quarta-feira, 10 de junho de 2009

O valor e o regime dos planos especiais de ordenamento do território


Os planos especiais de ordenamento do território, desde logo previstos na Lei de Bases da política de ordenamento do território e de urbanismo (art. 8º al) d e art. 20º nº 5 da Lei 48/98 de 11.8) e no regime jurídico dos instrumentos de gestão territorial (art. 42º e seguintes do DL 380/99), são tarefa da administração central e visam sujeitar as áreas delimitadas de um ou vários municípios, à disciplina de um instrumento fundado em relevante interesse nacional, cuja repercussão espacial estabelece regimes de salvaguarda de recursos e valores naturais, privilegiando assim uma vocação que se direcciona para a defesa da permanência dos sistemas indispensáveis à utilização sustentável do território. São, por isso, um modo de definição dos usos e do regime de utilização do espaço.

Esta tipologia de planos, sofre uma tipificação taxativa em quatro espécies (art. 42 nº 3 DL 380/99), o que à partida parece indicar que o objecto sujeito a tutela são interesses públicos específicos. Assim, são eles (i) os planos de ordenamento das áreas protegidas; (ii) os planos de ordenamento de albufeiras de águas públicas; (iii) os planos de ordenamento da orla costeira; (iv) e os planos de ordenamento dos estuários. A estes, acresce também o plano de ordenamento de parque arqueológico, instituído pela Lei 107/2001 de 8.9 (Lei do Património Cultural), que no seu art. 75 nº 7, prevê que estes planos devam ser integrados nos planos especiais[1].

Ora, uma vez que a nossa concepção jurídico-constitucional aponta para o ambiente como um “bem público” que abrange, entre outros, as áreas protegidas, as águas públicas e a orla costeira, poderíamos ser tentados a afirmar que o ambiente puro e simples, objecto do poder de planificação territorial enquanto dirigido ao ordenamento material do mundo físico, seria aquilo que GIANNINI apelida como um “bem ambiental”, cujo regime é baseado na imposição de vínculos de conservação da substância dos bens[2]. Uma tal concepção, que Alves Correia considera “imperialista”[3], não parece de acolher. Não tanto por considerações dogmáticas relativas às relações do direito do ambiente com o direito do urbanismo[4], mas mais pela consideração pragmática de que o principal (senão mesmo o único) objectivo dos planos especiais são a tutela de um interesse especifico: a protecção dos recursos hídricos, zonas ribeirinhas, orla costeira e outros locais com interesse particular para a conservação da natureza, cuja protecção se deve compatibilizar com a normal fruição pelas populações das potencialidades especificas daqueles espaços.

Destarte, o completo signo da ratio legis relativa aos planos especiais de ordenamento do território, pode ser visitado em vários preceitos do DL 380/99 v.g. art. 12º relativo à identificação dos recursos territoriais com relevância estratégica para a sustentabilidade ambiental, e assim como para a caracterização dos planos especiais de ordenamento do território como planos funcionalmente dirigidos ao estabelecimento de usos preferenciais, condicionados e interditos, através da determinação por critérios de conservação da natureza e da biodiversidade, para que tais propósitos se compatibilizem com a fruição pela população. Da mesma forma, os arts. 43º e 44º do citado diploma, respeitantes ao conteúdo dos planos especiais do ordenamento do território, assertivamente relacionam o seu conteúdo material de “salvaguarda de recursos e valores naturais e o regime de gestão compatível com a utilização sustentável do território”, com o fito de salvaguardar da mesma forma os “objectivos de interesse nacional com incidência territorial delimitada bem como a tutela de princípios fundamentais consagrados no programa nacional da politica de ordenamento do território não assegurados por plano municipal de ordenamento do território eficaz”.

No que toca ao relacionamento dos planos especiais de ordenamento do território com outros instrumentos de gestão territorial, é mister salientar que funcionam aqui em conjunto, os princípios da hierarquia, da compatibilidade e da conformidade[5]. Assim, os planos especiais prevalecem sobre os planos municipais e intermunicipais de ordenamento do território (art. 10º nº 4 Lei 48/98 e art. 24 nº 4 DL 380/99), mas enquanto a subordinação dos planos municipais ao Programa Nacional da Política de Ordenamento do Território é pautada por um princípio de compatibilidade, a relação hierárquica dos planos especiais face aos municipais é aferida por um princípio de conformidade, dado o grau de elevada concretização das disposições daqueles. Contudo, os planos especiais já podem ser alterados mediante novo Programa Nacional da Política de Ordenamento do Território, Plano Sectorial ou Plano Regional, que estabelecem os princípios e as regras orientadoras da disciplina a definir nos novos Planos Especiais (art. 23 nº 2 DL 380/99), funcionando aqui, portanto, uma espécie de princípio da hierarquia, mitigado pela possibilidade de as normas dos Planos Especiais alterarem os planos sectoriais ou regionais anteriores. Tal consideração deve-se à reserva feita na parte final do art. 23 nº 3 (“salvo o disposto no nº 2 do art. 25”), que em última análise, abre as portas à prevalência dos Planos Especiais, com uma obrigação: estes “devem indicar expressamente quais as normas daqueles [plano especial anterior, plano sectorial ou regional de ordenamento do território preexistente] que revogam ou alteram[6].

Escrutinando a articulação dos planos especiais com os outros instrumentos de gestão territorial, cabe referir que a supletividade destes planos em relação aos planos municipais (art. 42 nº 2 DL 380/99 e arts. 8º al.) d e 25 nº 3 da Lei 48/98), parece-nos que não revela tanto uma “demissão” do governo em matéria de planeamento – ainda que esta construção se resuma num ónus criado sobre as Autarquias – mas se resuma antes a um imperativo de descentralização da prossecução dos interesses nacionais à escala local[7], porquanto os instrumentos de gestão territorial convocam simultaneamente interesses nacionais e interesses locais, cuja responsabilidade cabe aos municípios, em harmonia com o princípio da subsidiariedade, da autonomia das autarquias locais e da descentralização administrativa, condensados nos arts. 6º Nº 1, 235 e 237 da Constituição Portuguesa. Por isso mesmo, trata-se de um domínio onde se verifica uma concorrência de atribuições e competências entre a administração central e local (art. 65 nº 4 CRP).

Atendendo a que os planos especiais (assim como os municipais) são dotados de uma eficácia plurisubjectiva, i.é, são planos que produzem efeitos jurídicos directos e imediatos em face dos particulares (art. 11 nº 2 Lei 48/98 e art. 3 nº 2 DL 380/99), na medida em que contêm prescrições que influenciam decisivamente os direitos destes (v.g. no que concerne ao modo de utilização do solo)[8], deve ser promovida uma discussão pública que dê efectividade a uma participação (preventiva) a todos os interessados, aquando a decisão de elaborar um plano especial (art. 48 DL 380/99).

