quarta-feira, 29 de abril de 2009

8ª - ORDENAMENTO DO TERRITÓRIO VERDE

Os Planos de ordenamento do território e urbanismo têm a maior das relevâncias para a tutela ambiental – são estes, actos administrativos que regulam a afectação dos solos e dos espaços numa lógica finalística de conformação e harmonização dos vários interesses em conflito. Um destes interesses, muitíssimo considerado neste âmbito, é o Ambiente.

O Direito do Ordenamento do Território e o Direito do Urbanismo são de facto importantes fontes de Direito do Ambiente, tanto assim sendo, que já se tentou definir o direito do urbanismo como um mero capítulo de direito do ambiente – e os planos de ordenamento do território e de urbanismo como meros instrumentos para a realização de fins de protecção do ambiente. O direito do ambiente seria então um ramo de direito horizontal, global, que cobriria outros.
Mas não é exactamente assim, como diz Fernando Alves Correia; antes são disciplinas autónomas, ao nível dos meios, fins e objectivos, muito embora estreitamente conexas.
O direito do ambiente é prosseguido através de muitos dos instrumentos de direito do urbanismo, e o ordenamento do território realiza, a par de outros interesses e objectivos, a tutela do ambiente.

O artigo 27º da Lei de Bases do Ambiente define que o ordenamento do território (nº1 c)) e os planos de ordenamento do território e outros instrumentos de intervenção urbanística (nº1 e)) são instrumentos da Politica de Ambiente.

O artigo 3º da Lei de Bases da Politica do Ordenamento do Território e de Urbanismo (lei 48/98), por seu turno, diz ser fim da mesma politica, assegurar o aproveitamento racional dos recursos naturais e a preservação do equilíbrio ambiental (c)).

Os planos especiais revestem, neste tema, uma importância especial: definidos no 8º d) e no 9º 4 da LBPOTU, são instrumentos de gestão territorial com carácter de norma especial, perante os demais instrumentos gerais.
São um meio supletivo de intervenção do Governo apto à prossecução de objectivos de interesse nacional (8ºd) 48/98), que estabelecem especificamente regimes de salvaguarda de recursos e valores naturais (42º 2 e 44º do decreto-lei 380/99, sobre os instrumentos de gestão territorial), com vigência a nível nacional, e prevalecentes sobre os planos municipais e intermunicipais.
São planos especiais os planos de ordenamento de áreas protegidas; os planos de ordenamento de albufeiras de águas publicas; os planos de ordenamento da orla costeira; e planos de ordenamento dos estuários – assim o 42º3 do dec.lei 380/99.
Os planos especiais são ainda vinculativos para os particulares – 11º2 48/98 e 3º2 do 380/99.

Todo o ordenamento do território está construído com uma forte componente ambiental. Já em 1990 a CEE lançava o Livro Verde sobre Ambiente Urbano, onde exaltava a necessidade de incorporação dos interesses ambientais no planeamento.
Facto é que todos os instrumentos de ordenamento do território estão submetidos a critérios e preocupações de teor ambiental – e a própria hierarquia de planos contribui para que se respeitem as politicas ambientais, assim se construindo um ordenamento do território mais verde.

5ª Tarefa: A CRP É VERDE POR CAUSA DA NATUREZA, OU POR NOSSA CAUSA?

A questão não é menor: como se explica, para além de noções éticas e humanas, a consagração constitucional da protecção do ambiente? Que enquadramento jurídico-constitucional, que porquê da sua consideração?
A questão não é menor, e Carla Amado Gomes coloca-a em termos precisos: é uma opção ideológica que reside em saber o que se vai tutelar: a salvaguarda da natureza enquanto bem para o Homem ou enquanto bem em si mesma?

A primeira opção corresponde ao antropocentrismo ecológico: o ambiente e os bens naturais vistos como Direito Fundamental, fonte de utilidades para a vida humana; a instrumentalização da Natureza, ao serviço do bem-estar do Homem e suas próximas gerações. Ou, como diz Carla Amado Gomes, a tutela do ambiente consoante a sua capacidade de aproveitamento, e o seu valor calculado à medida do homem.

A segunda toma a Natureza como bem em si mesmo, merecedor de tutela, independentemente da capacidade para satisfazer as necessidades humanas, reconhecendo-lhe dignidade autónoma, para alem do direito à vida, saúde, património, etc.


Vasco Pereira da Silva defende, por seu lado, uma subjectivização da defesa do Ambiente, considerando-o um Direito Fundamental – mais que nada, pela protecção efectiva do mesmo, pois só tornando-o “algo de todos”, só a consagração de um direito fundamental ao ambiente, pode garantir a adequada defesa contra agressões ilegais.

Gomes Canotilho diz-nos que o Ambiente é um direito fundamental, mas chama a atenção para a sua natureza de Interesse Colectivo: um valor supra-individual, social, que não é susceptível de apropriação individual.
Não existe um verdadeiro direito subjectivo a não existir poluição ou chuva ácida, a que não se extingam as espécies, a que os habitats e os sistemas ecológicos não sejam alterados – antes nos deparamos, nas palavras de Colaço Antunes, com um bem objectivo, a que assiste uma função de fruição colectiva.
Assim, o ambiente é, na realidade, um bem jurídico tutelado de forma directa e imediata, i. é, não se reduz exclusiva nem necessariamente à tutela da vida, da saúde, do património, direitos de exercício e gozo privados, e privatizáveis.
Mas não obstante a sua dimensão pública e colectiva, importa em todo o caso ainda mostrar que essa sua natureza não prejudica (pelo contrário, reforça-a) a circunstância de o ambiente dever ser também assumido como direito de todo e qualquer cidadão individualmente considerado. (Gomes Canotilho)

Afinal, o Ambiente é um direito do Homem, ou um bem objectivo em si?
Ou ambos – leitura mista? Ou nenhum – leitura alternativa?

A CRP trata deste tema de forma não unívoca.
Por um lado, a sua consagração constitucional (66º) insere-se na parte dos Direitos Fundamentais, o que apontaria para considerá-lo um direito subjectivo do Homem; a própria epigrafe da norma – Ambiente e qualidade de vida – apontaria para o Ambiente como um bem cujo aproveitamento seria orientado para a satisfação das necessidades do Homem. A expressão do mesmo artigo “ambiente de vida humano e sadio” pareceria mais uma pista, no sentido afinal de um antropocentrismo ecológico.
A Lei de Base do Ambiente também aponta neste sentido, no seu art. 2º (1 - Todos os cidadãos têm direito a um ambiente humano e ecologicamente equilibrado).
Não há dúvida sobre o reconhecimento de um direito subjectivo e fundamental ao Ambiente.

Por outro lado, a CRP deixa também uma linha de interpretação objectiva da tutela do Ambiente, definindo-a como tarefa fundamental do Estado, no 9º e), entre outras normas (81º 1 m), 90º, 93º1d)).
O próprio 66º, que consagra o direito fundamental ao Ambiente, impõe simultaneamente a sua protecção, nos nºs 1 e 2 in fine, e a referência ao equilíbrio ecológico parece supor que o ambiente é algo mais que um simples direito fundamental; e assim também, as alíneas c) g) d) do nº 2 do mesmo artigo.

Parece que afinal estamos perante uma 3ª via, entre os extremos do ecocentrismo, e do utilitarismo puro - aquilo a que se chama o antropocentrismo alargado, ou extended stewardship ideology.
J. Cunhal Sendim explica o plus devido ao antropocentrismo simples: o antropocentrismo alargado fundamenta-se na consideração do interesse público da integridade e estabilidade ecológica, e pode, desse modo, justificar o sacrifício de interesses humanos no aproveitamento imediato dos bens naturais

É de facto uma leitura mista a que deve ser feita. Deve reconhecer-se o direito de cada Homem ao ambiente – “o seu lugar ao sol” -, de modo a que os cidadãos possam reagir contra agressões ao que é património de todos. Veja-se a regulação de acção popular, que reconhece a todos os indivíduos legitimidade processual em processos de danos ambientais.
Por outro, o Ambiente é ainda um valor em si, valioso na sua propriedade, merecedor de tutela e responsabilização, e não apenas em função das suas utilidades funcionais.

Freitas do Amaral escreveu, sobre o Direito do Ambiente, que era o primeiro ramo de direito que nasce, não para regular as relações dos homens entre si, mas para tentar disciplinar as relações entre o Homem e a Natureza – os direitos do Homem sobre a Natureza, os deveres do Homem para com a Natureza, e eventualmente os direitos da Natureza perante o Homem.

terça-feira, 28 de abril de 2009

O Princípio do Poluidor-Pagador

O Princípio do Poluidor-Pagador, tal como o próprio Direito do Ambiente (onde, aliás, se insere), é um princípio bastante recente. Presume-se ter nascido como um slogan político na contestação estudantil de Maio de 68 ainda que, oficialmente, o seu nascimento como princípio internacional de política do ambiente, veio a dar-se em 26 de Maio 1972, numa recomendação (C (72) 128), adoptada pelo Conselho da OCDE intitulada “Princípios Reguladores da Dimensão Económica Internacional das Políticas Ambientais”. Nesta, estabelece-se que “o poluidor deve suportar as despesas da tomada de medidas de controlo da poluição, decididas pelas autoridades públicas, para assegurar que o meio-ambiente se mantenha em estado aceitável ou, noutras palavras, que os custos de tais medidas sejam reflectidos nos preços dos bens ou serviços que causam poluição na sua produção e/ou consumo”.

Logo em Novembro de 1973, o Princípio do Poluidor-Pagador foi adoptado como “Princípio Base da Acção Comunitária em Matéria de Ambiente”, no Programa de acção das Comunidades Europeias em matéria de Ambiente. Todavia, só em 1987 com o Acto Único Europeu, adquiriu a natureza de Princípio Constitucional do Direito Comunitário do Ambiente através do aditamento ao Tratado do art. 130.º-R (actual art. 174.º). Refere este preceito, no seu nº 2, que “A Política da Comunidade no domínio do ambiente terá por objectivo atingir um nível de protecção elevado, tendo em conta a diversidade das situações existentes nas diferentes regiões da Comunidade. Basear-se-á nos princípios da precaução e da acção preventiva, da correcção, prioritariamente na fonte, dos danos causados ao ambiente e do poluidor-pagador.”.

