domingo, 24 de maio de 2009

A responsabilidade civil no Direito do Ambiente

As condutas violadoras do Direito do Ambiente, maxime na sua dimensão negativa, que coincidem com a abstenção de acções ambientalmente nocivas, ou seja, a imposição de deveres de abstenção no sentido de conservar o ambiente de que cada um goza, impedindo os atentados de terceiros, nas palavras do Prof.Gome Canotilho.
Também neste sentido se pronuncia o Prof.Jorge Miranda: perpassa no Direito ao Ambiente uma estrutura negativa visto que ele tem por contrapartida o respeito, a abstenção, o non facere. O seu escopo é a conservação do ambiente consiste na pretensão de cada pessoa a nao ter afectado, hoje, já o ambinete em que vive e em, para tanto, obter os indispensáveis meios de garantia. Por outro lado, continua enquanto direito económico, cultural e social, o direito ao ambiente é um direito a prestações positivas do Estado e da sociedade,um direito a que seja criado um ambiente de vida humana, sadio e ecológicamente equilibrado (Miranda, Jorge/ Medeiros, Rui - Constituição Portuguesa Anotada, Vol. I, pág. 683-684, Coimbra editora).
É também de se referir que as necessidades de prevenção do ambiente podem justificar condicionamentos a outros direitos constitucionalmente protegidos. E, frequentemente, a determinação da ilicitude da conduta do poluidor exige a avaliação de uma colisão de direitos (art. 335º CC), por exemplo, entre o direito de propriedade de um estabelecimento que emite fumos e o direito de outrém a um ambiente sadio e ecológicamente equilibrado. De resto, a liberdade de iniciativa económica tem no direito ao ambienteum campo de numerosos condicionamentos, veja-se ao nível da localização de estabelecimentos e proibição ou limitação de efluentes.
O sistema português de responsabilidade civil por danos ambientais prevê, à semelhança do Direito italiano, um duplo regme - ora valendo-se do criério subjectivo, ora valendo-se da imputação objectiva. O seu regime alterna consoante o apuramento caso a caso se os danos ambientais provêm ou não de actividades perigosas: assim, se provierem a responsabilidade será objectiva; caso contrário, o regime deverá ser o da responsabilidade aquiliana.
A LBA (Lei 11/87, de 7 de Abril) preceitua no seu artigo 3º, al. h) o princípio da responsabilização entendendo-se por este a assunção pelos agentes das consequências para terceirosde uma acção directa ou indirecta sobre os recursos naturais.
Depois, o artigo 41º prevê o regime da responsabilidade civil por dano ambiental, mas só no que concerne à imputação objetiva, ou seja, quando estejam em causa o exercício de actividades perigosas.
Desta forma, em tudo o que não esteja relacionado com o exercício de actividades desta natureza, a tutela do bem ambiente é apenas deferida pelo regime geral:
  • Dos direitos de personalidade (arts. 70º e ss. CC) em articulação com o direito ao ambiente - não raras vezes isso sucede;
  • Dos direitos devizinhança (arts. 1346º e 1347º CC) - quando estejam em causa emissões de fumos, ruídos, gases, etc.;
  • Daresponsabilidade civil subjectiva.

O surgimento da Lei 83/85, 31 de Agosto (Lei de Acção Popular) causou dúvidasobreque disposção legal deveria ser dali em diante aplicada em caso de responsabilidade pelo risco: Se seria o art.41º da LBA ou se seria o art. 23º da Lei da Acção Popular. E isto porque o art. 23º veio reeditar a responsablidade objectiva nos seguintes termos: art.23º (responsabilidade civil objectiva). Existe ainda obrigação deindemnização por danos independentemente da culpa sempre que de acções ou omissões do agente tenha resultado ofensa de direitos ou interesses protegidos nos termos da presente lei e no âmbito ou na sequência de actividade objectivamente perigosa.

Perante este cenário de concurso de normas potencialmente aplicáveis, o Dr. Cunhal Sedim vem defender uma posição que privilegia a aplicação da regra especial que prevê uma imputação pelo risco especificamente adequada à teleologia ambiental, isto é, o art.41ºda LBA.

O sentido doart. 23º da Lei de Acção Popular seria então o de alargar o regime da responsabilidade objectiva a outras espécies de interesses que ela protege, tais como a saúde pública e o consumo.