Por tudo isto, somos da opinião que, o valor e o regime dos planos especiais de ordenamento do território encerram um princípio segundo o qual, o interesse do ambiente é um dos objectivos dos instrumentos de planificação territorial. A planificação não pode mais ter unicamente a organização urbana como molde paramétrico[9], devendo antes, adequar-se à prossecução de objectivos de protecção ambiental a uma escala global. A isto, a planificação hodierna dá hoje uma resposta: os instrumentos de gestão territorial dos interesses públicos, zelam pelos recursos e valores naturais, bem como pelo respeito e finalidade da protecção e valorização ambiental dos espaços rurais e urbanos.

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[1] Isto não livre de críticas pois que, um importante sector da doutrina é assertivo a considerar que esta classificação viola claramente o princípio da tipicidade dos planos especiais, devendo o património arqueológico ser antes incluso na categoria de planos sectoriais, que são considerados pela nossa legislação sobre planeamento territorial, como uma categoria aberta. Ora isto porque são planos que sempre “tem um âmbito supramunicipal e pelas suas características e objectivos, requerem um instrumento de planeamento de natureza nacional”. Cfr. Fernando Alves Correia, Manual de Direito do Urbanismo, Vol. I, 3ª Ed., Coimbra: Almedina, pp. 336-337, nota 45.
[2] Cfr. M.S. GIANNINI, Ambiente: Sagio sui Diversi suoi Aspetti Giuridici, RTDP, 23, 1973, p. 23-26.
[3] Cfr. Fernando Alves Correia, Manual de Direito do Urbanismo, Vol. I, 3ª Ed., Coimbra: Almedina, p. 96.
[4] Cfr. Idem, p. 96. A crítica que Fernando Alves Correia faz, é no sentido de que “a penetração do direito do ambiente nos outros ramos do direito não pode legitimar a conclusão de que estes se transformem meros capítulos daquele” assim como “as influências recíprocas entre o direito do ambiente e o direito do urbanismo, não podem levar à consideração deste último como uma simples derivada do primeiro”, rematando por fim que “aqueles dois direitos são enformados por princípios comuns, mas também há entre eles uma relativa autonomia de fins, de meios e de objecto”.
[5] Com esta explicação, Cfr. Isabel Abalada Matos, POOC e PMOT: notas sobre a relação entre os seus conteúdos materiais, RJUA, N 18/19, 2002/2003, pp. 51-55. Seguindo de perto esta autora, Cfr. Fernando Alves Correia, Manual de Direito do Urbanismo, Vol. I, 3ª Ed., Coimbra: Almedina, pp. 422-429.
[6] Parece útil referir que esta articulação de regimes já foi alvo de avaliação junto do STA em acórdão de 11.11.2004 (processo 873/2003), onde se concluiu que “os planos especiais e os planos regionais têm níveis de incidência e objectivos próprios e distintos, sem prejuízo de dever ser assegurada a necessária compatibilização entre eles, a concretizar, no que aos planos especiais respeita, pelo dever de indicar expressamente quais as normas que revogam ou alteram”. Contudo a indicação que os planos especiais devem respeitar “contem um sentido de recomendação ou ordenação não cominativo”. Em anotação a este aresto, Cfr. AA.VV, Fernanda Paula Oliveira, CEDOUA, Anotação ao acórdão do STA de 11.11.2004, Nº 13, p. 153-154, considera que “a falta de indicação pelo plano especial das normas preexistente PROT que altera ou revoga pode constituir um indício de que não ocorreu a ponderação das opções constantes doo PROT no procedimento de elaboração do plano especial”. Conclui depois a autora, que “no caso de se comprovar um tal indício, serão inválidas as normas do plano especial”. Em sentido contrário, pronunciou-se Cfr. Fernando Alves Correia, Manual de Direito do Urbanismo, Vol. I, 3ª Ed., Coimbra: Almedina, p. 424-425, nota 166, ao considerar que, na linha do acórdão, “a ausência de indicação por um plano especial de ordenamento do território das normas do PROT preexistente que altera ou revoga não acarreta, só por si, a invalidade das normas do plano especial que operam tais alterações ou revogações”, ainda que a existência dessas indicações realize uma importante função de “certeza e segurança jurídica quanto às normas vigentes na área e constitui um sintoma de que, no procedimento de elaboração do plano especial, foram devidamente tomadas em consideração e ponderadas as disposições do PROT aplicáveis na área ou em parte da área a abranger pelo plano especial”.
[7] A ideia de aproximação da administração às populações, realiza o principio que está consignado no art. 267 nº 1 CRP e no art. 10º CPA, que assenta no pressuposto de que as necessidades colectivas são melhor satisfeitas através das pessoas colectivas administrativas mais próximas daqueles que as experimentam.
[8] Muito crítico em relação à natureza jurídica “regulamentar” (art. 42 nº 1 DL 380/99) dos planos em causa é Cfr. Fernando Alves Correia, Manual de Direito do Urbanismo, Vol. I, 3ª Ed., Coimbra: Almedina, pp. 499ss., ao considerar que ao legislador “não cabe resolver problemas de índole teórica e doutrinária”, como também é um problema cuja base de análise se “deve centrar no conteúdo e não na sua forma”. O mesmo autor conclui mais à frente (pp. 514ss.) que estes planos não apresentam, afinal, um conteúdo homogéneo, sendo antes um misto de regulamentos – onde são definidas as regras jurídicas respeitantes à ocupação, uso e transformação do solo abrangido pelos planos –, e de plantas – que representam a expressão territorial das regras jurídicas que compõe o regulamento. Tudo isto tem uma enorme importância no que respeita à impugnação de normas (art. 7 nº 2 DL 380/99 e art. 268 nº 5 CRP), bem como à suscitação de uma possível inconstitucionalidade junto do Tribunal Constitucional.
[9] Não descurando que foi aqui que o desenvolvimento histórico do urbanismo se deu: na polis.

A subjectivização da tutela jurídica das questões ambientais


Assim que o homem aguça a sua inteligência, desenvolve as suas ideias e a forma de as exprimir, ou adquire novas necessidades, a natureza opõe-se aos seus desígnios em toda a linha.
Só lhe resta violentá-la, continuamente.

Eugène Delacroix, in “Diário”

I - Introdução

A formatação do direito do homem ao ambiente, como direito subjectivo público que passou da categoria dos direitos de fundamento sociológico[1] para a dos direitos juridicamente garantidos e, portanto, como “direito de defesa” numa lógica de protecção contra qualquer tipo de agressão, faz dele, simultaneamente um dever.