O Princípio do Poluidor-Pagador foi ainda reconhecido como Princípio de Direito Internacional Público na Declaração do Rio de Janeiro de 1992 (“Princípio 16: As autoridades nacionais deveriam procurar fomentar a internalização dos custos ambientais e o uso de instrumentos económicos, tendo em conta o critério de que o causador da contaminação deveria, por princípio, arcar com os seus respectivos custos de reabilitação, considerando o interesse público, e sem distorcer o comércio e as inversões internacionais.”).

Finalmente, foi desenvolvido no âmbito do Direito Comunitário através da Directiva 2004/35/CE de 21 de Abril de 2004. É nesta que é consagrado especificamente o Princípio do Poluidor-Pagador como aquele em que “o operador que cause danos ambientais ou crie a ameaça iminente desses danos deve, em princípio, custear as medidas de prevenção ou reparação necessárias. Se a autoridade competente actuar, por si própria ou por intermédio de terceiros, em lugar do operador, deve assegurar que o custo em causa seja cobrado ao operador. Também se justifica que os operadores custeiem a avaliação dos danos ambientais ou, consoante o caso, da avaliação da sua ameaça iminente”. Esta directiva foi, de resto, transposta para o Direito Português no Decreto-Lei n.º 147/2008, como a Lei da Responsabilidade Ambiental que consagra, no nosso ordenamento jurídico, os mecanismos que executam estas as medidas propostas nesta directiva.

Entre nós, parte da Doutrina considera que o Princípio do Poluidor-Pagador não tem cariz constitucional. Todavia, esta não é a posição do Prof. Vasco Pereira da Silva que considera que “representa um corolário necessário da norma do art. 66.º nº2, alínea h) da CRP, que impõe ao Estado a tarefa de “assegurar que a política fiscal compatibilize desenvolvimento com ambiente e qualidade de vida”. A questão de se saber se o Princípio do Poluidor-Pagador tem ou não cariz constitucional vai, de certo modo, colidir com a questão mais ampla de saber se o Princípio do Desenvolvimento Sustentável pode também ser um princípio constitucional ou se, colocando a questão num outro prisma, se o Princípio do Poluidor-Pagador é um mera concretização deste princípio do desenvolvimento sustentável.
Na minha opinião, estando consagrado na CRP não como princípio fundamental (pelo menos explicitamente…) mas como uma “incumbência do Estado para assegurar o Direito ao Ambiente”, o Princípio do Poluidor-Pagador faz mais sentido se for lido em termos de uma “justificação económica” de certas medidas políticas do que, de um direito stricto sensu. É um princípio e como tal, funciona como paradigma de opções tomadas num determinado momento.

Infelizmente, a ciência económica despertou tarde para os problemas ambientais. Se é verdade que a responsabilidade pela sobre-exploração dos recursos naturais é directamente imputável à actividade económica em geral – e à indústria, em particular – é também verdade que à própria ciência jurídico-económica, se deve parte dessa responsabilidade, dado que lhe faltou uma visão adequada da natureza e da classificação dos bens ambientais.
De facto, os recursos naturais são classicamente classificados como “bens livres”, aos quais se contrapõem os “bens económicos”. Estes últimos caracterizam-se pela sua utilidade, acessibilidade e escassez, enquanto que os bens livres, embora úteis e acessíveis, não têm a característica da escassez. Neste âmbito, os bens económicos como escassos que são, geram conflitos de interesses que se vão repercutir essencialmente na atribuição de um preço como factor condicionante ao seu uso. Nada disto se passa nos bens livres: como não são escassos, não geram conflitos de interesses e, por isso, não existem restrições objectivas ao seu uso.
Além deste erro de expectativa (a de que os recursos naturais, como bens livres, são abundantes e inesgotáveis), foi cometido um outro erro: o facto da concepção clássica do ciclo produtivo abranger apenas a produção, distribuição e consumo dos bens económicos – sem se interessar pelo destino dos resíduos produzidos em cada fase do ciclo.

Ao qualificar os recursos naturais como res nullius (isto é, bens sobre os quais não existem direitos reais definidos o que faz com que não haja ninguém a zelar pelo seu exercício) e os resíduos como res derelictae (bens que ninguém quer), a ciência económica fez com que não houvesse a tal limitação monetária à sua procura que limitaria a sua utilização abusiva, ao pôr termo ao conhecido efeito económico da “boleia” (ninguém quer ter despesa em cooperar na sua salvaguarda na medida em que, mesmo aqueles que não cooperem, podem sempre beneficiar da sua utilização).

Os factos, como seria de esperar, vieram desmistificar o mito da abundância e da inesgotabilidade. Os recursos naturais passaram juridicamente a serem vistos como bens de todos e Património Comum da Humanidade, a que devem ter acesso não só as gerações presentes (e todas as pessoas que dela fazem parte) mas também as futuras. É imperativa a promoção de sua utilização de um modo razoável e racional, com consciência dos seus limites e numa lógica de que o seu esgotamento poderá levar ainda a mais despesa, no futuro. Despesa essa que irá, quase de certeza, muito para além da mera despesa económica.
É isto o problema económico-ambiental das exterioridades negativas (como, por exemplo, a poluição). De facto, estas são entendidas como a reacção que um comportamento de um agente económico cria reflexamente noutro, que não está em relação directa com ele e sem que isso seja espontaneamente considerado e contabilizado nas decisões de produção. Ora, verificando este tipo de exterioridades, o preço de mercado dos bens não reflecte os verdadeiros custos da sua produção uma vez que, como estas são negativas, o preço do produto no mercado é inferior ao seu preço real. Isto gera um problema grave: não há um limite a que o produtor produza mais do que é socialmente desejável, há desperdício. A solução que, mais tarde ou mais cedo, se terá de implementar, é aquela que passa pela interiorização da exterioridade, fazendo com que esta seja contabilizada como custo de produção. Há uma obrigatoriedade de impor ao produtor que suporte os custos sociais da produção, evitando o desperdício resultante da exploração desnecessária de recursos naturais.

Da formulação do Princípio do Poluidor-Pagador retira-se, pois, que quem deve suportar os custos económicos da poluição que produza é o produtor e não a comunidade. Para o efectivar, devem os governos dos Estados, na opinião da Prof. Isabel Marques da Silva, “tornarem-se cada vez mais inflexíveis nas suas medidas legislativas: eliminação de auxílios estatais a actividades poluentes e pela introdução de mecanismos jurídico-fiscais que forcem aqueles que poluem mais, a pagar consequentemente também mais”.
Há quem argumente com um problema que, na minha opinião, é mais aparente do que real: se os custos de produção vão ser imputados aos produtores, estes vão repercuti-los nos consumidores, através do aumento dos preços dos bens produzidos. Todavia, o facto de se fazer aumentar o preço do bem faz reduzir a procura e, por isso, a produção de bens que são poluentes. Além disso, se o produtor produz para o mercado, também o consumidor beneficia da poluição produzida, não sendo, por isso mesmo, completamente injusto que seja ele também a cobrir parte do custo da poluição. Ainda assim, nos tempos de crise por que, de um modo geral, toda a comunidade internacional está a passar, fazer com que os preços dos bens provenientes de recursos naturais (muitos deles, bens de primeira necessidade) não será uma medida muito facilmente aceite. Como resultado, adia-se o problema ambiental o que, de resto, não é propriamente uma grande novidade…

Questão importante para este efeito é o de saber, afinal, quem é o poluidor. A resposta é-nos dada pela a própria Directiva 2004/35/CE de 21 de Abril de 2004 que o define como “qualquer pessoa singular ou colectiva, pública ou provada, que execute ou controle a actividade profissional ou, quando a legislação nacional assim o preveja, a quem tenha sido delegado um poder económico decisivo sobre o funcionamento técnico dessa actividade, incluindo o detentor de uma licença ou autorização para o efeito ou a pessoa que registe ou notifique essa actividade”.
Mas este poluidor paga o quê? Para quem veja no Princípio do Poluidor-Pagador algo que se reconduz à responsabilidade civil, o poluidor suportará, nos termos da teoria da causalidade adequada, os custos necessários à reparação dos danos causados.
Não é, no entanto, de aceitar este entendimento. A já referida Directiva 2004/35/CE de 21 de Abril de 2004, no seu considerando 13, expressa que “nem todas as formas de danos ambientais podem ser corrigidas pelo mecanismo da responsabilidade. Para que este seja eficaz, tem de haver um ou mais poluidores identificáveis, o dano tem de ser concreto e qualificável e tem de ser estabelecido um nexo de causalidade entre o dano e o ou os poluidores identificados. Por conseguinte, a Responsabilidade não será um instrumento adequado para tratar a poluição de carácter disseminado e difuso, uma vez que é impossível relacionar os efeitos ambientais negativos, com actos ou omissões de determinados agentes individuais”.
Para resolver estas questões pendentes, são criadas dois tipos de acção: as acções de prevenção (art. 5.º “quando ainda não se tiverem verificado danos ambientais, mas houver uma ameaça iminente desses danos, o operador tomará sem demora as medidas de prevenção”) e as acções de reparação (art. 6.º “quando se tiverem verificado danos ambientais, o operador informará sem demora, a autoridade competente de todos os aspectos relevantes da situação e tomará todas as diligências para imediatamente controlar, eliminar ou, de outra forma, gerir os elementos contaminantes pertinentes ou quaisquer outros factores danosos”.) Além destas acções, caberá também aos operadores custear a avaliação dos danos ambientais ou, consoante o caso, a avaliação da sua ameaça iminente.

Esta breve análise do Princípio do Poluidor-Pagador permite então concluir que, ainda que se duvide do seu carácter constitucional, será fundamental na legitimação da maior parte não só das decisões governativas como, em sentido amplo, das decisões da Administração Pública. Como refere – e bem – o Prof. Vasco Pereira da Silva, o alcance deste Princípio vem a ser progressivamente alargado, “no sentido de considerar que uma tal compensação financeira não se deve penas referir aos prejuízos efectivamente causados, mas também aos custos da reconstrução da situação, assim como às medidas de prevenção que é necessário tomar para impedir, ou minimizar, similares comportamentos de risco para o meio-ambiente”.
Resta, hoje, questionarmo-nos sobre a necessidade não só de uma aplicação mais efectiva do Princípio do Poluidor-Pagador tanto em termos éticos como jurídicos e, se os mais diversos instrumentos financeiros que realizam este princípio serão os mais adequados e em que medida devem estar previstos.


