quinta-feira, 23 de abril de 2009

Comentário à Segunda Tarefa - A frase da Prof. Nussbaum

É evidente que os animais não merecem a submissão a condições de vida miseráveis. Senão a outros títulos, pelo menos pela pertença a uma ordem natural que se crê perfeita, e de cujo desequilíbrio podem perfeitamente resultar sacrifícios inimagináveis para nós,animais pensantes, e pela identidade biológica que partilhamos, que nos torna companheiros de destino na susceptibilidade à dor, à fome e à doença. É nesta similitude de sensações que a Autora confia, quando expõe o que evidentemente NÃO é uma existência digna para um animal. Não podemos deixar de concordar. Mas temos uma natureza desconfiada, por força do radicalismo por vezes oculto sob a fachada das mais nobres intenções. De facto, e numa incursão por campos mais políticos (a escolha de menção não foi aleatória), por detrás de um defensor dos Direitos dos Animais há, com frequência, um detractor dos Direitos do Homem. Alavancando-se na compaixão alheia, suscitada pela natureza especialmente afável de cães, golfinhos, focas e coelhos, o movimento dos Direitos dos Animais vê-se manchado por uma corrente com traços psicóticos, que invade desfiles de moda, laboratórios de testes e barcos de pesca, tendo ainda um certo gosto em se submeter a calvários semelhantes aos inflingidos aos animais como forma de alertar para o seu sofrimento. Não estamos no lado oposto a estes "bravos lutadores", aliás completamente alheio à existência de um problema. Mas queremos alertar para o facto de, por detrás de cada comportamento que causa sofrimento a um animal, estar um elemento de bem-estar humano a ser salvaguardado:um direito. A barbárie, ou o sofrimento gratuito dos animais, bem como a sua punibilidade, não estão, portanto, em causa. O que é importante é assinalar que todos estes fenómenos são colisões de direitos, que merecem ser litigados pelo regime dos Direitos Fundamentais. A quantificação e qualificação dos direitos em causa permitirá estabelecer prevalências pontuais, bem como dar como assentes as nossas prioridades enquanto Sociedade. Alguns casos concretos que ilustram o que se tem vindo a dizer:

--O uso de peles: Estará justificada, ao abrigo do Direito ao desenvolvimento da personalidade,bem como da liberdade de iniciativa económica(são caras, e um bom negócio), a morte de animais para efeitos estéticos e comerciais? A resposta é linear caso o animal esteja em extinção: Não, porque nesse caso o direito fundamental ao Ambiente, na sua dimensão de estabilidade ecológica, se apresenta com especial intensidade. Caso o animal tiver a sua espécie assegurada por um largo número de indivíduos, espalhados pelo Mundo, não podemos deixar de dar resposta diferente.Nesse caso, a protecção devida ao animal seria desnecessária, face à presença dos outros direitos em causa (Esta é uma questão alheia ao processo de separação da pele do animal:não o exonera de ter de ser feito com o mínimo sofrimento possível).

--Os testes em animais: Um dos alvos preferidos dos radicais, por geralmente empregar coelhos, um animal que reúne consenso quanto à sua fofura. Contudo, esse é apenas um dos campos em que a sua fama os precede, sendo o outro a sua manifesta dificuldade em se extinguir, devido aos seus padrões reprodutivos.Os ratos, bastante mais longe de serem um preferido da multidão, e também um animal tenaz na arte de sobrevivência, são outros dos escolhidos. Assim, apenas se o sofrimento for muito desproporcional no animal em relação ao ser humano (tónico capilar que cria vírus sexualmente transmissível em coelhos e causa cócegas no couro cabeludo de carecas) é que deve ser preferida a alternativa da experimentação humana. Afinal, estão em causa direitos que nos são muito caros: à Saúde, ao desenvolvimento da personalidade, à Cultura e Educação no sentido de apoio ao desenvolvimento tecnológico, em confronto com animais cuja morte não põe em causa o equilíbrio da Natureza. O seu sofrimento merece, dados os valores em causa, o estoicismo das mentes mais sensíveis. (Nota:Experimentação animal não inclui foguetes, psicotrópicos ilegais, ou qualquer outra forma de curiosidade sem relevância científica)