Efectivamente, com a superação do liberalismo, o Estado começou a ser cada vez mais solicitado a intervir na vida social. A administração pública ultrapassa a sua condição de «agressiva» para se transformar numa administração «prestadora», dirigida para a construção de um bem-estar social, com base nos critérios de determinação do futuro que os conhecimentos técnicos vão pondo à disposição da colectividade.

Assim, surge aqui uma «nova categoria de direitos», os direitos a prestações. “Distinguem-se das liberdades e dos direitos de participação democrática porque representam exigências de comportamentos estaduais positivos – embora a contraposição individuo vs. Estado não desapareça, esbate-se na medida em que não são direitos contra o estado mas sim direitos através do estado”[2].

Beneficiando desta mudança de paradigma da tradicional posição da administração, o aparecimento de uma nova plêiade de direitos (muitas vezes chamados de “terceira geração”[3]), veio atribuir aos particulares a susceptibilidade de reivindicar uma boa definição e execução política destes, como forma de garantia do gozo efectivo dos bens constitucionalmente protegidos.

Além disso, o parâmetro constitucional hodierno manifesta-se ainda na objectivação dos direitos fundamentais[4], mas cujo conteúdo concreto - no que aos direitos fundamentais de “3ª geração” diz respeito -, depende dos recursos existentes, contando ainda com uma determinação feita por opções politicas.

A questão parece reconduzir-se, afinal, ao que noutros tempos sucedeu com as várias gerações de direitos que, muitas vezes coabitaram com dificuldades antes de se sedimentarem. É certo, por outro lado, que o surgimento das preocupações em torno das questões ambientais levou, como nota Vasco Pereira da Silva, a que “se transitasse da mera relevância objectiva das tarefas estaduais para a esfera dos direitos individuais, considerando-se que as normas reguladoras do ambiente se destinam também à protecção dos interesses dos particulares, que desta forma são titulares de direitos subjectivos públicos”[5].

O sentido e o alcance do direito ao ambiente, será pois, o objecto da nossa análise nas linhas que se seguem.


II – A previsão do Direito ao Ambiente na Constituição Portuguesa

A Constituição portuguesa de 1976, beneficiando em muitos aspectos de um “espírito pioneiro”[6], consagrou expressamente o direito ao ambiente como um direito (art. 66) e uma tarefa (art. 9º al.) d e al.) e) fundamentais do Estado[7], sujeito ao regime dos direitos liberdades e garantias (art. 17 CRP), uma vez que, dada a sua estrutura bifronte[8] – na medida em que não só implica a pretensão de cada pessoa a não ver afectado o seu direito a um “ambiente sadio” (devendo ter acesso a todos os meios indispensáveis para proteger e garantir a tutela do direito), como implica também que o Estado elabore um conjunto de prestações positivas (de facere) de modo a que sejam criadas formas de melhorar o equilíbrio ecológico – acolhe este direito simultaneamente de um ponto de vista objectivo e de um ponto de vista subjectivo.

De acordo com a maioria da doutrina[9], o ambiente é constitucionalmente tratado nesta dupla perspectiva: enquanto tarefa fundamental do estado, o ambiente é tutelado pela constituição do “ponto de vista objectivo”, ao passo que o art. 66º ao estabelecer um direito fundamental ao ambiente e à qualidade de vida realiza uma tutela do “ponto de vista subjectivo”. Por isso, Vasco Pereira da Silva[10] esclarece que “sendo o Direito uma realidade humana, reguladora de relações entre as pessoas, não devem ser confundidos os domínios dos direitos individuais com os da tutela jurídica objectiva”.

Questão suscitada na doutrina é a que versa sobre a concepção antropocêntrica ou ecocêntrica do art. 66 CRP. Dada a actual formulação do artigo, vale a pena salientar que a doutrina – embora com concepções filosóficas diversas –, vem convergindo no sentido em que a nossa Lei fundamental tem cunho antropocêntrico[11]. Ora, é sintomático disto mesmo expressões como “ambiente de vida humano sadio” ou “qualidade de vida” a que o art. 66º CRP dá guarida. É este entendimento (expresso p. ex. em Gomes Canotilho/Vital Moreira, ob. cit. p. 348) que conduz a que a concepção antropocêntrica do ambiente seja o elemento justificador da consagração do direito ao ambiente como direito constitucional fundamental.


III – As características essenciais do direito subjectivo ao ambiente

O direito subjectivo é, em direito privado, conhecido como uma “permissão normativa específica de aproveitamento de um bem”[12]. Contudo, em direito público a sua concepção é mais alargada como “posição subjectiva activa ou de vantagem”[13], que implica um poder ou faculdade para a realização efectiva de interesses que são reconhecidos por uma norma jurídica como próprios do respectivo titular.

Para que o direito ao ambiente seja considerado um direito subjectivo fundamental, tem de ser – redundantemente –, fundamental, i. é, exige-se uma “fundamentalidade do pondo de vista substancial, que corresponde à sua importância para a salvaguarda da dignidade da pessoa humana num certo tempo e lugar, definida por isso, de acordo com a consciência jurídica geral da comunidade (…) presumindo-se como direitos materialmente fundamentais os direitos subjectivos individuais formalmente inscritos na constituição”[14].

Considerando-se que o ambiente é um direito fundamental, goza ainda de uma “posição jurídica universal” e permanente. Quer isto significar que os direitos fundamentais são direitos de igualdade, gerais, e não privilégios de alguns. São por isso, direitos atribuídos às pessoas meramente pela condição humana destas.

Assim, dir-se-á que a base da subjectivização da tutela jurídica das questões ambientais, está para uns[15] não “tanto na proclamação de um direito ao ambiente e à qualidade de vida quanto na atribuição ao cidadão ameaçado ou lesado nesse direito da faculdade de pedir a cessação das causas de violação e a respectiva indemnização (art. 66 nº 3, inicial)”. Enquanto que, para outros[16], é a própria concepção antropocêntrica constitucionalmente consagrada do direito ao ambiente que funciona como elemento justificador da consagração do direito ao ambiente como direito constitucional fundamental. Seja como for, a dimensão que o ambiente assume hoje no nosso direito carece de uma integração – e tratamento sistemático – com os demais princípios e situações subjectivas constitucionalmente garantidas. Por isso, pode hoje afirmar-se uma a presença, no ordenamento jurídico português, de uma verdadeira “constituição do ambiente”, coerente e global e não de simples previsões constitucionais fragmentárias[17].

