terça-feira, 19 de maio de 2009

PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO:AUTÓNOMAMENTE ÚTIL?

O princípio da precaução reflecte a busca pela perfeição. A sua origem funda-se na década de setenta na formulação alemã do Vorsorge, de que é uma das traduções possíveis. Desde então, o principio da precaução tornou-se invocação comum nos meios políticos internacionais. Surge, nomeadamente, na Convenção de Viena para a Protecção da Camada de Ozono, em 1985, na Declaração do Rio sobre Ambiente e Desenvolvimento, na Convenção da Biodiversidade e na Convenção sobre a Mudança Climática, todas de 1992, e é expressamente mencionado no artigo 174 da Emenda, feita pelo Tratado de Amesterdão, ao Tratado da Comunidade Europeia.
Em 1998, a Declaração de Wingspread sobre o princípio da precaução dá-lhe uma formulação intelectual muito concreta. A incerteza científica liga-se ao perigo intuído que, por sua vez, se liga à acção da precaução. A incerteza advém da ignorância e da indeterminação inerente à incapacidade de se conhecer grandes sistemas. Por sua vez, os perigos são graves, porquanto cobrem vastas áreas e mantêm-se por longos períodos, irreversíveis e cumulativos.
Nesta sequência, o principio da precaução tem vindo a ser tendencialmente autonomizado com um conteúdo mais amplo. A acção de precaução tem um carácter preventivo na medida da antecipação que visa atingir. A precaução impõe-se sempre que uma actividade ameace causar danos ao ambiente e, segundo esta, haverá que tomar medidas a priori ainda que não esteja estabelecida por completo a relação de causa e efeito entre a actividade e o dano causado. O que está em causa na responsabilidade científica não é a bondade ou a maldade do cientista individual ou das comunidades científicas. É com certeza que é sempre possível, e pontualmente necessário, avaliar, quer um quer outras, em termos de grau de moralidade, isto é, do cumprimento dos padrões da sua própria deontologia.
A precaução tem em si a ideia de intervenção perante potenciais danos ao ambiente, ainda que não existam provas científicas que estabeleçam um nexo causal entre uma actividade e os seus efeitos. Como tal a mesma supõe uma intervenção com o objectivo da adopção de medidas que se mostrem necessárias e adequadas a evitar que esse dano potencial ocorra. Neste sentido temos entre nós algumas posições que têm em comum o reconhecimento da dificuldade de delimitação do próprio conteúdo e sentido da precaução.
Para a autora citada, Ana Gouveia Martins (também neste sentido Prof. Gomes Canotilho) o âmbito da prevenção é delimitado pelo risco que, na sua concepção, existe quando não há certeza científica de que determinado acto gera determinado dano a um bem jurídico. No essencial a precaução actuaria perante riscos previsíveis que seriam provocados por acções humanas. Consequentemente aquilo que realmente se pretende alcançar em nome do princípio da precaução é que se tomem medidas para evitar os possíveis efeitos prejudiciais, inclusivamente quando não existam dados científicos que demonstrem um vínculo causal entre determinada actividade e os seus efeitos. Nesta formulação exige-se que os governos adoptem medidas sem considerar factores compensadores e sem que existam dados científicos que demonstrem o dano causado. Mais, neste contexto, é sobre o proponente da actividade técnica que recai o ónus da prova da sua inocuidade e não sobre o público, que não necessita de provar a sua periculosidade. A precaução, no seu limite pode ter como finalidade o “risco 0” para uma dada comunidade numa certa época. Aprofunda quem partilha desta concepção que a precaução tem subjacente a máxima de in dubio pro natura de modo a fortalecer os fundamentos para a actuação em nome da precaução.
Do excerto podemos realçar o reconhecimento da existência de dificuldades suscitadas pela autonomização da precaução, nomeadamente no que respeita à delimitação dos critérios de delimitação de precaução. Perante estas dúvidas e incertezas demonstradas por quem defende esta solução como sendo a que melhor serve os interesses ambientais e assegura uma maior protecção do meio ambiente, urge analisar o reverso da medalha.
Em sentido oposto temos o Prof. Vasco Pereira da Silva, posição esta que é espelhada pelo excerto a comentar. O Prof. defende a adopção de um conteúdo amplo do Principio da Prevenção que assim abarca a ideia de precaução na sua vertente moderada e utilitária. Nesse sentido invoca que prevenção e precaução são sinónimos o que explica a dificuldade de delimitação dos critérios a que atendem ambos os conceitos. A delimitação que alguns autores fazem não é clara nem explícita o que enfraquece a tese de autonomia e desprotege de fundamentos a sua defesa. Alega também que a autonomização de precaução implicaria uma desprotecção do âmbito legal da mesma, já que o princípio da precaução encontra consagração constitucional (Art. 66º CRP) e goza de toda a protecção que a mesma implica. Assim, autonomizar a precaução é retirar-lhe a protecção constitucional e todas as vantagens que a mesma implica, o que se reflecte a nível da protecção dos valores ambientais.
O comentário a ambos os excertos visa realçar as vantagens e desvantagens da autonomização do Princípio da Precaução. Perante as várias incertezas que implica não parece ser a via mais adequada no que respeita á defesa dos valores ambientais que pretende alcançar, pelas razões supra citadas.