--O Jardim Zoológico. Enquanto local lúdico para milhares de humanos, dificilmente o será para os moradores. Ainda que as condições sejam dignas, é difícil aceitar que os animais tenham uma existência realizada quando confinados a um espaço reduzido e pouco semelhante ao seu habitat natural. O cativeiro será, sem dúvida, fonte de sofrimento para os animais. O conflito será com a iniciativa económica, com o livre desenvolvimento da personalidade e com os direitos à Educação e Cultura.Entendemos que esta é uma situação proporcional, necessária e o meio, a menos que se queira arriscar ter animais à solta em Lisboa, é o adequado para cumprir estes direitos. Isto implica, no entanto, que haja uma ponderação dos direitos dos animais capaz e conforme às demandas da Natureza, com maior respeito pelos animais mais perto da extinção, e preferindo, no corte de despesas, dispensar ou libertar um animal a reduzir as condições de todos a um nível degradante. O mesmo se passa no Circo.É muito difícil arranjar os meios para ter animais selvagens em condições perfeitas de cativeiro, e talvez tenhamos de fazer a opção entre o Circo que conhecemos, com domadores de leões e elefantes, ou algumas concessões no que toca ao tratamento dos animais (no tamanho mínimo das jaulas relativamente ao zoológico, por exemplo).

Estas derivações são úteis para expôr o nosso ponto de vista. E daqui já se esboçou uma conclusão: os direitos que colidem não são os nossos com os animais, mas e, como sempre, os nossos direitos contra eles próprios. Este parece-me ser, mais do que o critério dogmaticamente mais correcto (a titularidade animal oferece uma ordem de problemas, nomeadamente no exercício do direito de acção, no patrocínio judiciário, na própria incapacidade conceptual dos, nesse caso, "sujeitos", na diferença que a Civilização atribui a cada animal), o critério mais justo. Só assim podemos dar uma valoração contextualizada aos direitos das espécies animais individualmente consideradas (a diferença entre cães e moscas,as vacas na Índia e em Portugal), de acordo com a significância da espécie para a experiência humana, bem como salvaguardar os nossos interesses enquanto espécie que vai tentando fazer por si para sobreviver neste planeta. Não há, com esta ideia, risco para a falta de tutela para o sofrimento animal. É verdade que o sofrimento, desde que não debilitante, não causa transtorno ao balanço da Natureza. Mas não é feito sem o sacrifício da integridade moral de outros seres humanos, também ela um direito fundamental.
Este regime lembrará que o respeito pelos valores humanos também está em causa, e que os nossos gestos não são apenas cruéis e aleatórios.Mostrará também que o sacrifício de valores colectivos não deverá ser feito com base apenas nos desejos de alguns, mas sim com recurso ao paradigma de juízo comum. Li numa acreditada revista que a dieta humana, melhor ou pior, passa sem proteína animal.Logo, no limite, o consumo de carne é um luxo, não uma emanação directa do direito à Saúde.Saídos da economia de subsistência, com base na caça e pecuária, também não será uma manifestação do Direito à Vida. Depois deste dado, comer carne é um privilégio,uma escolha, ao abrigo do direito ao livre desenvolvimento da personalidade. E eu temo pelo dia em que me esteja vedado o desenvolvimento da personalidade por força de um imponderado direito animal. É que as nossas mais eficazes ferramentas de sobrevivência são a inteligência e a compaixão, dela emanada. Inicialmente destinada aos membros da mesma espécie, a segunda tem vindo a alargar-se aos animais, quiçá em substituição dos colegas de espécie, cuja sobrevivência já não é ameaçada por outras espécies. Pergunto-me se o fiel da balança não será desiquilibrado, se a medida do sofrimento que me é exigível não será desproporcional, se deixarmos de ter uma cultura antropocêntrica para assumir o ónus do Mundo sobre os nossos ombros. Os animais não se preocupam com o Mundo,com o Ambiente, com as outras espécies.Eles simplesmente são, e assim equilibram o Universo. Nós, humanos, porque poderosos, contemplamos todas estas questões, mas esquecemo-nos que também em nós está, como o da destruição, o gene da preservação. É sendo fiéis à nossa natureza de comer carne, de estudar animais enjaulados, de experimentar em espécies menos felizes na escala evolutiva, que cumprimos também com o nosso desígnio biológico. Atentos, não devemos,no entanto, pôr em causa os animais. Nem esquecer que a categoria nos inclui.