Por tudo isto, do prisma das situações subjectivas ressalta não só a previsão de um direito autónomo com implicações no âmbito de outros direitos (como seja a habitação e urbanismo, a propriedade ou a saúde), mas também a prescrição de um dever de defesa do ambiente, vinculado pela ideia de solidariedade intergeracional. Por outro lado ainda, a defesa do ambiente parece ser dotada de uma maior efectividade na sua tutela pela subjectivização do direito ao ambiente. Concordamos por isso com Vasco Pereira da Silva quando afirma que a “lógica da protecção jurídica individual, partindo dos direitos fundamentais, e considerando «que as normas reguladoras do ambiente se destinam também à protecção dos interesses dos particulares, que desta forma são titulares de direitos subjectivos públicos». Já que é a subjectivização da defesa do ambiente, criando aquela «espécie de egoísmo» que faz com que cada um se interesse pelos «assuntos do estado» como se fossem os seus que possibilita a associação dos distintos sujeitos privados e públicos na realização do Estado de direito do ambiente”[18].

Atendendo às características que o direito ao ambiente vem revelando como direito fundamental que é, beneficia de todo o regime destes. Assim, apresenta uma dimensão negativa (correspondente ao “trunfo” contra agressões dos poderes públicos) e uma dimensão positiva (correspondente à necessidade de actuação das entidades públicas)[19]. Por outro lado, sendo um direito fundamental de natureza análoga aos DLG (art. 17º), beneficia do regime destes[20], vinculando directa e imediatamente as entidades públicas e privadas (art. 18 nº 1 CRP), devendo ainda os conflitos com outros direitos fundamentais ser resolvidos de acordo com o regime da colisão de direitos e com um “método da concordância prática”[21].

Por tudo isto, vale por dizer estarmos em presença de um direito-dever, de um direito individual que se consubstancia num dever perante a colectividade ou “para com a espécie humana devendo tomar-se em consideração o homem, não isolado, mas integrado colectivamente no próprio ambiente”[22]. Talvez este seja o ponto de maior proximidade com noções originariamente não europeias convocadas a propósito da ideia de “bem comum”, considerando-se a protecção ambiental como pressuposto desse bem comum. Aqui se insere a subjectivização da tutela ambiental, num contexto em que se torna necessário ligar a “valorização da singularidade e autonomia individual à ideia de solidariedade voluntaria”[23], no âmbito de uma cidadania com novos contornos.
Em suma, “verdes são também os direitos do homem”.

IV – Da extensão do Direito Fundamental ao Ambiente

Já vimos que o direito ao ambiente, ainda que se encontre no titulo III da Constituição Portuguesa, merece o reconhecimento de direito fundamental e de ver o seu regime equiparado ao dos Direitos, Liberdades e Garantias. Assim, o direito ao ambiente, tem de acolher sempre o tratamento enquanto direito fundamental, possuindo uma «dupla natureza», já que, “por um lado são direitos subjectivos (…), por outro, eles constituem elementos fundamentais da ordem objectiva da comunidade”[24].

Destarte, enquanto na primeira vertente (de dimensão subjectiva) se “fornece o conteúdo essencial dos preceitos, que não pode ser sacrificado a outros valores comunitários”, na segunda (de dimensão objectiva) há um reforço da “ imperatividade dos «direitos» individuais e alarga a sua influência no ordenamento jurídico e na vida em sociedade”[25].

Atendendo à estrutura do direito ao ambiente na CRP, retira-se das normas de organização e acção que compõe as alíneas do art. 66 nº 2 CRP, um comando dirigido à actuação do Estado, que pelo seu poder, interfere na esfera de cada sujeito, tornando por isso possível definir e recortar a um nível individual, os interesses a proteger e, consequentemente, autonomizar as posições jurídicas subjectivas. Em rigor, sublinha Vieira de Andrade[26], “só os indivíduos poderiam ser titulares (sujeitos activos) de direitos fundamentais, pois a dignidade humana que os fundamenta só vale para as pessoas físicas (as únicas pessoas humanas) e não para as pessoas jurídicas ou colectivas”. Contudo, actualmente esta concepção tem vindo a esbater-se na medida em que temos vindo a notar um alargamento na possibilidade de participação de que a avaliação de impacto ambiental é exemplo no âmbito do direito comunitário, como no âmbito nacional, abarcando agora um direito público de participação no procedimento de AIA (art. 14 nº 3 DL 69/2000) de todo e qualquer público interessado, sendo que estes são os “titulares de direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos, no âmbito das decisões tomadas no procedimento administrativo de AIA, bem como o publico afectado ou susceptível de ser afectado por essa decisão, designadamente as organizações não governamentais de ambiente (ONGA) – art.2º alínea r). Aparentemente favorável a este entendimento é o art. 12º nº 2 CRP, muito embora parte da doutrina considere este um mecanismo artificioso[27].

De facto, só uma ampla abertura deste direito aos particulares, permite realizar o seu fim. Contudo, a autonomia dos direitos fundamentais é, afinal, o reflexo da autonomia ética da pessoa e da sua dignidade (art. 1º CRP), enquanto ser simultaneamente livre e responsável. Ora é exactamente neste binómio que o Estado deve ter uma palavra a dizer, em nome de todo o interesse público.

Se por um lado a superação do individualismo não eliminou (a não ser nos regimes totalitários) a tensão entre os particulares e o Estado (tensão essa que denota, muito pelo contrário, a liberdade e a dignidade da pessoa humana), por outro ainda, a necessidade do homem concreto estar destinado a viver em comunidade, implica também deveres fundamentais de solidariedade para com os outros homens e para com a sociedade, obrigando-se a suportar as restrições e as compressões indispensáveis à acomodação dos seus direitos com os dos outros e à realização dos valores comunitários, ordenados ao bem-estar de todos.

Para isso, o Estado fica vinculado ao “interesse público” que sempre andará a par do dever de “boa administração” e, o que sempre foi valido para os limites do Estado, é hoje e para o futuro, a sujeição às ideias e consequências de uma “global governance”.

Por tudo isto, a consagração, protecção e efectivação dos direitos fundamentais, enquanto elementos da essência do nosso ordenamento, nunca podem deixar de estar ao serviço do homem e da sua inegável dignidade: aqui reside, em última analise, a razão de ser do Estado.

V – Conclusões

O actual ponto da situação pode resumir-se da seguinte maneira: é necessário reconciliar numa perspectiva integradora, o desenvolvimento económico e a protecção do ambiente no respeito pelos direitos do homem, de acordo com as exigências do que se pode chamar a arte da «good governance»[28].

O surgimento das preocupações em torno das questões ambientais levou, na esteira da jurisprudência alemã – com inegável acolhimento na doutrina –, à necessidade de se operarem transformações no plano da protecção jurídica dos privados através do aplicador do direito, que deve hoje “olhar para as normas de protecção do ambiente e, interpretando-as à luz dos direitos fundamentais, determinar quando é que elas conferem direitos subjectivos públicos, além de recorrer directamente aos direitos fundamentais para a sustentação autónoma de direitos de defesa do domínio privado garantido por esses direitos, em caso de agressão administrativa ilegal”[29].

