quarta-feira, 29 de abril de 2009

5ª Tarefa: A CRP É VERDE POR CAUSA DA NATUREZA, OU POR NOSSA CAUSA?

A questão não é menor: como se explica, para além de noções éticas e humanas, a consagração constitucional da protecção do ambiente? Que enquadramento jurídico-constitucional, que porquê da sua consideração?
A questão não é menor, e Carla Amado Gomes coloca-a em termos precisos: é uma opção ideológica que reside em saber o que se vai tutelar: a salvaguarda da natureza enquanto bem para o Homem ou enquanto bem em si mesma?

A primeira opção corresponde ao antropocentrismo ecológico: o ambiente e os bens naturais vistos como Direito Fundamental, fonte de utilidades para a vida humana; a instrumentalização da Natureza, ao serviço do bem-estar do Homem e suas próximas gerações. Ou, como diz Carla Amado Gomes, a tutela do ambiente consoante a sua capacidade de aproveitamento, e o seu valor calculado à medida do homem.

A segunda toma a Natureza como bem em si mesmo, merecedor de tutela, independentemente da capacidade para satisfazer as necessidades humanas, reconhecendo-lhe dignidade autónoma, para alem do direito à vida, saúde, património, etc.


Vasco Pereira da Silva defende, por seu lado, uma subjectivização da defesa do Ambiente, considerando-o um Direito Fundamental – mais que nada, pela protecção efectiva do mesmo, pois só tornando-o “algo de todos”, só a consagração de um direito fundamental ao ambiente, pode garantir a adequada defesa contra agressões ilegais.

Gomes Canotilho diz-nos que o Ambiente é um direito fundamental, mas chama a atenção para a sua natureza de Interesse Colectivo: um valor supra-individual, social, que não é susceptível de apropriação individual.
Não existe um verdadeiro direito subjectivo a não existir poluição ou chuva ácida, a que não se extingam as espécies, a que os habitats e os sistemas ecológicos não sejam alterados – antes nos deparamos, nas palavras de Colaço Antunes, com um bem objectivo, a que assiste uma função de fruição colectiva.
Assim, o ambiente é, na realidade, um bem jurídico tutelado de forma directa e imediata, i. é, não se reduz exclusiva nem necessariamente à tutela da vida, da saúde, do património, direitos de exercício e gozo privados, e privatizáveis.
Mas não obstante a sua dimensão pública e colectiva, importa em todo o caso ainda mostrar que essa sua natureza não prejudica (pelo contrário, reforça-a) a circunstância de o ambiente dever ser também assumido como direito de todo e qualquer cidadão individualmente considerado. (Gomes Canotilho)

Afinal, o Ambiente é um direito do Homem, ou um bem objectivo em si?
Ou ambos – leitura mista? Ou nenhum – leitura alternativa?

A CRP trata deste tema de forma não unívoca.
Por um lado, a sua consagração constitucional (66º) insere-se na parte dos Direitos Fundamentais, o que apontaria para considerá-lo um direito subjectivo do Homem; a própria epigrafe da norma – Ambiente e qualidade de vida – apontaria para o Ambiente como um bem cujo aproveitamento seria orientado para a satisfação das necessidades do Homem. A expressão do mesmo artigo “ambiente de vida humano e sadio” pareceria mais uma pista, no sentido afinal de um antropocentrismo ecológico.
A Lei de Base do Ambiente também aponta neste sentido, no seu art. 2º (1 - Todos os cidadãos têm direito a um ambiente humano e ecologicamente equilibrado).
Não há dúvida sobre o reconhecimento de um direito subjectivo e fundamental ao Ambiente.

Por outro lado, a CRP deixa também uma linha de interpretação objectiva da tutela do Ambiente, definindo-a como tarefa fundamental do Estado, no 9º e), entre outras normas (81º 1 m), 90º, 93º1d)).
O próprio 66º, que consagra o direito fundamental ao Ambiente, impõe simultaneamente a sua protecção, nos nºs 1 e 2 in fine, e a referência ao equilíbrio ecológico parece supor que o ambiente é algo mais que um simples direito fundamental; e assim também, as alíneas c) g) d) do nº 2 do mesmo artigo.

Parece que afinal estamos perante uma 3ª via, entre os extremos do ecocentrismo, e do utilitarismo puro - aquilo a que se chama o antropocentrismo alargado, ou extended stewardship ideology.
J. Cunhal Sendim explica o plus devido ao antropocentrismo simples: o antropocentrismo alargado fundamenta-se na consideração do interesse público da integridade e estabilidade ecológica, e pode, desse modo, justificar o sacrifício de interesses humanos no aproveitamento imediato dos bens naturais

É de facto uma leitura mista a que deve ser feita. Deve reconhecer-se o direito de cada Homem ao ambiente – “o seu lugar ao sol” -, de modo a que os cidadãos possam reagir contra agressões ao que é património de todos. Veja-se a regulação de acção popular, que reconhece a todos os indivíduos legitimidade processual em processos de danos ambientais.
Por outro, o Ambiente é ainda um valor em si, valioso na sua propriedade, merecedor de tutela e responsabilização, e não apenas em função das suas utilidades funcionais.

Freitas do Amaral escreveu, sobre o Direito do Ambiente, que era o primeiro ramo de direito que nasce, não para regular as relações dos homens entre si, mas para tentar disciplinar as relações entre o Homem e a Natureza – os direitos do Homem sobre a Natureza, os deveres do Homem para com a Natureza, e eventualmente os direitos da Natureza perante o Homem.