Naturalmente que a responsabilidade civil por danos ambientais não escapa aos pressupostos geraisda responsabilidade civil. Assim, exige-se igualmentes:

  • Um facto voluntário;
  • Ilicitude;
  • Culpa (salvo nos casos de responsabilidade objectiva);
  • Dano;
  • Nexo de causalidade entre o facto e o dano.

Considerações especiais sobre estes dois últimos:

  • O dano, porque existem danos que não se repercutem em nenhuma esfera jurídica em particular, mas cujos efeitos ambientais não deixam ainda assim de merecer tutela do Direito. Nestes casos deve intervir não já o conceito dano ambiental, mas sim o de dano ecológico (que difere daquele dano ambiental, pois não tem lesados individuais nem autor determinado);
  • O nexo de causalidade, porque em sede de responsabilidade civil por danos ambientais, ele é de muitos dificil verificação. Não só porque raramente é possivel identificar uma única causa geradora de dano ambiental (verificando-se muitas vezes um concurso de causas), mas ainda porque o facto que causa o dano ambiental tanto pode agir isolada como conjuntamente com outros factos.

A solução destes casos poderá passar pelo estabelecimentos de regras da propabilidade ou de presunções de causalidade, tanto por via jurisprudencial como legal - como acontece na Alemanha, onde uma regra do BGB estabelece que: sempreque uma empresa estiver, de acordo com as circunstâncias do caso, em condições de provocar os danos verificados, presume-se que tais danos foram por ela causados.

Noutras vezes ainda, quando o dano ambiental se apresenta anónimo pode prescindir-se da identificação do seu autor com a aplicação da teoria da market-share-liability, nos termos da qual cada empresa é responsável pelos efeitos danosos da contaminação na proporção da sua quota de mercado.

Nas hipóteses de causalidade alternativa em que não se pode afirmar com certeza qual dos agentes tenha causado dano, pode funcionar a imputação conjunta. O Prof. Menezes Cordeiro aponta o seguinte exemplo: Há uma descarga no rio que mata toneladas de peixe; só uma das fábricas a poderia ter feito, sem que no entanto se saiba qualfoi exactamente. No direito do ambiente está pois em aberto a possibilidade de se responsabilizar as duas.

Quanto ao modo de reparação do dano ambiental,a maioria nos sitemas jurídicos opta pela reconstituição natural como forma preferencial de ressarcimento. Assim também acontece no nosso ordenamento: o artigo 48º, nº1 da LBA manifesta essa preferência ao obrigar o lesante a remover as causas da infracção e a repor a situação anterior à mesma ou equivalente. Se esta reconstituição não for possível, deve então recorrer-se à indemnização em dinheiro, nos termos no nº3.

Por fim, gostaria de aflorar a (in)aptidão do instituto da responsabilidade civil para proteger adequadamente o ambiente: é que nos casos já referidos de danos ecológicos, em que não existem lesados individuais e/ou são provocados por sujeitos indeterminados, não haverá o esquema bipartido do lesante/lesado, próprio da responsabilidade civil nos termos gerais. Mas esta inadequação não se fica no âmbito dos danos ecológicos: também nos danos ambientais, em que lesante e lesado estão bem definidos, sucede que as actividades poluentes são muitas vezes lucrativas para o poluidor, pelo que este, mesmo conhecendo as consequências dos seus actos, opta pela sua continuação porque a actividade poluente é fonte de ganhos substranciais e ainda porque na prática, é frequente que nem venha sequer a arcar com as consequências da sua conduta em face da morosidade, da justiça e das dificuldades de prova dos factos em processo.

Em conclusão, lançado mão da doutrina do Prof. Gomes Canotilho, a responsabilidade civil não poderá ser o único meio à disposição da proteção do ambiente, devendo ser uma entre outras opções: a avaliação de impacto ambiental; a eco-rotulagem (indicação das características ambientais no rótulo do produto como forma de incentivar um consumo ambientalmente esclarecido); a eco-gestão (gestão de empresas em moldes ambientalmente responsáveis).

Para a eco-etiqueta propende também o Prof. Vaz Pereira da Silva, enquanto forma de contribuir para a redução de impactos ambientais negativos e para a utilização eficiente dos recursos. São todos eles mecanismos que actuam ex ante, mas que têm a mesma finalidade: o dever de proteger o ambiente.