Mas, desde logo, parece-nos que o direito ao ambiente se centra num novo tipo de direitos, os direitos de solidariedade, que não podem ser pensados exclusivamente na relação entre o indivíduo e o Estado e que incluem uma dimensão essencial de direito-dever[30]. São, como lhes chama Vieira de Andrade[31], “direitos circulares”, visto que não são direitos de defesa, nem de participação, nem de prestação mas formam antes um complexo de todos eles, projectando a sua dimensão não só na esfera individual como também na colectiva, seja ela presente ou futura.

Do que se trata afinal é de revisitar um novo espaço do Direito, dessacralizando-o para sacralizar os direitos, entre os quais se encontra o direito do homem à protecção do ambiente, como direito inserido na “terceira geração” de direitos.

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[1] José Carlos Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, 3ª ed., Almedina: Coimbra, p. 57-62.
[2] José Carlos Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais…p. 59.
[3] Fala-se em 3ª geração de direitos no sentido cronológico do seu aparecimento, pois seria “equívoco falar em gerações de direitos humanos no sentido determinista de evolução de estádios inferiores para outros mais desenvolvidos, que se substituem uns aos outros”, como afirma Vasco Pereira da Silva, Verde Cor de Direito, Lições de Direito do Ambiente, 2002, Almedina, p 22.
[4] Vasco Pereira da Silva, Verde Cor de Direito… pp. 84ss.
[5] Vasco Pereira da Silva, Verde Cor de Direito… p.27e Em Busca do Acto Administrativo Perdido, p. 268.
[6] Muito embora já não ignorasse o movimento internacional de então que já contava o a realização de importantes convenções internacionais como seja a Convenção africana para a protecção da natureza e dos recursos naturais de 1968 ou a “histórica” declaração da conferência das nações unidas sobre o ambiente humano, de Estocolmo, realizada em 1972.
[7] O que constitui uma relativa originalidade em direito constitucional comparado. Para Jorge Miranda, é mesmo a constituição portuguesa que abre “uma 2ª fase” que muitas outras constituições vieram a seguir. Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos Fundamentais, 3ª ed, 2000, Coimbra, p. 533.
[8] A expressão é de Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos Fundamentais, 3ª Ed., 2000, Coimbra, p. 542.
[9] Neste sentido, Vasco Pereira da Silva, Verde Cor de Direito… p.84; Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos Fundamentais, 3ª ed, 2000, Coimbra, p. 535-538; J.J. Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da Republica portuguesa anotada, 1993, pp. 347; Rui Medeiros, O ambiente na Constituição, RDES, 1993, pp. 377ss.
[10] Vasco Pereira da Silva, Verde Cor de Direito… p.26.
[11] Nesse sentido, José Cunhal Sendim, Responsabilidade Civil por Danos Ecológicos, Da Reparação do Dano Através de Restauração Natural, Coimbra Editora, 1998, p. 103; J.J. Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da Republica portuguesa anotada, 1993, pp. 347-350; Freitas do Amaral, cit., 1994, p.13 (quanto à Lei de bases do ambiente); Vasco Pereira da Silva, Verde Cor de Direito, 2002. pp. 25-35.
[12] António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, 1999, p. 105ss.
[13] José Carlos Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais…p. 117-119.
[14] José Carlos Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais…p. 140. Com reservas em relação a esta similitude terminológica pronunciou-se Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos Fundamentais, 3ª ed, 2000, Coimbra, p. 56-58, onde remata que se desaconselha “o emprego do termo «direitos subjectivos públicos» como sinónimo ou em paralelo a «direitos fundamentais»”.
[15] Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos Fundamentais, 3ª ed, 2000, Coimbra, p. 534.
[16] J.J. Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da Republica portuguesa anotada, 1993, p. 348.
[17] Neste sentido, Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos Fundamentais, 3ª ed., 2000, Coimbra, p. 536.
[18] Vasco Pereira da Silva, Verde Cor de Direito, 2002. pp. 27-28.
[19] Vasco Pereira da Silva, Verde Cor de Direito, 2002. pp. 101-102.
[20] José de Melo Alexandrino, Direitos Fundamentais, Introdução Geral, Principia, pp. 86-104.
[21] José Carlos Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais…p. 222.
[22] Mário de Melo Rocha, A avaliação de Impacto Ambiental como Principio do Direito do Ambiente nos Quadros Internacional e Europeu, Universidade Católica, 2000, pp. 159-160.
[23] Idem, p. 160.
[24] Vasco Pereira da Silva, Verde Cor de Direito, 2002. P. 32 citando Konrad Hesse.
[25] Com referências, Vasco Pereira da Silva, idem.
[26] José Carlos Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais…p. 123.
[27] José Carlos Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais…p. 127, considera que as “pessoas colectivas são construções dos homens, indispensáveis à sua actuação nos diversos domínios da vida (…). Assim, a constituição reconhece a importância dos meios de acção colectivos para a realização dos indivíduos e, sem perder de vista essa intenção de protecção da dignidade humana inviolável (…). Na realidade, quem exerce e beneficia da liberdade religiosa, liberdade de imprensa, do direito de reunião ou da inviolabilidade da sede são, em última analise, os fiéis, os jornalistas ou os sócios”. Em sentido contrário está Vasco Pereira da Silva, Verde Cor de Direito, 2002. p. 29, pois “a protecção jurídica subjectiva, garantida pela constituição e pela normas jurídicas, em matéria ambiental, tanto se referem a indivíduos como a associações representativas dos seus direitos ou interesses”.
[28] Mário de Melo Rocha, A avaliação de Impacto Ambiental como Principio do Direito do Ambiente nos Quadros Internacional e Europeu, Universidade Católica, 2000, p. 26.
[29] Vasco Pereira da Silva, Em Busca do Acto Administrativo Perdido, p. 271.
[30] Em direito privado esta concepção caberia certamente na dos poderes funcionais enquanto “obrigações específicas de aproveitamento de um bem”. Com uma breve explicação sobre este assunto, António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, Tomo I, 2005, p. 349-350.
[31] José Carlos Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais…p. 64-65. Também Jorge Miranda fala na “complexidade do direito do ambiente”, considerando ser “duvidoso que se possa falar-se num único, genérico e indiscriminado direito ao ambiente (…)” concluindo mais à frente que “porém, toda a matéria, directa ou indirectamente, vem a projectar-se no domínio dos direitos fundamentais”. Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, Direitos Fundamentais, 3ª ed., 2000, Coimbra, p. 538.

Apesar de Copérnico, o Cosmos ainda gira à nossa volta?