Bibliografia

PEREIRA DA SILVA, Vasco, “Verde cor de Direito – Lições de Direito do Ambiente”, 2ª Reimpressão da Edição de Fevereiro 2002

MARQUES DA SILVA, Isabel, “O Princípio do Poluidor-Pagador”, Estudos de Direito do Ambiente, 2002

ARAGÃO, Maria Alexandra de Sousa, “O Princípio do Poluidor-Pagador – Pedra Angular da Política Comunitária do Ambiente”, Coimbra Editora, 1997

MIRANDA, Jorge e MEDEIROS, Rui, “Constituição Portuguesa Anotada – Tomo I”, Coimbra Editora, 2005

domingo, 26 de abril de 2009

Dos Principios da Precaução e Prevenção.

De facto,a discussão em volta destes dois princípios do direito do ambiente,quanto à sua significação,conteúdo e alcance,tem levado a doutrina ao longo dos anos a inúmeras tomadas de posições,que de uma forma sumária podem ser reconduziveis a três grandes entendimentos doutrinários.Assim alguns juristas referem-se aos Princípios da Prevenção e Precaução como sendo o mesmo,ou seja consideram-nos sinónimos,outros por sua vez, fazem uma distinção entre ambos,estando a maioria da doutrina com esta última posição e outros defendem ainda que um complementa o outro.
Na minha opinião parece-me fundamental a destrinça entre estas duas realidades desde logo porque a semântica dos princípios é diferente,apesar de não ser muito clara.Já o é,contudo diferente,de forma até bem visível,a diferença entre a natureza e teleologia desses princípios.Há uma diferença fundamental entre o que se pretende por intermédio da precaução e o que se quer pela prevenção,devendo o Principio da Precaução ser visto como um principio que antecede a prevenção,seja qual for,a sua preocupação não é evitar o dano ambiental,senão porque,antes disso pretende evitar os riscos ambientais.
Assim no Principio da Prevenção previne-se porque se sabe quais as consequências de se iniciar determinado acto,prosseguir com ele ou suprimi-lo.O nexo causal é cientificamente comprovado,é certo,decorre muitas vezes até da lógica,por sua vez no Principio da Precaução previne-se porque não se pode saber quais as consequências que determinado acto ou empreendimento ou aplicação cientifica causarão no meio ambiente,no espaço e ou no tempo,quais os reflexos ou consequências.Há incerteza cientifica não dirimida.Nesta acepção,o Principio da Precaução reforça a ideia de que os danos ambientais uma vez concretizados,não podem por via de regra ser reparados ou mais precisamente,não voltam ao seu estado anterior.Assim como afirma Gomes Canotilho:"comparando o Principio da Precaução com o da actuação Preventiva observa-se que o segundo exige que os perigos comprovados sejam eliminados.Já o Principio da Precaução determina que a acção para eliminar possíveis impactos danos os ao ambiente seja tomada antes de um nexo causal ter sido estabelecido com evidência cientifica absoluta."
No que toca ao panorama da União Europeia esta faz a seguinte distinção da expressão:Precaução/Prevenção:Prevenir significa "evitar ou reduzir tanto o volume de resíduos,quanto o risco" enquanto precaucionar seria uma "obrigação de interveniência" quando há suspeitas para o meio ambiente,devendo neste ultimo caso ocorrer intervenção estatal em relação ao risco.
Em suma deste pequeno ponto podemos afirmar que enquanto o Principio da Precaução é prioritariamente utilizado quando o risco de degradação do meio ambiente é considerado irreparável ou o impacto negativo ao meio ambiente é tamanho que exigia aplicação imediata de medidas necessárias à preservação.Já a actuação Preventiva é o ponto central do ambiente e traduz-se numa expressão bastante popular:" mais vale prevenir do que remediar "ou seja a degradação do meio ambiente deve ser evitada antes da sua concretização e não apenas combater e ou minimizar os efeitos dessa degradação.
Contudo e apesar de todas estas diferenças entre estes dois princípios,é inegável também que o Principio da Precaução está directamente ligado à actuação Preventiva.Ambos objectivam proporcionar meios para impedir que ocorra a degradação do meio ambiente,ou seja,são medidas que essencialmente,buscam evitar a existência do risco,ou seja,desenhadas que estão as distinções doutrinárias entre os termos Prevenção e Precaução é importante mencionar que ambos tem um objectivo comum que é o de preservar o meio ambiente,exigindo portanto a actuação do Estado,da organização de uma política de protecção do meio ambiente.
Por tudo o que então já foi dito,tem-se então que o Principio da Precaução dispõe sempre quando houver perigo de dano grave ou irreversível,a ausência de certeza cientifica não deverá ser utilizada como razão para se adiar a adopção de medidas eficazes a fim de impedir a degradação ambiental,ou seja ,na hipótese de incerteza cientifica,conduta "in dúbio pro meio ambiente."
Já quanto ao Principio da Prevenção por sua vez,é o fundamento pelo qual é feito um estudo cientifico prévio acerca de uma proposta de desenvolvimento e pode-se averiguar as principais consequências da adopção do projecto em questão.Nesta hipótese,sabendo-se dos riscos,ou tendo-se a ideia deles,o Estado deverá exigir as medidas mitigadoras do impacto ambiental.Em outras palavras,o Principio da Prevenção é relativo à prioridade que deve ser dada à medida que evitem a degradação do meio ambiente,de modo a reduzir ou eliminar as causas de acções que alteram sua qualidade ou quebrem seu equilíbrio.
Ora delimitada que está,nos termos atrás enunciados,o âmbito de aplicação de ambos os princípios,o que me parece correcto e mais urgente,não são de facto as divergências doutrinárias,relativamente à separação ou não dos princípios atrás enunciados,mas antes que deles transborde o cumprimento do escopo fundamental que informa o direito do ambiente que é proteger o meio ambiente e garantir melhor qualidade de vida a toda a colectividade.
E note-se para que isto suceda e resulte é em primeiro lugar necessário apelar á tomada de uma consciência ecológica por parte de toda a comunidade pois será através e tão somente da consciência ecológica que se irá propiciar o sucesso no combate preventivo do dano ambiental.Em segundo lugar,é necessário considerarmos o papel exercido pelo estado em punir,e em punir correctamente o poluidor do meio ambiente,pois só assim,é que o arsenal e aparato legislativo protector do meio ambiente poderá servir como estimulante negativo contra a prática de agressões ao mesmo.
Só assim é que se conseguirá assegurar politicas ambientais,que ataquem de forma séria e responsável,os que pelas suas práticas estejam na origem dos mais diversos danos ambientais.
É este o grande desafio do século XXI,que diante da séria crise ambiental que relega o desenvolvimento económico sustentável a segundo plano,e da devastação do meio ambiente em escala assustadora deve preocupar todos aqueles que buscam melhor qualidade de vida para os presentes e futuras gerações.

Afirmação do Principio do Desenvolvimento Sustentável ao longo dos anos.

