
- O princípio da identificação. Este princípio está directamente ligado. Diz-nos que deve ser acessível ao público a informação relativamente ás áreas protegidas. Este princípio tem um âmbito muito amplo, pois vai desde o registo, até à própria sinalização nos próprios locais abrangidos.
- O princípio da compensação, pelo utilizador, dos efeitos negativos provocados pelo uso dos recursos naturais. É um princípio geral de direito do ambiente, sendo o próprio princípio bastante explícito no seu conteúdo.
- O princípio da precaução. Necessidade de adopção de medidas destinadas a evitar danos no ambiente de uma acção. Também é um princípio geral de direito do ambiente, e consagrado de forma bastante ampla, pois não exige sequer certeza da relação causa-efeito, basta a mera possibilidade.
- O princípio da protecção. Também bastante explícito. É um pouco o fundamento de todo o regime da conservação da natureza, a salvaguarda dos valores mais significativos do património natural. No fundo é por isto que se criam as áreas protegidas.

TIPOLOGIA DAS ÁREAS PROTEGIDAS

Existes cinco tipos de áreas protegidas (art. 11.º n.º 2). São eles o Parque Nacional, o Parque Natural, a Reserva Natural, o Paisagem Protegida e o Monumento Natural. Houve aqui uma pequena alteração relativamente ao regime anterior. No regime anterior a paisagem protegida era a designação dada ás áreas protegidas de âmbito regional e local, nos termos do art. 2 n.º 4 do Decreto-Lei n.º 19/93. Com este novo regime as paisagens protegidas adquiriram estatuto autónomo, podendo integrar a rede nacional de áreas protegidas como qualquer uma das outras (art. 11 n.º 2 e 3), desaparecendo a relação desta designação com o facto de serem áreas protegidas de âmbito regional ou local. Por outro lado as áreas protegidas de âmbito regional ou local podem adoptar qualquer uma das designações do art. 11 n.º 2, com a excepção de parque nacional (art. 11 n.º 4), sendo a excepção óbvia, desde que acompanhadas da designação “local” ou “regional”.
Nos termos do art. 16 n.º 1, o parque nacional é uma área que contenham maioritariamente amostras representativas de regiões naturais características, de paisagens naturais e humanizadas, de elementos de biodiversidade e de geosítios, com valor científico, ecológico ou educativo). Esta classificação visa a protecção dos valores naturais existentes, conservando a integridade dos ecossistemas. Parece que aqui é acentuado o elemento paisagístico, numa áreas predominantemente não habitada, com uma grande e carregada presença do elemento natureza. É a designação mais importante, sendo que, actualmente só existe um parque nacional, o da Peneda – Gerês.
O parque natural (art. 17.º) é uma área que contenha predominantemente ecossistemas naturais ou seminaturais, onde a preservação da biodiversidade a longo prazo possa depender de actividade humana, assegurando um flixo sustentável de produtos naturais e serviços. Ao contrário do parque nacional, o que se pretende aqui é uma interacção de qualidade entre o ser humano e a natureza, numa área que contém elementos naturais que devam ser preservados. Pretende-se o desenvolvimento sustentável (o parque nacional está mais virado para a manutenção da natureza), mantendo as características fundamentais da área.
A reserva natural (art. 18.º) é uma área que contenha características ecológicas, geológicas e fisiográficas, ou outro tipo de atributos com valor científico, ecológico ou educativo, e que não se encontre habitada de forma permanente ou significativa. Aqui o que se pretende proteger principalmente é a flora e a fauna, em zonas pouco habitadas, privilegiando o desenvolvimento natural das coisas, e tentando minimizar ao máximo a intervenção do ser humano.
A paisagem protegida (art. 19.º) é uma área que contenha paisagens resultantes da interacção harmoniosa do ser humano e da natureza, e que evidenciem grande valor estético, ecológico ou cultural. Aqui pretende-se claramente preservar a paisagem, componente ambiental humano expressamente previsto no art. 18.º da Lei de Bases do Ambiente.
O monumento nacional (art. 20.º) é uma ocorrência natural contendo um ou mais aspectos que, pela sua singularidade, raridade ou representatividade em termos ecológicos, estéticos, científicos e culturais, exigem a sua conservação e a manutenção da sua integridade. Aqui não se trata de uma área como temos vindo a tratar o conceito, mas mais um local que mereça ser preservado. São exemplos possíveis de monumentos naturais grutas, pegadas de dinossauros...
A lei, ao referir cada área protegida, define os seus objectivos que as medidas a adoptar devam prosseguir, atendendo, naturalmente, às características que presidem a cada área.