A concepção de homem como medida de todas as coisas (protagonizada na Grécia antiga por Protágoras, na sua obra “A verdade”), só hodiernamente tem vindo a ser posta em causa no âmbito sociopolítico e, consequentemente, a nível jus-ambiental[1]. Apenas na década de 1960, é que a consciência (a que muitos chamam “descoberta”) da vulnerabilidade da natureza à intervenção do homem, redundou em um conjunto de medidas juridicamente vinculantes e que de forma preventiva e planificada abarcasse o escopo de minimizar os efeitos perturbadores do processo civilizacional[2] (isto ainda que tais regras surgissem sem grande articulação conjunta, o que actualmente continua a levantar problemas de sistematização).

Ainda que poucos publicistas portugueses se pronunciem sobre o assunto, parece-nos que um dos principais fundamentos da emergência da “causa ambiental”, se deve a factores económicos. Efectivamente, é nos finais da década de 1950 e mais expressivamente na de 60 que as economias europeias e mundiais mantêm uma estabilização crescente das suas economias. É também através desta estabilização que vários economistas tem vindo a sugerir (com recurso à teoria da curva de Kuznets Ambiental), que o crescimento económico não se alcança sem sustentabilidade ambiental, mas também a protecção ambiental não é alcançável sem crescimento económico. Assim, os países mais pobres não se poderiam dar ao luxo de promover a qualidade ambiental como primeira prioridade, porque esta afectaria o crescimento económico e aumento da produtividade. Por esta via, só depois de algum sucesso no caminho da prosperidade é que se poderia envidar pelo recurso a mecanismos de redução da degradação ambiental[3].

Nesta senda, e com um espírito pioneiro[4], a Constituição portuguesa de 1976, consagrou expressamente o direito ao ambiente como um direito (art. 66) e uma tarefa (art. 9º al.) d e al.) e) fundamentais do Estado[5], beneficiando, como tal, do regime dos direitos liberdades e garantias. A pergunta que se nos suscita não pode deixar de ser a seguinte: que corolários poderemos retirar daqui?

Para aqueles que vejam o sentido deste direito numa perspectiva exclusivamente antropocêntrica-utilitarista, i. é, numa concepção segundo a qual, a natureza não tem um valor intrínseco em si mas enquanto utilidade susceptível de satisfazer as necessidades do homem (perto, portanto, daquilo a que o Professor Vasco Pereira da Silva designa de “total inconsciência ecológica”), a resposta ao sentido da vinculação e tutela do direito do ambiente, será que a obrigação do homem perante a natureza terá cariz meramente residual[6], ecoando a célebre teoria de John Locke, segundo o qual, o bem natural é de per si inútil e apenas o homem, com o seu trabalho, tira a natureza da sua inutilidade, sujeitando-a e moldando-a ao seu poder[7]. Destarte, sempre seria de concluir que “os direitos das árvores” não passam, no máximo, de “deveres dos homens”.

Para aqueloutros, que perfilham uma concepção ecocêntrica (a também chamada, deep ecology), o ambiente é um bem comunitário cuja guarda compete a toda a humanidade, não só como forma de salvaguardar os seus interesses mas para reconhecer o valor imanente que o ambiente tem. A leitura que Freitas do Amaral faz do dever-ser ambiental, ao considerar que “hoje em dia parece certo que já não é mais possível considerar a protecção da natureza como um objectivo decretado pelo homem em benefício exclusivo do próprio homem (…)” (e que “a natureza [deve] ser protegida como valor em si e não apenas como objecto útil ao homem”)[8], é reveladora desta forma de “pensar verde”. A opção por uma visão ecocêntrica do mundo corresponde, nestes moldes, à visão de comunhão entre homem e natureza na medida em que a supremacia do homem (expressa através da capacidade cognitiva deste último), não pode levar a que, reiteradamente, os interesses imediatos deste prevaleçam. Por isso, “de acordo com uma ética ecocêntrica holística uma acção é boa quando tende a preservar a estabilidade e integridade da natureza e é má quando não contribui para esse objectivo”[9].

Pela nossa parte, vale a pena salientar que a doutrina – embora com concepções filosóficas diversas –, converge no sentido em que a nossa Lei fundamental tem cunho antropocêntrico[10]. Ora, é sintomático disto mesmo expressões como “ambiente de vida humano sadio” ou “qualidade de vida” a que o art. 66º CRP dá guarida. É este entendimento (expresso p. ex. em Gomes Canotilho/Vital Moreira, ob. cit. p. 348) que conduz a que a concepção antropocêntrica do ambiente seja o elemento justificador da consagração do direito ao ambiente como direito constitucional fundamental.

Por outro lado, os sociólogos descrevem a sociedade actual – pós-industrial –, como uma “sociedade de risco”, na medida em que corre riscos “ecológicos” e “genéticos”, caminhando de forma inelutável para a destruição das condições de vida naturais e sociais das pessoas[11]. Muito embora seja de sublinhar que, de um ponto de vista político, o Estado está em certa medida limitado na sua capacidade de acção[12], parece-nos que, independentemente do dualismo antropocentrismo/ecocentrismo, a consagração expressa, a nível constitucional, do direito ao ambiente como um direito fundamental, veio dar um contributo importante ao ordenamento jurídico (que serve os homens) e vem também contribuir para uma maior protecção do ambiente (que deve servir o ambiente de per si).

Em formulação sintética apreciativa, a perspectiva ecocêntrica, ao tomar por impulso a personificação da natureza, corre o risco de não conseguir compatibilizar as necessidades humanas com as exigências do meio ambiente. Mesmo as visões ecocêntricas que não as da deep ecology, parecem só conseguir as suas demandas filosóficas de iure condendo, já que nos ordenamentos jurídicos actuais não há atribuição de direitos subjectivos a “entes” desprovidos de personalidade jurídica. O que acontece é coisa diversa: há, em meu entender, uma aglutinação dos deveres sócio-juridicos humanos para com a natureza, como forma de salvaguardar o equilíbrio ecológico do planeta[13]. O modo como a utilização dos recursos naturais e a intervenção do homem tem vindo a ser realizada, em especial desde a revolução industrial, tem contribuído, de forma paulatina, para colocar em causa esta estabilidade ecológica. Já para o Prof. Vasco Pereira da Silva, o ambiente sempre será tutelado de forma reflexa, já que “as normas reguladoras do ambiente se destinam também à protecção dos interesses dos particulares, que desta forma são titulares de direitos subjectivos públicos”[14].

O direito ao ambiente, que fica vinculado ao regime dos direitos, liberdades e garantias (art. 17 CRP), tem também uma estrutura bifronte na medida em que não só implica a pretensão de cada pessoa a não ver afectado o seu direito a um “ambiente sadio” (devendo ter acesso a todos os meios indispensáveis para proteger e garantir a tutela do direito), mas implica também que o Estado elabore um conjunto de prestações positivas de modo a que sejam criadas formas de melhorar o equilíbrio ecológico.