A pressão exercida pelo Homem,sobre os ecossistemas tem aumentado desde a segunda revolução industrial,reflectindo na necessidade de desenvolvimento de novas técnicas de conservação,preservação e mitigação ambientais.Essas técnicas visam reduzir os niveis de degradação ambiental recentemente observados como a contaminação das colecções de água e dos solos,a poluição atmosférica e a substituição indiscriminada da cobertura vegetal,com a consequente redução dos habitats silvestres,entre outras formas de agressão ao meio ambiente.
A mudança da postura do Homem com a natureza tem inicio a partir da década de 60,só a partir da segunda metade do século XIX,a degradaçao ambiental e as suas catastróficas consequências,a nivel planetário,originaram estudos e as primeiras reacções no sentido de se conseguir formulas e metódos de diminuição dos danos ambientais.Desde então a preocupação de promover a mudança de comportamentos no relacionamento entre o Homem e a natureza começa a ser observado.O principal objectivo passa a ser o alcance do equilibrio entre os interesses económicos e conservacionistas levando a melhorias na qualidade de vida da população,dando origem aos processos que em conjunto futuramente seriam denominados de desenvolvimento sustentável,podendo este ser entendido como um modelo que visa atender as necessidades do presente sem comprometer as gerações futuras.O desenvolvimento sustentável pressupõe a preocupação não só com o presente mas com a qualidade de vida das gerações futuras,protegendo recursos vitais,incumentando factores de coesão social e equidade,garantindo um crescimento económico amigo do ambiente e das pessoas.
Esta visão integradora do desenvolvimento,com equilibrio entre a economia,a sociedade e a natureza,respeitando a biodiversidade e os recursos naturais,baseada na solidariedade entre gerações e na co-responsabilização e ajuda mútua entre povos,constitui o passo de fundo das políticas nacionais e internacionais de desenvolvimento sustentável.
É certo que a qualidade de vida tem melhorado para a maior parte das pessoas na maior parte dos países ao longo das ultimas décadas.No entanto,é certo também que as disparidades tem vindo a acentuar-se e a tendência de degradação ambiental global tem aumentado.No entanto,num mundo cada vez mais global há ainda um longo caminho a percorrer na procura da sustentabilidade.As pequenas ou grandes acções do dia-a-dia,na escola,na comunidade local,na empresa ou na governação,podem contribuir para conciliar o conjunto de forças,por uma melhor sustentabilidade.
Em suma,podemos afirmar que o escopo do desenvolvimento sustentável é assim equalizar,conciliar,encontrar um ponto de equilibrio entre a actividade económica e uso adequado,racional e responsável dos recursos naturais,respeitando-os e preservando-os para as gerações actuais e subsequentes.
Assim o Princípio do Desenvolvimento Sustentável representa o grande desafio da humanidade neste inicio de século.Como se sabe a actividade económica pauta-se pela conjugação do binómio "maximização de lucros" e "minimização de custos" sendo que tudo o mais que perpassa pelo processo produtivo é rotulado como externalidade.
Assim, a grande divergencia entre a economia e o meio ambiente consiste no facto de que a natureza é estruturada em eventos ciclicos,ao passo que a economia em comportamentos,lineares.Enquanto no meio ambiente um determinado comportamento humano pode gerar um impacto ambiental,seguindo-se-lhes um efeito em cascata passivel de afectar o próprio ser humano,dada a interdependência e interconexão dos seres e elementos que compõem o globo terrestre,na economia o que importa é a lei da oferta e da procura,a busca de novos mercados.Enfim,o lucro,mesmo que a custo de danos ao meio ambiente,considerados,invariávelmente,como externalidades na visão do empresário desavisado e descompromissado socialmente.
É da colisão destes segmentos que se afiguram inumeros danos ao meio ambiente colocando em risco o equilibrio ecologico e a sobrevivência das espécies no planeta,inclusive da humana.
Esse modelo predatório,inconsequente e egoista não deve remanescer.Além de não mais encontrar alicerce no plano juridico universal,haja vista a principiologia encartada nas declarações da O.N.U. sobre o meio ambiente,tão pouco se vê legitimado no plano empírico,especialmente porque a cada dia que passa a natureza evidência mais sinais de esgotamento,exigindo mudanças comportamentais por parte do homem.
Dessa forma não é permitido ao empresário actuar de maneira aleatória e indiferente em relação aos bens ambientais.Deve ao reves, em atitude ética e socialmente responsável,internalizar no processo produtivo todos os custos,inclusive ambientais,empregando os avanços tecnologicos ao serviço da sociedade,mas em harmonia com o meio ambiente.Deve evitar e prevenir condutas lesivas ao meio ambiente,como também empregar mecanismos eficazes na restauração de eventuais danos ambientais.
No entanto esse desenvolvimento hade ser sustentável,vale a pena dize-lo,deve ser implementado mediante uma visão holística e sistêmica,inserido no complexo indissociável entre um Homem e natureza,concretizando entre ambos um convivio sobrio e saudável,ecologicamente equilibrado,propiciando ao Homem de hoje e ao de amanha,uma sadia qualidade de vida.
Ora no mesmo sentido do Principio do Desenvolvimento sustentável,encontra-se o Principio da Precaução,que de uma forma muito sintetica podemos dizer que se encontra ligado aos conceitos de afastamento de perigos e segurança das gerações futuras,como também da sustentabilidade ambiental das actividades humanas.
A consagração do Principio da Precaução representa assim a adopçãode uma nova postura em relação à degradação do meio ambiente,ou seja, a precaução exige que sejam tomadas,por parte do Estado como também por parte da sociedade em geral,medidas ambientais que,num primeiro momento impeçam o inicio da ocorrência de actividades potencialmente e ou lesivas ao meio ambiente.Mas a precaução actua também quando o dano ambiental já esta concretizado,desevolvendo acções que façam cessar esse dano ou pelo menos minimizar os seus efeitos.Deve verificar-se também que a precaução abarca também uma melhor alocação dos recursos naturais,com a adopção de instrumentos eficazes no controle da utilização dos mesmos,dada a escassez de alguns bens naturais.
Ora,contudo e como tem vindo a suceder com o Principio do Desenvolvimento Sustentável,deve acrescentar-se a este panorama que a maior dificuldade na implementação do Principio da Precaução é a resistência de alguns Estados em aplicar a legislação ambiental devido ao facto de que as normas relativas ao meio ambiente implicariam eatagnação da economia,o que,na verdade,não se concretiza,porque o que se propõe é a utilização de novas tecnologias que contribuam para a manutenção do equilibrio ecologico sem prejuizo ao desenvolvimento.
Por tudo isto,afirma-se que o Principio da Precaução é a base das leis e das práticas relacionadas à preservação do meio ambiente.É preciso antes de tudo se antecipar e prevenir a provavel e ou efectiva ocorrência de uma actividade lesiva,pois há de se considerar que nem todos,os danos ambientais podem ser reparados pela acção humana.Deste modo a actuação do Principio da Precaução não se constitui apenas num recurso contra a degradação do meio ambiente.Pelo contrário,sua significação compreende também a garantia da preservação da espécie humana e consequentemente,uma melhor qualidade de vida para a colectividade.
Assim a resposta á pergunta "será o Principio do Desenvolvimento Sustentável mesmo um principio?" será dada de forma afirmativa com base no artigo 66/2b) da CRP ultima parte.
Contudo,e em suma,podemos dize-lo que ao longo dos tempos,o sentido e alcance destes principios tem sido,por um lado sacrificados,e de alguma forma até ignorados em busca de um crescimento economico cada vez mais egoista,mas também por outro lado,arredados dos interesses estaduais por meras opções politicas de conveniência governativa.Tendo com o passar dos anos contudo,os especialistas a preocupação de defenderem politicas que priviligiem sistemas produtivos de menor impacto ambiental e maior compromisso social,porque mais que uma preocupação com a questão ambiental,o convivio saudável com a natureza exige mudanças de atitude,dai na minha opinião ser urgente que os principios de direito do ambiente(nomeadamente no nosso caso o Principio da Precaução e o Principio do Desenvlvimento Sustentável)passem a ser encarados não apenas como meras directrizes ou formulações de cariz meramente superficial,para encarnarem,de forma séria uma natureza principiologica a seguir não apenas quando a conveniência assim o dite,mas antes de forma responsável e equilibrada por parte de todos nós.

Defesa dos animais em geral

Uma questão muito discutida e causadora de grandes divergencias ao longo dos anos é a de saber se existem ou não direitos dos animais e devemos de facto abordar o tema de espirito aberto e não obstinados e influenciados por dogmas que foram tomados e ficando ao longo dos anos.
Assim e na minha opinião não pode de facto haver uma dimensão constitucional,nem direitos proprios de animais,uma vez que o nosso ordenamento juridico associa os animais a coisas moveis (202 e s.s do codigo civil),ao contrário do que por exemplo sucede em outros ordenamentos juridicos,como o Alemão,onde os animais já deixaram de ser coisas.Assim o direito trata os animais como coisas e como é sabido as coisas não tem direitos,existem sim direitos das pessoas sobre as coisas.Contudo sou da opinião de que o ser humano não tem apenas direitos sobre os animais(enquanto coisas)pois sendo estes seres vivos,são na minha opinião "coisas impares","coisas diferentes" dada a nossa ligação a eles.Ao contrário das outras coisas em sentido juridico,sentem dor,desgosto,angustia,para além de pelo menos terem a capacidade de se mover por si,dai esta distinção entre os animais e todas as outras coisas.E é por os animais terem sensibilidade e sentimentos como os animais racionais,decorrente do seu sistema nervoso que se encontra o busilis da questão.Ora,e no sentido do que atrás foi dito,existem assim na minha opinião interesses difusos reconhecidos a todos e que não são susceptiveis de apropriação por ninguem, o dever de cuidado pelo bem estar dos animais enquadra-se na prespectiva do dever de protecção do ambiente,tendo em conta a natureza como um todo,as especies e os seus respectivos ecossistemas.Ora não sendo assim,a protecção da fauna um interesse individual,caberá á comunidade em geral zelar pelo bem estar,recriminando e denunciando quando esse seu bem estar é posto em causa.
De facto muitas das actividades que presencia-mos como o tiro aos pombos,as touradas,a pesca desportiva,circo,entre outras onde os animais são abusivamente sujeitos a situações contra natura,são efectivamente o retrato de uma sociedade cada vez mais virada para o lucro,consumo e para o puro entretenimento,em que tudo serve para cativar o interesse das pessoas,envolvendo,contudo estas actividades praticas do mais repugnante que há,sujeitando os animais às maiores atrocidades de que só um animal como o homem tem capacidade para imaginar,escondendo-se por detrás de todo o dito espectáculo,das referidas actividades,as condições degradantes em que os animais sobrevivem,originando por fim disturbios comportamentais como a aptia ou a agressividade entre eles.Dai que não seja prudente à comunidade em geral,refugiar-se na negação dos direitos dos animais para permitir que estes continuem à merce das mais diversas e cobardes barbaridades.Dai que na minha opinião,o caracter ludico que indiscutivelmente e infelizmente se possa retirar de tais actividades possa de maneira alguma justificar as nossas condutas em relação aos animais.Caberá assim ao Homem poupar os animais dessas práticas degradantes e metodos agressivos,protegendo-os de maus tratos e sofrimentos desnecessários,dada a finalidade de tais actividades(entretenimento e puro prazer humano),dando a estes seres tão desprotegidos e vulneráveis a existência digna que eles merecem.
Assim e em suma não há em rigor direitos dos animais, o que há é tutela juridica objectiva dos mesmos,essa sim necessária e importa constitucionalmente ao Estado.Caberá assim ao Homem e à comunidade em geral lutar pela elaboração de um ordenamento juridico que comporte e reforce uma efectiva tutela dos animais e ainda reprima exemplificadamente,toda a acção ou omissão humana violadora desta tutela,pois "um Homem que respeita o sentimento do Homem e desrespeita ou não vê com indiferença os sentimentos dos animais é um Homem proximo do mediocre".
Uma outra discussão em causa,e que tem ainda muito a ver com esta temática,diz respeito ao confronto entre direitos fundamentais.Por um lado,o direito ao ambiente como direito fundamental(66 CRP)do qual se insere o dever de cuidado pelo bem estar dos animais e por outro lado,os animais enquadrados numa tradição que faz parte do património cultural que é constitucionalmente tutelado(78 CRP),como acontece com algumas actividades acima referidas.Na minha opinião,e estando em causa o confronto entre dois direitos fundamentais,parece de facto ser importante dar primazia à tutela daquele que é mais gravemente atingido e que produz efeitos mais nefastos com a sua não observância,que quanto a mim é sem duvida o direito fundamental ao ambiente,tendo de facto a primazia deste as consequências nefastas de colocar em risco a tradição no caso circense enquanto parte importante do nosso patrimonio cultural,sendo este contudo um sacrificio justificado pela tutela juridica objectiva conferida aos animais,uma vez que o Homem deve dignificar a condição animal, não subvertendo essa dignidade além do que a natureza permite enquanto realidade integrante do direito fundamental ao ambiente,conferido aos particulares,que se traduz no direito subjectivo público que a todos é concedido para a defesa do seu direito a um ambiente de vida humana sadio e ecologicamente equilibrado(66/1 CRP).
Por essa via,o ser humano ganha consciência que tem responsabilidades/deveres de preservação do meio ambiente em todas as suas componentes e obrigações perante gerações vindouras.

sábado, 25 de abril de 2009

Da avaliação de impacto ambiental e avaliação ambiental estratégica: breve análise dos seus regimes