CLASSIFICAÇÃO DAS ÁREAS PROTEGIDAS

Todo o processo de protecção da natureza, através da criação de áreas protegidas, inicia-se com a sua classificação. Aqui importa distinguir a classificação das áreas de âmbito nacional e as áreas de âmbito local

a) Âmbito nacional
O regime da classificação das áreas protegidas de âmbito nacional consta do art. 14.º Têm legitimidade para propor a classificação de áreas protegidas a autoridade nacional (neste caso o Instituto da Conservação da Natureza e da Biodiversidade, I.P., nos termos do art. 18 n.º 2 b) do Decreto-Lei n.º 207/2006, de 27 de Outubro), bem como quaisquer entidades públicas ou privadas, designadamente as autarquias locais e associações de defesa do ambiente. Temos então uma legitimidade bastante ampla, que decorre do facto de o ambiente ser um interesse difuso, ou seja, um interesse colectivo, daí a justificação de uma legitimidade tão alargada, que se verifica não só neste domínio mas em outros relacionados com o ambiente, tendo como exemplo paradigmático o regime de acesso à informação ambiental. A proposta será então apreciada pelo Instituto da Conservação da Natureza e da Biodiversidade, I.P. que, se concordar com a proposta de classificação, envia a mesma para o membro do Governo responsável pelo ambiente, neste caso o Ministro do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional. A competência para a decisão é então do ministro. Se concordar, antes da emissão do decreto regulamentar tem obrigatoriamente de promover a discussão pública, publicando no Diário da República o aviso de abertura, bem como divulgando na comunicação social e na página da internet do ICNB. Ao mesmo tempo tem de ouvir as autarquias locais envolvidas. Este período de discussão pública tem de ser anunciado com antecedência mínima de 10 dias, e tem de durar entre 20 e 30 dias (art 14 n.º 4 a 6). Fica então assim assegurada a participação do público e de todos os interessados, elemento essencial e presente em toda a legislação ambiental.
A classificação é feita por decreto regulamentar, no qual devem constar os elementos previstos no art. 14 n.º 3.
É de realçar o art. 14 n.º 3 d), que nos diz que o decreto regulamentar pode condicionar a actuação do ICNB na concessão da autorização para acções, actos e actividades susceptíveis de prejudicar o ambiente, nomeadamente o que presidiu à classificação da área.

b) Âmbito regional ou local
Nas áreas de âmbito regional ou local, apesar do art. 15 não o dizer expressamente, parece-me que o regime da legitimidade para propor é o d art. 14 n.º 1. Aqui a diferença é que em vez de se propor ao ICNB é ao órgão executivo do Município ou das Associações de Município, que, se concordarem, então submetem ao órgão deliberativo para aprovação. A exigência de discussão pública mantém-se, sendo o regime igual às áreas de âmbito nacional. Destaca-se aqui que, apesar de não ter papel activo na classificação, o ICNB fiscaliza a manutenção dos pressupostos (e até a própria existência dos mesmos) que presidiram à classificação, tendo mesmo poderes para excluir a integração da rede de áreas protegidas de âmbito nacional e local, ficando as áreas excluídas apenas áreas ás quais os Municípios ou Associações de Município concederam atenção especial nos respectivos planos de ordenamento do território, não sendo, para efeitos oficiais, áreas protegidas (art. 15 n.º 5 e 6). De destacar ainda que, ao contrário das áreas protegidas de âmbito nacional que têm um plano de ordenamento autónomo, o regime das áreas protegidas de âmbito regional ou local consta dos planos municipais de ordenamento do território (art. 15 n.º 4).

Merece especial atenção o facto do presente decreto-lei prever a possibilidade de um particular poder requerer a concessão do estatuto de área protegida privada à sua propriedade. Penso que esta faculdade tem por principal objectivo dar a possibilidade destes proprietários conseguirem obter apoios para a conservação e gestão das suas propriedades. Tem como inconveniente o facto de ficarem vinculados ao protocolo de gestão que celebrarem, o que inclui todas as medidas que estiverem nele previstas. Este regime consta do art. 21.º.