A visão antropocêntrica mitigada por um princípio ecológico[15] parece ser aquela que, a meu ver, melhor realiza a tutela e conformação do ambiente protegido do homem pelo homem e satisfaz a emergência do “paradigma da preservação” face aos excessos do “paradigma do ambiente-cowboy”.

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[1] A necessidade premente de responder aos abusos do homem sobre a natureza levou a que alguns autores considerassem que a protecção do ambiente fosse hoje, uma tarefa inevitável do estado moderno: um estado de ambiente. E isto porque, dada a “infância” do direito do ambiente, este funcione, nas palavras de Vasco Pereira da Silva, como um “autêntico laboratório do direito administrativo. Vasco Pereira da Silva, Responsabilidade Administrativa em matéria de Ambiente, Lisboa: Principia, 1997, p. 8-9.
[2] José de Sousa Cunhal Sendim, Responsabilidade Civil por Danos Ecológicos, Da Reparação do Dano Através de Restauração Natural, Coimbra Editora, 1998, p.85.
[3] Com várias referências, Fernando Araújo, Introdução à Economia, 2004, pp. 1015ss.
[4] Muito embora já não ignorasse o movimento internacional de então que já contava o a realização de importantes convenções internacionais como seja a Convenção africana para a protecção da natureza e dos recursos naturais de 1968 ou a “histórica” declaração da conferência das nações unidas sobre o ambiente humano, de Estocolmo, realizada em 1972.
[5] O que constitui uma relativa originalidade em direito constitucional comparado.
[6] Numa perspectiva económica, José Cunhal Sendim, cit., p. 87ss., explora o sentido da capacidade de aproveitamento e do valor económico do bem ambiente para o homem, sintetizando assim a opção antropocêntrica-utilitarista.
[7] Assim, Luís Filipe Colaço Antunes, O Procedimento Administrativo de Avaliação de Impacto Ambiental, Coimbra, 1998, p. 55-56.
[8] Apud, Diogo Freitas do Amaral, Introdução ao Direito do Ambiente, Lisboa, 1994, p.13.
[9] Com referências, José Cunhal Sendim, cit., p. 94.
[10] Nesse sentido, José Cunhal Sendim, cit., p. 103; J.J. Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da Republica portuguesa anotada, 1993, pp. 347-350; Freitas do Amaral, cit., 1994, p.13 (quanto à lei de bases do ambiente); Vasco Pereira da Silva, Verde Cor de Direito, 2002. pp. 25-35
[11] José Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, 2004, p.63.
[12] Tema outro que nos levaria a outro debate e à discussão da ideia de que o Estado está hoje limitado perante os fenómenos da mundialização dos riscos ambientais e a consequente incapacidade de intervir de modo isolado à escala planetária. O pensar global e agir local parece ser hoje a prática usual, uma vez que as nações soberanas, através de convenções multilaterais, têm vindo a concatenar ideias em conjunto como forma de alcançar práticas e métodos comuns no âmbito da sua jurisdição.
[13] A concepção de direito da natureza como dever do homem, parece, na minha opinião, encaixar perfeitamente com a ideia de normas legais de conduta impositivas ou proibitivas mais ao encontro com a estrutura bifronte dos direitos fundamentais, pois que, os sujeitos ficam necessariamente adstritos à prática ou abstenção de um facto, v.g. proibição de cortar árvores em determinado local ou obrigação de utilizar catalisador nos automóveis.
[14] Vasco Pereira da Silva, Verde Cor de Direito., p 27
[15] Neste sentido, Vasco Pereira da Silva, sup. Cit., pp. 29-35.

sexta-feira, 5 de junho de 2009

Protocolo de Quioto

Protocolo de Quioto


I. Introdução:

Em busca dos tão almejados objectivos do desenvolvimento sustentável, da protecção dos ecossistemas e da biodiversidade muitas estratégias têm sido definidas, muitos esforços têm sido realizados mas a tentativa que conseguiu congregar mais apoiantes à sua volta foi sem dúvida o denominado Protocolo de Quioto (PQ). A aceitação ainda que parcial do PQ fica-se a dever aos mais variados motivos, entre eles o facto de (i) ser uma iniciativa a nível global e como bem sabemos o fenómeno das emissões dos gases com efeitos de estufa e da poluição em geral não conhece fronteiras (ii) criou metas e objectivos concretos (iii) fomentou a cooperação entre os Estados contratantes e (iv) porque sem medos ou falsos moralismos associou a protecção do ambiente a motivos de ordem económica, que aliás acabaram por se revelar bastante mais eficazes do que as habituais boas intenções que na práctica tem um efeito diminuto.

II. Enunciado da questão:

O fenómeno de absorção de radiações infravermelhas pela atmosfera, vulgarmente designado por Efeito de Estufa, é um fenómeno natural que permite manter a temperatura da terra ao nível actual. Este fenómeno é fundamental à vida na terra e se assim não fosse, a temperatura terrestre seria de aproximadamente menos 30ºC. Os gases responsáveis pela absorção das radiações infravermelhas são os chamados gases com efeito de estufa (GEE), na qual se incluem o Dióxido de Carbono (Co2) e o Metano (CH4).
A crescente actividade do homem relacionada sobretudo com a industrialização sem precedentes, o consumo exagerado de combustíveis e a desflorestação, têm contribuído para a modificação do balanço dos GEE na atmosfera, aumentando a sua concentração e, consequentemente, ocorre um aumento exponencial da temperatura terrestre. Estas alterações climáticas têm feito com que, por exemplo, 11 dos últimos 12 anos estejam entre os mais quentes de sempre, tenha existido um aumento do nível dos oceanos e a um degelo gradual nas zonas montanhosas. As consequências prováveis desta alteração podem implicar uma propagação do número de doenças, a extinção de algumas espécies animais e o aumento do número de incêndios.

III. Enquadramento histórico:

Perante este fenómeno começaram a surgir respostas a nível internacional que remontam ao final do século XIX. Logo em 1896 Svante Arrhenius publicou o seu artigo "On the Influence of Carbonic Acid in the Air Upon the Temperature of the Ground" no qual se abordava, pela primeira vez, a questão do aumento do efeito de estufa. Em 1988 é organizada a Conferência em Toronto, “The Changing Atmosphere Implications for Global Security” onde, pela primeira vez, se projectou a necessidade de uma Convenção sobre as alterações climáticas e nesse mesmo ano, foi instituído o “Intergovernmental Pannel on Climate Change”. Em 1992 foi concluída em Nova York a Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (CQNUAC), com o objectivo da “estabilização das concentrações na atmosfera de gases com efeito de estufa a um nível que evite uma interferência perigosa com o sistema climático. Em 1997 é assinado o Protocolo de Quioto, que entre outros objectivos, cria mecanismos para implementar os objectivos da CQNUAC, estabelecendo limites à emissão de gases com efeito de estufa para os países industrializados, num primeiro período de compromisso 2008-2012.