I. Avaliação de impacto ambiental
A avaliação de impacto ambiental é um procedimento administrativo especial, regulado pelo Decreto-Lei n.º 69/2000 e alterado pelo Decreto-Lei n.º 197/2005, de 8 de Novembro.
Colaço Antunes refere, na sua tese “O procedimento administrativo de avaliação de impacto ambiental”, que “(...) a distinção entre o procedimento tipo e o procedimento especial perde significado se atendermos que no CPA não existe esse pretendido procedimento típico ou comum, a que haveria de fazer-se referência para qualificar outros procedimentos como especiais. (...) Entendemos, porém, que não será erróneo falar-se de procedimento especial quando, relativamente às previsões contidas no Código, se verificam «desvios» tão importantes que alteram a estrutura interna do procedimento (formalizado) normalmente utilizável para o cumprimento de uma determinada finalidade administrativa”.
Este Autor entende que no procedimento de avaliação de impacto ambiental estão reunidos os requisitos de forma (tramitação diferente da geral) e de fundo (peculiaridade da matéria a que se aplica) que caracterizam o procedimento especial, referidos por González Navarro.
O procedimento administrativo de avaliação de impacto ambiental tem como objectivo evitar ou acautelar lesões que possam ocorrer no meio-ambiente, apreciando “(...) autonomamente as repercussões ambientais – presentes e futuras – de um projecto, num momento prévio ao da forma de actuação administrativa necessária para que tal actuação projectada possa ter lugar”, nas palavras do Professor Vasco Pereira da Silva.
Este procedimento tem, assim, como objectivo a apreciação dos benefícios económicos vs. Os prejuízos ecológicos de certo projecto. Tem ainda por base, como refere Colaço Antunes, “(...) um documento, o estudo de impacto ambiental, organizado por fases lógicas e temporais de modo a permitir o progressivo envolvimento de todas as partes interessadas na definição do seu conteúdo (...)”.
Segundo Colaço Antunes, de um modo sintético, são quatro as grandes funções do procedimento de avaliação de impacto ambiental:
1.Função de prevenção, face ao desenvolvimento das actividades humanas e dos riscos a elas inerentes com projecção no futuro do meio-ambiente. Esta função, por sua vez, divide-se em três conceitos:
a)Prevenção negativa: manifesta-se na impossibilidade de se desenvolver qualquer acção nefasta;
b)Prevenção positiva: formas de gestão do bem ou do interesse público através de um ordenado desenvolvimento de relações jurídicas e de formas de protecção social;
c)Prevenção-previsão: descrição e advertência de um determinado fenómeno antes que este se concretize.

2.Função de planificação, referente à integração da avaliação do impacto ambiental na planificação urbanística, territorial, sócio-económica, energética e dos transportes.
3.Função de assegurar, através da participação dos cidadãos, uma maior garantia, imparcialidade e eficiência no processo decisional da Administração Pública.
4.Repartição de competências entre as Autarquias locais e o Estado (artigo 243.º CRP).

Hoje, as funções da avaliação de impacto ambiental estão previstas no artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 69/2000, de 3 de Maio.
Posto isto, o âmbito de aplicação ambiental é-nos dado pelo artigo 1.º/1 do diploma em causa: projectos públicos e privados susceptíveis de produzirem efeitos significativos no ambiente. Este Decreto-Lei inclui dois anexos que elencam as actividades que estão sujeitas a avaliação de impacto ambiental. O anexo I apresenta uma lista tipificada [artigo 1.º/3 a)] e o anexo II apresenta uma lista exemplificativa [artigo 1.º/3 b)].
O artigo 1.º/4 refere que, mesmo que algum projecto não se encontre sujeito a avaliação de impacto ambiental de acordo com o anexo II, este pode ainda a ela ser submetido por decisão da entidade licenciadora ou competente para a autorização do projecto. Ter-se-á em conta, à semelhança do que acontece com o disposto no n.º 5, os critérios estabelecidos no anexo V.
O Professor Vasco Pereira da Silva critica o modo como o artigo 1.º está redigido, não só pela sua expressão linguística, como pela falta de clareza da delimitação do âmbito de aplicação da avaliação de impacto ambiental: o n.º 1 “(...) começa por esboçar uma cláusula geral (...), que fica incompleta; depois remete-se para uma enumeração constante de anexos (n.º 3); a seguir estabelece-se a possibilidade de alargamento excepcional e casuístico do âmbito de aplicação, mediante decisão administrativa, e voltam a ser enunciados critérios que deveriam antes constar da cláusula de natureza geral (n.º 4) (...)”, indicando mesmo uma solução alternativa de redacção do artigo em causa que, sem dúvida, seria muito mais aceitável e praticável (vide pp. 155 e 156 do Manual).
O artigo 2.º estabelece uma lista de definições a que deve recorrer-se sempre que se esteja em presença de algum daqueles conceitos, na maioria, indeterminados.
O artigo 2.º-A, vem densificar o disposto no artigo 1.º/4, estabelecendo que compete à entidade licenciadora ou competente para a autorização decidir sobre a sujeição a avaliação de impacto ambiental dos projectos que lhe são submetidos, podendo solicitar parecer à autoridade de avaliação de impacto ambiental, nos termos do n.º 2 do artigo 2.º-A.
Quanto à dispensa do procedimento de avaliação de impacto ambiental, o artigo 3.º/1 é claro: em certos casos excepcionais e com a devida fundamentação, pode ser dispensado, total ou parcialmente, do procedimento de avaliação de impacto ambiental o licenciamento ou a autorização de um projecto específico. Para tal, deve o interessado apresentar à entidade competente o requerimento de dispensa, devidamente fundamentado (n.º 2).
Seguem-se os n.ºs 3 e seg. Que dizem respeito aos prazos para análise e decisão, que não cumpre agora analisar pormenorizadamente.
No procedimento de avaliação de impacto ambiental intervêm a entidade licenciadora ou competente para a autorização; a autoridade de avaliação de impacto ambiental; a Comissão de avaliação e a entidade coordenadora e de apoio técnico (artigo 5.º), estando as competências e composição das entidades intervenientes em causa definidas nos artigos 6.º a 10.º.
Vejamos agora o procedimento de avaliação de impacto ambiental ou, nas palavras do Professor Vasco Pereira da Silva, a marcha do procedimento, regulada nos artigos 12.º a 31.º.
Podemos, então, dizer que a marcha do procedimento é composta por várias fases. Num primeiro momento, temos a fase da iniciativa, na qual o proponente desencadeia o procedimento, através da apresentação pelo mesmo de um estudo de impacto ambiental (EIA) (artigo 12.º/1), contendo os elementos exigidos ao longo do artigo em causa. O estudo de impacto ambiental tem o seu âmbito definido no artigo 11.º e deve ser dirigido à entidade licenciadora ou competente para a autorização.
Numa segunda fase, o estudo de impacto ambiental, juntamente com toda a documentação necessária, é remetido à autoridade de avaliação de impacto ambiental (artigo 13.º/1), que, por sua vez, nomeia a Comissão de avaliação para apreciação técnica do mesmo (artigo 13.º/3).
A terceira fase respeita à participação pública, processada mediante audiências públicas, convocadas pela autoridade de avaliação de impacto ambiental e com observância das formalidades prescritas pelo artigo 15.º (cfr. também artigo 14.º).
Na quarta fase tem lugar o parecer final da Comissão de avaliação que, “(...) em função do conteúdo dos pareceres técnicos recebidos, da apreciação técnica do EIA, do relatório da consulta pública e de outros elementos de relevante interesse constantes do processo, elabora e remete à autoridade de AIA o parecer final do procedimento de AIA” (artigo 16.º/1). A autoridade de avaliação de impacto ambiental, ao abrigo do artigo 16.º/2, envia a proposta de decisão de impacto ambiental por si feita ao Ministro responsável pela área do ambiente, no prazo de 25 dias a contar da recepção dos documentos em causa.
Na quinta e última fase deste procedimento, tem lugar a decisão de impacto ambiental propriamente dita (artigos 17.º e seg.).
A decisão de impacto ambiental pode ser, segundo o artigo 17.º/1:
- favorável (nada obstando ao licenciamento);
- condicionalmente favorável (condiciona-se o particular ao cumprimento de medidas destinadas a minimizar os impactos ambientais) ou
- desfavorável (o projecto não pode ser aprovado uma vez que os prejuízos ecológicos são superiores aos benefícios).
Esta decisão é proferida no prazo de 15 dias a partir da recepção da proposta da autoridade de avaliação de impacto ambiental e é da competência do Ministro responsável pela área do ambiente (artigo 18.º/1).
O regime jurídico de avaliação de impacto ambiental contém uma figura interessante: o deferimento tácito (artigo 19.º). Considera-se que a decisão em causa é favorável na falta de comunicação à entidade licenciadora ou competente para a autorização, nos prazos aí previstos, que variam consoante esteja em causa um projecto constante do anexo I (140 dias) ou no caso de outros projectos (120 dias) (artigo 19.º/1).
O legislador criou, nas palavras de Vasco Pereira da Silva, uma ficção legal de acto administrativo favorável, contrariando a regra geral do indeferimento tácito previsto nos artigos 108.º e 109.º CPA. O Professor entende que tal opção do legislador não é de louvar.
A decisão de impacto ambiental caduca se, ao cabo de dois anos sobre a data da sua emissão, não tiver sido iniciada a execução do respectivo projecto (artigo 21.º/1).
Por fim, resta-nos fazer uma breve referência ao pós-procedimento (ou, na letra da lei, pós-avaliação), referido nos artigos 27.º e seg.. Assim, este regime tem em vista o acompanhamento do impacto ambiental do procedimento licenciado, durante toda a sua execução, através da elaboração de relatórios e pareceres de conformidade com a decisão de impacto ambiental (artigo 28.º), monitorização (artigo 29.º), auditorias (artigo 30.º), acompanhamento público (artigo 31.º) e sanções em caso de incumprimento (artigos 36.º a 42.º).

