domingo, 24 de maio de 2009

Comentário à 5ª tarefa

Cabe-nos analisar as duas perspectivas possíveis na leitura do artigo 66º da Constituição.
A perspectiva Ecocêntrica está presente em várias manifestações políticas. Cientistas políticos e filósofos (como Rousseau que lamentam a perda do Estado de Natureza enquanto realidade idílica, manifestantes que se amarram a árvores prestes a serem cortadas, pessoas que abdicam da tecnologia para prevenir o aquecimento global, e até cientistas com maior ou menor pendor profético que adivinham cenários pós-apocalípticos, geralmente por culpa humana, em que retornamos à primordial forma de Sociedade. Grosso modo poderíamos dizer que estas pessoas comungam da crença ontológica de que não existe divisão existencial que justifique que os seres humanos sejam a)os únicos portadores de valor intrínseco ou b)possuam maior valor intrínseco do que a Natureza não-humana. A esta crença ontológica corresponde a exigência ética de igualdade de valor intrínseco entre realidades humanas e não humanas. Sendo os humanos parte indestacável da Natureza, os desígnios naturais deveriam tomar precedência sobre as aspirações humanas individualmente consideradas. É uma formidável oponente ao Antropocentrismo dominante na teoria política Ocidental, que por sua vez atribui ao Homem individual um papel central na relação com a sua comunidade política.
Embora reconheçamos algum valor à teoria, enquanto alerta para comportamentos mais desviantes, entendemo-la como profundamente desadequada para dirimir os problemas políticos e jurídicos em matéria ambiental.

Ela não é uma concepção "de liberdade". Com isto queremos dizer que ela é profundamente antidemocrática, e contrária às ideias fundamentais do Constitucionalismo. A ideia de submissão da nossa liberdade a um valor estranho às legítimas aspirações de outros é fatalmente anti-liberal e atentatória da própria dignidade humana.É muito difícil definir o âmbito da teoria. O ecocentrismo, no limite, teria o efeito de contágio da Constituição, submetendo todos os outros direitos ao Ambiente, já que este seria, por consequência, um Direito Absoluto irredutível e inegociável. Na verdade, na pesquisa que desenvolvemos para esta matéria, bastava substituírmos a palavra Ambiente por Estado e experimentaríamos a reacção alérgica que normalmente dispensamos às formas e ideias de Estado que aterrorizaram a Europa e o Mundo ao longo do século XX. O maniqueísmo não presta um bom serviço à Constituição. As opções da comunidade política não são entre o Bem e o Mal (aqui, entre o "Poluidor" e o "Ambiente"), mas são um esforço de preservação da maior liberdade possível, tendo em conta os desejos da maioria e as posições subjectivas das minorias.
Parece-nos evidente que toda a dogmática jurídica Ocidental se baseia na ideia de que o Homem é o destinatário e o fim da norma jurídica. Outra concepção, mais do que uma "leitura" do artigo 66º, é uma Revolução Coperniciana da estrutura Constitucional.
No fundo, a questão remete para uma dissidência na percepção da Natureza Humana. O ecocentrismo reconhece-a como industrial, artificial, anti-natural.O antropocentrismo entende-a com displicência, como um instinto que facilmente se confunde com o dos outros animais - com defeitos, originados pelo excessivo zelo na auto-preservação ou noutro qualquer desígnio humano, mas ainda assim uma realidade que merece a protecção do Estado enquanto manifestação de liberdade. E daqui se retira a grande virtude do antropocentrismo no confronto de ideias: se podemos dizer que a preservação do ambiente é um fim dos homens enquanto comunidade política, e que a sua auto-preservação à natureza da espécie assim o obriga, não podemos dizer da protecção do ambiente enquanto valor isolado conhece outras realidades. Porque discordante da Natureza Humana, o ecocentrismo suprime esta Natureza, e negligencia todos os valores humanos em detrimento da perfeição primordial, da biosfera, onde há o retorno ao equilíbrio absoluto que os seres humanos quase lograram destruir. O antropocentrismo, apesar de não se esquivar a prevenir cenários de decréscimo de qualidade de vida ou de aniquilação global, fá-lo com a ponderação de outros valores humanos: isto porque vê o Homem como uma força da Natureza, e não como um alienígena estranho ao seu plano inicial, como que predestinado a destruí-La.

Debelada a questão, nada nos resta senão dizer que o Direito ao Ambiente não conhece diferente tratamento dogmático de outros direitos fundamentais do mesmo título na Constituição.
Quanto à tutela objectiva e subjectiva, parece-nos relevante em termos de correlação com os instrumentos de reacção processual: a tutela objectiva existe quando o particular reage contenciosamente sem interesse directo (perdoe-se-me o apelo pela conveniência da expressão, algo incorrecta, porque ninguém leva a juízo causa que não lhe interesse) e a subjectiva quando esteja em causa um direito concreto de que é titular, com manifestação específica. No Direito do Ambiente esta distinção é particularmente líquida. Em todo o caso, a tutela objectiva não significa que o particular está desligado do direito, mas sim que o direito não incide sobre ele de forma individualizada. Esta forma de reacção surge como instrumento privilegiado de controlo do Estado, por consequência dos múltiplos feixes de posições activas que o direito concede, e não como uma excepção dogmática.É um direito de todos, e não um direito de ninguém - estamos, pois, em terreno característico da Administração infra-estrutural.A tutela subjectiva apresenta-se quando a incidência do Direito ao Ambiente é de tal forma intensa num particular que acaba por criar uma obrigação de abstenção por parte dos outros agentes sociais - do Estado, por força da Constituição e Lei, dos outros particulares, por força de uma leitura conforme à Constituição dos preceitos legislativos horizontais aplicáveis. Esta tutela subjectiva parece-nos ser útil enquanto definição do conteúdo do Direito em termos mais concretos, e fixação da extensão da posição do particular, mas a verdade é que muito dificilmente se distingue este direito subjectivo ao Ambiente de um direito mais intensivamente ligado à esfera jurídica individual (mais "específico", utilizando a noção de direito subjectivo de Menezes Cordeiro - a permissão normativa específica de aproveitamento de um bem) - como seja o direito de propriedade, o direito à saúde, ou até à livre iniciativa económica. É este o grande desafio técnico do Direito do Ambiente