GESTÃO

A gestão das áreas protegidas de âmbito nacional compete ao ICNB (art. 13 n.º 1). As áreas protegidas de âmbito regional ou local são geridas pelos respectivos municípios e associações de municípios. É expressamente admitida a contratualização com entidades públicas ou privadas de tarefas de gestão das respectivas áreas. Esta regra tem como finalidade uma certa descentralização da gestão das áreas protegidas, nomeadamente nas de âmbito nacional, bem como a melhoria da gestão das respectivas áreas protegidas. Também decorre do fenómeno cada vez maior da contratualização da actividade administrativa em geral, fazendo a administração substituir-se na prossecução das suas atribuições por outras entidades, não só para efeitos de melhoria de gestão, mas também para uma diminuição do peso sobre uma administração que cada vez abrange cada vez mais aspectos da vida social e abrangendo cada vez mais áreas de actuação.
Todas as áreas protegidas de âmbito nacional podem de dispor de um plano de ordenamento, nos termos do art. 23. No caso dos parques nacionais e parques naturais, este é mesmo obrigatório (art 23 n.º 1), sendo que nas reservas naturais e paisagens protegidas é obrigatório se o decreto regulamentar que as criar assim o decidir (art 23 n.º 2). Quanto ás áreas protegidas de âmbito regional ou local já referimos que o respectivo regime consta dos planos municipais de ordenamento do território (art. 23 n.º 3). A competência para a elaboração destes planos de ordenamento é do ICNB (art 23 n.º 4). Quanto ao regime de elaboração, aprovação, execução e avaliação é aplicável o regime jurídico dos instrumentos de gestão territorial (art 23 n.º 5).
A fiscalização da aplicação do regime das áreas protegidas, bem como da aplicação dos planos de ordenamento compete ao ICNB, através dos vigilantes da natureza, da GNR, ás demais autoridades policiais e aos municípios (art. 40 n.º 2).
A inspecção compete à Inspecção-Geral do Ambiente e do Ordenamento do Território (art. 40 n.º 4). Podem mesmo ser adoptados planos de fiscalização e inspecção art. 41 n.º 1. Estes planos servem mais a fiscalização, pois em virtude da dificuldade de fiscalização de diversas áreas protegidas de um país inteiro, torna-se mais eficaz se for programada. A inspecção pode também ser por planos, mas também pode ser efectuada de forma cauística e aleatória (art. 40 n.º 1 b).

EFEITOS NA AVALIAÇÃO DE IMPACTE AMBIENTAL

As áreas protegidas gozam de um estatuto especial no regime da avaliação de impacte ambiental, nomeadamente no seu âmbito de aplicação. A avaliação de impacte ambiental consta do Decreto-Lei n.º 69/2000, de 3 de Maio. Nos termos do art. 1 n.º 3 b) estão sujeitos a AIA os projectos referidos no anexo 2. Este anexo faz uma distinção entre as áreas sensíveis e as restantes áreas, nomeadamente na fixação dos limites em que a partir do momento em que são ultrapassados o projecto passa a ser sujeito a avaliação de impacte ambiental, limites esses que, obviamente, são mais exigentes para as áreas sensíveis. Por exemplo, numa área sensível passa a estar sujeito a AIA a construção de um parque eólico com 10 ou mais torres. Fora destas áreas já será 20 ou mais torres. Nos termos do art. 2 b) i), as áreas protegidas são consideradas áreas sensíveis, pelo que se aplicam os limites a estas destinadas. Trata-se de mais um instrumento de defesa destas áreas consagrados pela lei. Percebe-se porquê: sendo o objectivo das áreas sensíveis a preservação, é natural que os projectos que possam causar danos ao ambiente sejam avaliação de forma mais exigente, pois, devido ás características da área, mesmo que em menor dimensão o projecto pode causar mais danos ou prejudicar exactamente aquilo que se quer preservar, numa área com características especiais que levaram à classificação de área protegida.


REGIME CONTRA – ORDENACIONAL

Direito sem sanção não é eficaz, e muitas vezes não serve mesmo de nada. As contra-ordenações ambientais detêm um regime próprio, constante da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto. Nos termos desta lei, as contra-ordenações podem ser leves, graves e muito graves, estando os montantes previstos no art. 22 da referida lei. As contra-ordenações por violação do regime jurídico da conservação da natureza constam dos art. 43 e 44. De acrescentar ainda que os infractores estão obrigados a remover as causas da infracção e à reconstituição da situação anterior à mesma (art. 48 n.º 1). Note-se que grande parte destas contra-ordenações incidem sobre comportamentos por parte dos particulares que são proibidos nestas áreas protegidas, que estão previstos nos diplomas que regulam estas áreas, como proibidos ou interditos (art. 43 n.º 1). Ou seja, para ser aplicada a contra-ordenação leve de prática de campismo, prevista no art. 43 n.º 4 d), é necessário que o diploma que cria a área protegida expressamente indique esta actividade como proibida, seguindo-se então os trâmites gerais do procedimento contra-ordenacional do ambiente.


CONCLUSÃO

Parece ser um regime adequado à protecção da natureza, realçando o facto de não esquecer as pessoas, na qualidade de interessados, na participação de defesa do ambiente. Apesar de ser um decreto-lei muito recente, é necessário que a prática também funcione. Não basta ter leis muito bonitas que protejam a natureza, é necessário que a sua aplicação também proteja a natureza. Mas estamos a falar de um decreto-lei muito recente, pelo que não é possível ainda tirar conclusões sobre a sua aplicação.