II. Avaliação ambiental estratégica
A avaliação ambiental estratégica é regulada pelo Decreto-Lei n.º 232/2007, de 15 de Junho, sendo, portanto, um regime relativamente recente, que contém, como é prática comum em Portugal, um extenso preâmbulo, no qual se explica o fundamento da aprovação do regime em causa.
À semelhança do regime de avaliação de impacto ambiental, a avaliação ambiental estratégica (AAE) surgiu por obrigação de transposição de Directivas Comunitárias (artigo 1.º).
Enquanto a avaliação de impacto ambiental tem uma função preventiva da política do ambiente e do ordenamento do território, constituindo uma “(...) forma privilegiada de promover o desenvolvimento sustentável, pela gestão equilibrada dos recursos naturais, assegurando a protecção da qualidade do ambiente e, assim, contribuindo para a melhoria da qualidade de vida do Homem”, a avaliação ambiental estratégica tem em vista a análise das grandes opções de desenvolvimento.
Segue-se, na mesma lógica do regime de avaliação de impacto ambiental, um elenco de definições, embora muito menos extenso (artigo 2.º).
O âmbito de aplicação vem definido no artigo 3.º, sujeitando-se a avaliação ambiental estratégica, os planos e programas referidos nas três alíneas do n.º 1, competindo à entidade responsável pela elaboração do plano ou programa a averiguação da necessidade de sujeição ou não a avaliação ambiental (artigo 3.º/2). Esta sujeição pode ser precedida de consulta, nos termos do n.º 3. O artigo 3.º/6 recorre igualmente para a sua concretização, a um anexo único.
À semelhança do que acontece com o artigo 3.º do regime de avaliação de impacto ambiental, o artigo 4.º do regime em análise também refere casos em que a sujeição a este procedimento deve ser dispensada (n.º 1).
Numa segunda fase, a entidade responsável pela elaboração do plano ou programa solicita parecer às entidades às quais possam interessar os efeitos ambientais resultantes da aplicação do plano ou programas (artigo 5.º/3), devendo os mesmos ser emitidos no prazo de 20 dias (artigo 5.º/4).
De seguida, a entidade responsável pela elaboração do plano ou programa, nos termos do artigo 7.º/1, procede à consulta das entidades às quais seja susceptível de interessar os efeitos ambientais resultantes da sua aplicação. Esta consulta é prévia á aprovação do projecto de plano ou programa em causa.
O projecto de plano ou programa é submetido a consulta pública, por prazo não inferior a 30 dias (artigo 7.º/6 a 9).
Após ser aprovado o plano ou programa, a entidade responsável pela sua elaboração deve enviar à Agência Portuguesa do Ambiente a versão final do plano ou programa e a declaração ambiental (artigo 10.º/1).
À semelhança do que se verifica no regime de pós-avaliação (artigos 27.º e seg. Do regime de avaliação de impacto ambiental), o artigo 11.º estabelece que, numa última fase, as entidades responsáveis pela elaboração dos planos e programas avaliam e controlam os efeitos no ambiente que decorram da aplicação e execução dos mesmos.
Para finalizar, veja-se o teor do artigo 13.º, que procede à articulação com o regime de avaliação de impacto ambiental de projectos (AIA).
Fica, então, um esquema das fases dos processos do regime de avaliação ambiental estratégica, com que se iniciou este trabalho.

Direito Penal do Ambiente?

I. Introdução

Se, reconhecidamente, no campo do Direito Administrativo do Ambiente se torna necessário circunscrever o conceito de Ambiente para que a tutela e a preocupação jurídica não seja desnecessária e incomportavelmente ampla, no Direito Penal do Ambiente, uma vez que o Direito Penal, em si, tem natureza meramente subsidiária (Cfr. artigo 18.º, n.º 2 Constituição da República Portuguesa, doravante CRP), essa delimitação ganha um relevo ainda mais urgente.

Surge então a questão, na decorrência do enunciado, de se aferir qual o conceito de ambiente que assume dignidade punitiva. Parece que esta questão terá como primeiro recorte de resposta a estabilização na velha problemática sobre se a visão do nosso ordenamento jurídico, estruturalmente pensado, assenta numa concepção antopocêntrica, ou, se pelo contrário, numa visão ecocêntrica. Parece que, efectivamente, a perspectiva adoptada pelo nosso ordenamento jurídico é a perspectiva antropocêntrica, isto é, a tutela do ambiente passa por uma tutela dos direitos do homem, pelo que o ambiente será tutelado a título incidental (Vasco Pereira da Silva, Verde cor de direito: lições de direito do ambiente, Coimbra: Almedina, 2002, pp. 25 e ss; Ver também, a este respeito, o nosso trabalho, Atropocentrismo versus ecocentrismo).

Em segundo lugar, tornar-se-á necessário delimitar critérios legitimadores da intervenção penal (Fernanda Palma, Direito Penal do Ambiente – Uma primeira abordagem, in Direito do ambiente, coord. Diogo Freitas do Amaral, Marta Tavares de Almeida, Lisboa, 1994).

Os critérios enunciados por Fernanda Palma são os seguintes:

a) A necessidade de intervenção do bem jurídico – quando haja um interesse não meramente simbólico ou ideal dos indivíduos ou da sociedade e se repercute em algo distinto da mera coesão ideológica;
b) O Direito Penal só poderá intervir onde seja indiscutível a censura social do comportamento, por ser um Direito penal da culpa;
c) A não contradição ideológica com outras soluções do sistema;
d) Ineficácia de outros meios para a protecção do bem jurídico.

Pelo que fica dito, conseguimos compreender que toda a intervenção penal no Direito do ambiente acarreta grandes sacrifícios que a pura lógica finalística da ratio da sua operatividade pode ficar enviesada face a outros mecanismos, que não necessariamente administrativistas, como é o ilícito de mera ordenação social. Esta é aliás a grande discussão de fundo, uma vez que, como afirma Pedro Branquinho Ferreira Dias, “A intervenção do Direito Penal só tem sentido quando estivermos perante lesões insuportáveis de interesses fundamentais de uma sociedade e quando todos os outros aparelhos sancionatórios se revelarem insuficientes e inadequados.” (Cit. Pedro Branquinho Ferreira Dias, Breves notas sobre os futuros crimes ambientais, documento 9285, versão 1, www.dgsi.pt, Direito do Ambiente). Segundo o autor, o critério subjacente ao juízo de se aferir se será mais adequada uma tutela penal ou se, pelo contrário, é mais adequada uma tutela contra-ordenacional, assenta em saber se estamos diante de meros interesses difusos, caso em que, para o autor, fará mais sentido uma tutela contra-ordenacional, ou se estamos perante condutas, que a ser praticadas, serão consideradas fortemente lesivas de interesses comunitários com ressonância ética. O autor inclui nestes casos os danos contra a conservação da natureza e certas formas de poluição. 

II – O que é mais verde, ilícito penal ou ilícito de mera ordenação social?

O Direito das contra-ordenações ambientais surge, na acepção António Leones Dantas, como concretização de um pensamento que avistava há muito a necessidade de preenchimento do espaço em branco que deve ser deixado pelo Direito penal, dada a sua natureza subsidiária (António Leonês Dantas, Direito das contra-ordenações e o ambiente, documento 9281, versão 1, www.dgsi.pt). 

Este ramo surge nas palavras de Costa Andrade como “um aviso dirigido ao cidadão que faltou ao seu dever de colaborar na prossecução dos interesses do Estado e como medida preventiva destituída de qualquer carácter infamante” (Costa Andrade, Contributo para o conceito de contra-ordenação, in Revista de direito e Economia, Anos VI/VII, 114 Apud, António Leones Dantas, Direito das Contra-ordenações…)
A destituição do “carácter infamante” surge, desde logo, manifestado no facto de a intervenção dos tribunais surgir a título meramente subsidiário. Com efeito, teremos uma fase administrativa, inicial, e, posteriormente uma fase de impugnação ou recurso. Assim, tudo se pode resolver por vias administrativas poupando a um eventual arguido os danos provocados pelo processo penal (Nesse sentido, AAVV, Les problemes poses par le publicite donne aux actes criminels et procedures penales, Rapport rédigé pour le VIII Congrés de de L´ Association Internationale de Droit Penal, 1961, Milano, Dott. A. Giuffrè Editore, 1961; Patrick Auvret, Le Journaliste, le juge et l´innocent, in Revue de science Criminelle et de Droit Penal Compare, 3, Juil – Sept. 1996).



III – Contra-ordenações ambientais – concretização legislativa

A Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto, que aprovou a “Lei-quadro das contra-ordenações ambientais” surge como a concretização do regime geral das contra-ordenações em matéria de ambiente.

A parte respeitante ao processo das contra-ordenações surge prevista nos artigos 41.º e seguintes. No título I está disposto o leque de medidas cautelares a que as autoridades administrativas podem recorrer de modo a salvaguardar os meios de prova, a saúde e a segurança das pessoas. Nota-se na previsão das várias alíneas, constantes do n.º1 do artigo 41.º, uma certa sobreposição respeitante à verdadeira amplitude de cada uma delas. Em bom rigor, como bem refere Leones Dantas, algumas destas alíneas não têm verdadeira autonomia, sendo que acabam por ser fragmentos de umas e outras. (António Leones Dantas, O processo das contra-ordenações na Lei n.º 50/2006, in Regulação em Portugal: Novos tempos, novo modelo?, Almedina, 2009, p. 774.). No entanto, ainda que se possa criticar a sistematização do catálogo, certo é que as medidas conferem às autoridades administrativas a possibilidade de inutilizar, por completo, o facto atinente à produção do efeito lesivo ao ambiente. Note-se que havendo obstrução à colocação em prática destas medidas, pode recorrer-se ao corte do fornecimento de energia eléctrica aos arguidos (Cfr. Artigo 41.º, n.º 3).

Por outro lado, o artigo 42.º prevê as chamadas apreensões cautelares. No âmbito deste preceito parece, também, ser criticável a autonomização do disposto no artigo 42.º, n.º 1, al. b), na medida em que se prevê que a autoridade administrativa pode apreender provisoriamente “licenças, certificados, autorizações, aprovações, guias de substituição e outros documentos equiparados”, uma vez que, em bom rigor, essa apreensão é procedimento normal de uma suspensão de actividade, isto é, essa apreensão já decorre, necessariamente, da aplicação de algumas das alíneas do catálogo previsto no artigo 41.º, n.º1.

Importa acrescentar que estão em causa restrições aos direitos fundamentais, uma vez que no cerne destas medidas está em latência o impedimento de que um particular possa livremente desenvolver uma determinada actividade económica. Assim, estas medidas, porque se enquadram no âmbito das medidas de polícia administrativa, estão sujeitas aos princípios constitucionais constantes do artigo 272.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa (doravante, CRP), isto é, aos princípios da necessidade, exigibilidade e proporcionalidade. É também por isso que é imperativo um dever acrescido de fundamentação e, porque são formas de acção administrativa, estão, como refere Leones Dantas, “sujeitas às formas de impugnação típicas do contencioso administrativo” (Cit. António Leones Dantas, O Processo…, p. 777).

No respeitante à notícia da infracção, notamos um preceito em tudo semelhante ao artigo 243.º do Código de processo penal (doravante, CPP), o artigo 45.º do diploma em análise. Nesse âmbito a autoridade administrativa deve levantar auto de notícia quando, no exercício das suas funções, detectar qualquer infracção às normas constantes no artigo 1.º. Assim, postula-se uma obrigatoriedade de levantamento de auto de notícia não só nos casos de flagrante delito próprio sensu ou quase flagrante delito – sendo que o primeiro se reporta à infracção que se está a cometer e o segundo à infracção que se acabou de cometer, mas também àquilo que julgamos poder designar por – através da transposição da doutrina processual penalista – presunção de flagrante delito, na medida em que se refere à verificação ou comprovação da infracção, “ainda que por forma não imediata”. Importante é, parece-nos, que esteja ainda presente a visibilidade e actualidade exigidas para esta extensão do flagrante delito. Note-se, contudo, que isto foge à lógica preceituada no CPP, uma vez que o levantamento de auto de notícia em processo penal apenas parece abranger o flagrante delito próprio sensu, atendendo à fórmula “que as autoridades presenciarem”. 

Além disso, importa referir que se prevê no n.º 2 do artigo 45.º uma figura denominada por “participação” que em tudo se assemelha ao auto de denúncia previsto no artigo 246.º do CPP, pois esta participação servirá para os casos em que a autoridade administrativa não pôde comprovar ou verificar pessoalmente a infracção. Vale aqui o alerta de António Leones Dantas, no sentido de o artigo 45.º não identificar/concretizar quem pode lavrar autos de notícia. Refere-se que é a autoridade administrativa, mas não se concretiza. Nesse sentido, é necessário recorrer-se aos estatutos orgânicos a fim de se determinar quais os funcionários que, para efeitos do artigo 74.º do diploma em análise, têm poderes de autoridade pública (António Leones Dantas, O processo…, p.785).

Outra questão, que se prende com a aplicação deste diploma, remonta ao disposto no artigo 47.º que diz respeito à obrigação de identificação e às consequências de uma eventual recusa de identificação por parte do suspeito da prática de uma contra-ordenação ambiental. Esta questão tem interesse porque no âmbito do Processo penal tem sido discutido se a recusa de um suspeito em identificar-se (Cfr. Artigo 250.º CPP), feito o pedido por parte de uma entidade de polícia criminal pode dar origem à prática de um crime de desobediência previsto e punido nos termos do artigo 348.º do Código Penal (doravante CP). (Sobre a questão, Pareceres da Procuradoria Geral da República números 13/96 (Relator: Souto Moura), 161/2004 (Relator: Esteves Remédio) e 28/2008 (Relator: Manuel Ramos) www.dgsi.pt). Parece que, na falta de norma incriminadora específica, e por comparação com as normas constantes dos artigos 141.º, n.º 3 e artigo 342.º, n.º 2 ambos do CPP, que prevêem a incriminação da recusa de identificação, não se pode, no âmbito do procedimento de identificação previsto no artigo 250.º, n.º 1 do CPP, tirar, sem mais, a conclusão de que a recusa de identificação acarretará a prática de um crime de desobediência. Ora, no âmbito das contra-ordenações ambientais, esta questão vem ser expressamente resolvida, nos termos do artigo 47.º, da Lei 50/2006, que prevê a incriminação pelo crime de desobediência no caso de o suspeito da prática de uma contra-ordenação ambiental se recusar a identificar-se (Cfr. Artigo 348, n.º 1, al. a)). Note-se que a solução legal levanta, quanto a nós, as maiores dúvidas no respeitante à sua não inconstitucionalidade. Senão vejamos: Em primeiro lugar, se se entender, como entendemos, que não existe no Direito Penal e no Direito Processual penal, numa situação materialmente idêntica à prevista no artigo 47.º, como é a preceituada no artigo 250.º, n.º 1 do CPP, uma obrigação de identificação cuja recusa não origina um crime de desobediência, então esta incriminação por um crime de desobediência aquando da recusa de identificação no âmbito da prática de uma contra-ordenação ambiental está em crassa desproporcionalidade, atentando contra a Lei Fundamental. Ora, se não se pune por desobediência a recusa de identificação no âmbito de um crime (por ausência de previsão penal nesse sentido, nos termos do artigo 1.º, n.º 1 do CP), é manifestamente desproporcional punir por desobediência no âmbito da prática de uma contra-ordenação. Em segundo lugar, como refere António Leones Dantas, “o legislador quer que as autoridades averigúem a identidade da pessoa a identificar e em caso de recusa estabelece um conjunto de mecanismos que podem realizar esse objectivo”. (Cit. António Leones Dantas, O Processo…, p. 787) É, por isso, tudo uma questão de tempo até se obter a identificação. Fará, então, sentido punir por desobediência o resultado da frustração de algo que se pode obter no mero decurso de umas horas? Parece que não.

Resta acrescentar que, como decorre do artigo 52.º, este é um procedimento essencialmente administrativo, que se quer que, preferencialmente, termine apenas com a intervenção da administração e não do tribunal. Note-se que, nos termos do n.º 2 do referido artigo, a autoridade administrativa pode revogar, total ou parcialmente, a decisão de aplicação da coima ou sanção acessória.

Prevê-se também um processo sumaríssimo, nos termos do artigo 56.º que poderá ter lugar no caso de infracções menos graves e onde a culpa do agente seja reduzida. Note-se que à semelhança do que sucede em Processo Penal, resta ao arguido, se quiser encetar por esta forma de processo, aceitar a sanção que lhe for proposta, neste caso pela autoridade administrativa. Temos assim uma manifestação do bargain americano.

Conclusões

1. O direito penal tem natureza subsidiária, facto que obriga a que a sua actuação no domínio do Direito do ambiente, no domínio de qualquer outro ramo do Direito, ou mesmo no próprio domínio da vida social, seja muito limitada. Limitada, essencialmente, pela dificuldade no reconhecimento de determinados bem jurídicos merecedores de tutela jus-penal. Isto porque os bens jurídicos tutelados têm em vista uma perspectiva demasiado atropocêntrica, uma vez que o bem jurídico será expressão da reconhecida necessidade de tutela de um bem que em princípio será sentida por todos. Ora, quando reconhecemos que o nosso Direito do ambiente é um Direito assente numa perspectiva antropocêntrica moderada, já é sinal de que o Direito Penal e o Direito do ambiente não podem “jogar” na perfeição, como se duas rodas dentadas se tratassem. 

2. É claro que existem vários tipos incriminadores, designadamente o artigo 279.º para a poluição e o artigo 278.º para os danos contra a natureza, ambos do CP, mas o que se quer aqui referir é que provavelmente a solução passa por uma prevenção mais eficaz à luz do sistema das coimas, menos temeroso que a punição por ilícitos criminais. Os ilícitos criminais nunca irão desaparecer, mas já se chegou à conclusão de que faz mais sentido manter a dualidade crime vs. Contra-ordenação do que a extinta “mesa tripartida”: Crime vs. Contravenção vs. Contra-ordenação.

3. Da breve análise à “Lei-quadro das contra-ordenações ambientais” surgem algumas incongruências de técnica legislativa e um problema que pode, efectivamente, levantar problemas quanto à sua não inconstitucionalidade (a identificação dos suspeitos). Mas o certo é que este diploma representa o aflorar de uma opção que por tornar mais eficaz a prevenção, dado o menor estigma que comporta o ilícito de mera ordenação social face ao ilícito criminal, parece ser também mais verde, mais capaz de levar a cabo a tutela do ambiente que deve ser, sem dúvida alguma, o escopo de qualquer mecanismo legal nesta matéria.

4. Assim, e concluindo, parece que deverá ser repensada, no futuro, a articulação entre o Direito Penal do ambiente e as contra-ordenações ambientais. Se o Full-enforcement, não é desejável, mesmo atendendo aos tipos penais já existentes, porquê não prevenir certas áreas sensíveis, e merecedoras de alguma tutela preventiva, com mecanismos que não sejam desproporcionais ao benefício geral que se pretende ver assegurado?

quinta-feira, 23 de abril de 2009

Comentário à Segunda Tarefa - A frase da Prof. Nussbaum

É evidente que os animais não merecem a submissão a condições de vida miseráveis. Senão a outros títulos, pelo menos pela pertença a uma ordem natural que se crê perfeita, e de cujo desequilíbrio podem perfeitamente resultar sacrifícios inimagináveis para nós,animais pensantes, e pela identidade biológica que partilhamos, que nos torna companheiros de destino na susceptibilidade à dor, à fome e à doença. É nesta similitude de sensações que a Autora confia, quando expõe o que evidentemente NÃO é uma existência digna para um animal. Não podemos deixar de concordar. Mas temos uma natureza desconfiada, por força do radicalismo por vezes oculto sob a fachada das mais nobres intenções. De facto, e numa incursão por campos mais políticos (a escolha de menção não foi aleatória), por detrás de um defensor dos Direitos dos Animais há, com frequência, um detractor dos Direitos do Homem. Alavancando-se na compaixão alheia, suscitada pela natureza especialmente afável de cães, golfinhos, focas e coelhos, o movimento dos Direitos dos Animais vê-se manchado por uma corrente com traços psicóticos, que invade desfiles de moda, laboratórios de testes e barcos de pesca, tendo ainda um certo gosto em se submeter a calvários semelhantes aos inflingidos aos animais como forma de alertar para o seu sofrimento. Não estamos no lado oposto a estes "bravos lutadores", aliás completamente alheio à existência de um problema. Mas queremos alertar para o facto de, por detrás de cada comportamento que causa sofrimento a um animal, estar um elemento de bem-estar humano a ser salvaguardado:um direito. A barbárie, ou o sofrimento gratuito dos animais, bem como a sua punibilidade, não estão, portanto, em causa. O que é importante é assinalar que todos estes fenómenos são colisões de direitos, que merecem ser litigados pelo regime dos Direitos Fundamentais. A quantificação e qualificação dos direitos em causa permitirá estabelecer prevalências pontuais, bem como dar como assentes as nossas prioridades enquanto Sociedade. Alguns casos concretos que ilustram o que se tem vindo a dizer:

--O uso de peles: Estará justificada, ao abrigo do Direito ao desenvolvimento da personalidade,bem como da liberdade de iniciativa económica(são caras, e um bom negócio), a morte de animais para efeitos estéticos e comerciais? A resposta é linear caso o animal esteja em extinção: Não, porque nesse caso o direito fundamental ao Ambiente, na sua dimensão de estabilidade ecológica, se apresenta com especial intensidade. Caso o animal tiver a sua espécie assegurada por um largo número de indivíduos, espalhados pelo Mundo, não podemos deixar de dar resposta diferente.Nesse caso, a protecção devida ao animal seria desnecessária, face à presença dos outros direitos em causa (Esta é uma questão alheia ao processo de separação da pele do animal:não o exonera de ter de ser feito com o mínimo sofrimento possível).

--Os testes em animais: Um dos alvos preferidos dos radicais, por geralmente empregar coelhos, um animal que reúne consenso quanto à sua fofura. Contudo, esse é apenas um dos campos em que a sua fama os precede, sendo o outro a sua manifesta dificuldade em se extinguir, devido aos seus padrões reprodutivos.Os ratos, bastante mais longe de serem um preferido da multidão, e também um animal tenaz na arte de sobrevivência, são outros dos escolhidos. Assim, apenas se o sofrimento for muito desproporcional no animal em relação ao ser humano (tónico capilar que cria vírus sexualmente transmissível em coelhos e causa cócegas no couro cabeludo de carecas) é que deve ser preferida a alternativa da experimentação humana. Afinal, estão em causa direitos que nos são muito caros: à Saúde, ao desenvolvimento da personalidade, à Cultura e Educação no sentido de apoio ao desenvolvimento tecnológico, em confronto com animais cuja morte não põe em causa o equilíbrio da Natureza. O seu sofrimento merece, dados os valores em causa, o estoicismo das mentes mais sensíveis. (Nota:Experimentação animal não inclui foguetes, psicotrópicos ilegais, ou qualquer outra forma de curiosidade sem relevância científica)

--O Jardim Zoológico. Enquanto local lúdico para milhares de humanos, dificilmente o será para os moradores. Ainda que as condições sejam dignas, é difícil aceitar que os animais tenham uma existência realizada quando confinados a um espaço reduzido e pouco semelhante ao seu habitat natural. O cativeiro será, sem dúvida, fonte de sofrimento para os animais. O conflito será com a iniciativa económica, com o livre desenvolvimento da personalidade e com os direitos à Educação e Cultura.Entendemos que esta é uma situação proporcional, necessária e o meio, a menos que se queira arriscar ter animais à solta em Lisboa, é o adequado para cumprir estes direitos. Isto implica, no entanto, que haja uma ponderação dos direitos dos animais capaz e conforme às demandas da Natureza, com maior respeito pelos animais mais perto da extinção, e preferindo, no corte de despesas, dispensar ou libertar um animal a reduzir as condições de todos a um nível degradante. O mesmo se passa no Circo.É muito difícil arranjar os meios para ter animais selvagens em condições perfeitas de cativeiro, e talvez tenhamos de fazer a opção entre o Circo que conhecemos, com domadores de leões e elefantes, ou algumas concessões no que toca ao tratamento dos animais (no tamanho mínimo das jaulas relativamente ao zoológico, por exemplo).

Estas derivações são úteis para expôr o nosso ponto de vista. E daqui já se esboçou uma conclusão: os direitos que colidem não são os nossos com os animais, mas e, como sempre, os nossos direitos contra eles próprios. Este parece-me ser, mais do que o critério dogmaticamente mais correcto (a titularidade animal oferece uma ordem de problemas, nomeadamente no exercício do direito de acção, no patrocínio judiciário, na própria incapacidade conceptual dos, nesse caso, "sujeitos", na diferença que a Civilização atribui a cada animal), o critério mais justo. Só assim podemos dar uma valoração contextualizada aos direitos das espécies animais individualmente consideradas (a diferença entre cães e moscas,as vacas na Índia e em Portugal), de acordo com a significância da espécie para a experiência humana, bem como salvaguardar os nossos interesses enquanto espécie que vai tentando fazer por si para sobreviver neste planeta. Não há, com esta ideia, risco para a falta de tutela para o sofrimento animal. É verdade que o sofrimento, desde que não debilitante, não causa transtorno ao balanço da Natureza. Mas não é feito sem o sacrifício da integridade moral de outros seres humanos, também ela um direito fundamental.
Este regime lembrará que o respeito pelos valores humanos também está em causa, e que os nossos gestos não são apenas cruéis e aleatórios.Mostrará também que o sacrifício de valores colectivos não deverá ser feito com base apenas nos desejos de alguns, mas sim com recurso ao paradigma de juízo comum. Li numa acreditada revista que a dieta humana, melhor ou pior, passa sem proteína animal.Logo, no limite, o consumo de carne é um luxo, não uma emanação directa do direito à Saúde.Saídos da economia de subsistência, com base na caça e pecuária, também não será uma manifestação do Direito à Vida. Depois deste dado, comer carne é um privilégio,uma escolha, ao abrigo do direito ao livre desenvolvimento da personalidade. E eu temo pelo dia em que me esteja vedado o desenvolvimento da personalidade por força de um imponderado direito animal. É que as nossas mais eficazes ferramentas de sobrevivência são a inteligência e a compaixão, dela emanada. Inicialmente destinada aos membros da mesma espécie, a segunda tem vindo a alargar-se aos animais, quiçá em substituição dos colegas de espécie, cuja sobrevivência já não é ameaçada por outras espécies. Pergunto-me se o fiel da balança não será desiquilibrado, se a medida do sofrimento que me é exigível não será desproporcional, se deixarmos de ter uma cultura antropocêntrica para assumir o ónus do Mundo sobre os nossos ombros. Os animais não se preocupam com o Mundo,com o Ambiente, com as outras espécies.Eles simplesmente são, e assim equilibram o Universo. Nós, humanos, porque poderosos, contemplamos todas estas questões, mas esquecemo-nos que também em nós está, como o da destruição, o gene da preservação. É sendo fiéis à nossa natureza de comer carne, de estudar animais enjaulados, de experimentar em espécies menos felizes na escala evolutiva, que cumprimos também com o nosso desígnio biológico. Atentos, não devemos,no entanto, pôr em causa os animais. Nem esquecer que a categoria nos inclui.

sábado, 18 de abril de 2009

Princípio da prevenção: justifica-se a sua autonomização face do princípio da precaução?

O princípio da prevenção tem assento na Lei Fundamental, no seu artigo 66.º/2 a), ao estabelecer que “para assegurar o direito ao ambiente, no quadro de um desenvolvimento sustentável, incumbe ao Estado, por meio de organismos próprios e com o envolvimento e a participação do cidadão prevenir e controlar a poluição e os seus efeitos e as formas prejudiciais de erosão (...)”.
Como bem nota o Professor Vasco Pereira da Silva, o avanço da tecnologia que permite à generalidade das pessoas um nível superior de qualidade de vida, tem como “efeito secundário” a crescente poluição e esgotamento de recursos naturais (cada vez mais) escassos. Desde logo, é por causa deste risco crescente que o princípio da prevenção encontra o seu fundamento constitucional, sendo de louvar uma actuação precoce, prévia, de molde a evitar danos futuros no nosso ambiente.
Mas, este princípio tão importante em Direito do Ambiente não encontra apenas consagração constitucional. A própria Lei de Bases do Ambiente, aprovada pela Lei n.º 11/87, de 7 de Abril e posteriormente alterada pela Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro, consagra o princípio supra mencionado como princípio específico, no seu artigo 3.º/a): “(...) as actuações com efeitos imediatos ou a prazo no ambiente devem ser consideradas de forma antecipativa, reduzindo ou eliminando as causas, prioritariamente à correcção dos efeitos dessas acções ou actividades susceptíveis de alterarem a qualidade do ambiente (...)”. A este princípio, o legislador associou (e bem!) a obrigatoriedade de remoção das causas da infracção e da reconstituição da situação anterior no artigo 48.º/1 do mesmo diploma (aquilo que o Professor Freitas do Amaral denomina de direito à reposição da situação anterior à lesão), e, caso esta não seja possível, é accionado o mecanismo previsto no n.º 3 do mesmo preceito, ficando os infractores “(...) obrigados ao pagamento de uma indemnização especial (...) e à realização das obras necessárias à minimização das consequências provocadas”.
Este princípio, portanto, como refere o Professor Vasco Pereira da Silva, tem, como objectivo a tomada de medidas com vista a evitar a produção de efeitos danosos para o ambiente e não a reacção posterior a tais lesões.
São dois os sentidos possíveis para o princípio em causa. Em sentido estrito, ele significa evitar perigos imediatos e concretos e em sentido amplo, significa afastar eventuais riscos futuros.
Há Doutrina (como, por exemplo, o Professor Gomes Canotilho), contudo, que autonomiza o princípio da prevenção do princípio da precaução. Esta autonomização até encontra eco no artigo 174.º/2 TCE...
Contudo, o Professor Vasco Pereira da Silva prefere construir uma noção ampla de prevenção, elencando várias razões para a sua opção: prevenção e precaução são, hoje, claramente, sinónimos, não fazendo, por isso, sentido distinguir uma da outra, devendo o princípio da prevenção “(...) abarcar tanto acontecimentos naturais como condutas humanas susceptíveis de lesar o meio-ambiente, sejam elas actuais ou futuras” (vejam-se os artigos 6.º e 17.º da Lei de Bases do Ambiente, que elencam as componentes ambientais naturais e humanas, respectivamente).
Em segundo lugar, o Professor entende não ser de aceitar a distinção, ao nível do conteúdo material do princípio da prevenção, entre perigos (que decorreriam de causas naturais) e riscos (que decorreriam de acções humanas), sendo, nas palavras do Professor, “(...) impossível distinguir rigorosamente factos naturais de comportamentos humanos (...)”, dado que hoje, cada vez mais, acções humanas e causas naturais se interligam, dando disso o exemplo das inundações (vide página 69 do manual do Professor).
Ainda quanto ao conteúdo material, o Professor não aceita igualmente a distinção entre precaução e prevenção com base no carácter futuro ou actual dos riscos em causa, dada a sua interligação em matéria ambiental, não sendo, por isso, possível dissociar os critérios em presença.
São estas as razões que levam o Professor, como se refere no enunciado desta tarefa, a preferir a adopção de uma noção ampla do princípio da prevenção englobando, como já ficou supra exposto, tanto as componentes naturais, como as humanas. Não têm, a meu ver, razão, com todo o devido respeito, os autores que autonomizam precaução de prevenção, uma vem que, na prática, significam uma e a mesma coisa: actuar preventivamente, de modo a prevenir potenciais danos ambientais (quer de origem humana, quer de origem natural) que degradem a qualidade de vida dos cidadãos. E essa tarefa cabe primordialmente ao Estado Português (artigo 9.º/d) e e) CRP), através da adopção de políticas de prevenção ambiental, com possibilidade de participação dos cidadãos (artigo 66.º/2 corpo CRP).