IV. O Protocolo de Quioto em especial:

Os países terão de emitir em média neste período uma quantidade de gases com efeito de estufa 5,2% inferior à registada em 1990 (ano de referência). Para que os limites sejam juridicamente vinculativos, pelo menos 55 países, responsáveis por pelo menos 55% das emissões, terão de ratificar o Protocolo, sendo que até agora 111 já ratificaram o Protocolo (correspondentes a 44,2% das emissões). Estes valores variam de País ou grupo de Países e foram negociados tectos de emissões, sendo que existem objectivos e metas diferentes para os diversos países. Não foram estabelecidos limites de emissões para os países em vias de desenvolvimento, sendo aliás um dos argumentos utilizados pelos EUA para não terem ratificado o protocolo, mas este no entanto prevê a possibilidade de mecanismos de colaboração como iremos ver. Não obstante é de sublinhar que o rápido crescimento económico destas económicas emergentes tem sido assente na utilização de recursos energéticos fosseis, estando estes países já a contribuir com mais de 50% das emissões de carbono mundiais. Sendo premente uma alteração no sentido de diminuir estes números. O PQ prevê três mecanismos que permitem aos países cumprir com as exigências de redução de emissões fora dos territórios: (i) a possibilidade de comércio de emissões (artigo 17º do PQ), onde os países que tenham emissões permitidas em excesso podem comercializar esse excesso a outros países que emitiram ou esperam vir a emitir GEE acima dos limites, (ii) o desenvolvimento dos chamados projectos de mecanismo de desenvolvimento limpo, onde se prevê a prestação de assistência a países em via de desenvolvimento, na implementação de projectos que possibilitem uma redução da emissão de GEE em troca de atribuição de emissões. Estes projectos estão normalmente associados a investimentos em tecnologias mais eficientes, à racionalização do uso da energia, à substituição de fontes de energia fósseis (como o petróleo e o gás) por fontes de energia renováveis e a iniciativas de reflorestação e florestação (iii) projectos de implementação conjunta que permitem aos países abrangidos pelo PQ agirem em conjunto para atingir os seus objectivos de redução. Se um país não consegue reduzir os seus valores pode adquirir a outro unidades de redução de emissões, através da implementação de projectos nos mesmos termos que os mecanismos de desenvolvimento limpo.

V. Portugal

Portugal, ao abrigo do protocolo de Quioto pode aumentar as suas emissões no período 2008-2012 até 27% relativamente às emissões de 1990. Esta possibilidade deve-se sobretudo ao facto de sermos um país ainda pouco industrializado, no entanto é importante sublinhar que entre 1990 e 2000 as emissões nacionais registaram um aumento de 31%, isto é, 4% superiores ao limite imposto para 2012 apesar de só alguns sectores económicos estarem sujeitos à obtenção de licenças de emissão. Assim, e para atingir as metas acordadas será necessário implementar outras medidas que incluam os restantes sectores responsáveis pela emissão de GEE que não são intervenientes no mercado de emissões, nomeadamente os sectores doméstico, serviços, agricultura, pecuária, florestas, resíduos e transportes. Também será necessário recorrer com mais frequência aos restantes mecanismos estabelecidos no PQ, nomeadamente os mecanismos de desenvolvimento limpo e os projectos de implementação conjunta.
De facto para cumprir este compromisso Portugal tem vindo a avaliar um conjunto de políticas e medidas sob a égide do Programa Nacional das Alterações Climáticas (PNAC). Este é o primeiro programa nacional desenvolvido com o objectivo de controlar e reduzir as emissões de gases com efeito de estufa, de modo a respeitar os compromissos de Portugal no âmbito do protocolo, bem como antecipar e propor medidas de adaptação que visem reduzir os impactos das alterações climáticas. Em termos concretos, o PNAC tem os seguintes objectivos: quantificar o esforço de redução para cumprimento dos compromissos assumidos e identificar as responsabilidades sectoriais em termos de emissões de gases com efeito de estufa. Este programa constitui assim um instrumento privilegiado de combate às alterações climáticas e a primeira etapa dum processo gradual, que envolve a sua contínua revisão e adaptação às evoluções internacionais, comunitárias e nacionais.


VI. Conclusão

Concluo assim que o protocolo de Quioto é um excelente passo para concretização efectiva das necessidades de redução das emissões de gases de com efeito de estufa. A sua estrutura quase mercantil faz com que mesmo os países menos sensíveis às questões ambientais acabem por seguir estes objectivos atrás de uma contrapartida financeira. Os países menos poluidores para além do ganho ambiental tem ainda a possibilidade de vender as quotas o que é um estímulo extra aos bons comportamentos ambientais. O tempo urge e o que de facto interessa, é chegar a resultados concretos rápidamente, independentemente das motivações altruístas ou que não estejam na sua base. “O fim da defesa de um Planeta Sustentável justifica o uso dos melhores meios que o homem possa utilizar”.

2ª Tarefa: Animaizinhos

INTRODUÇÃO

Na tradição romana, os animais (mais concretamente aqueles com sistema nervoso) eram tidos como coisas. Em certa medida, eram comparados com os escravos, com a única diferença de que estes, graças ao cristianismo, se emanciparam, enquanto os animais foram votados ao esquecimento. Intuitivamente, sabemos que apesar de ambos serem seres vivos, o animal não é igual a uma planta ou a um mineral. O primeiro tem autonomia própria: move-se, alimenta-se e partilha basicamente todas as necessidades primárias do Homem. Diz o Prof. Dr. Menezes Cordeiro que logo à partida, graças à sua capacidade de locomoção, os animais, considerados entre nós como coisas, pertenceriam a uma categoria especial dentro das móveis: os semoventes. A biologia moderna diz-nos que estruturalmente o Homem não é assim tão diferente de certos animais, sendo que há, a nível genético, mais semelhanças do que diferenças.
Partilham da História da vida da Terra e provavelmente manter-se-ão juntos até que essa História chegue ao fim. Então, porque continuam os animais a ser considerados coisas?

ENQUADRAMENTO HISTÓRICO

A defesa dos direitos dos animais remonta a tempos tão antigos como sejam os da altura da criação das Institutiones. Temos já nesse documento, num excerto atribuído a Ulpiano, um vislumbre da protecção dos seus direitos: "O direito natural é o que a natureza inculca em todos os animais. De facto, o direito não é próprio apenas do género humano mas de todo o animal(...)".
Também o Código de Hammurabi, de 2000 a.C., previa penas em defesa dos animais, o que denotava o respeito pela sua natureza.
Na Grécia Antiga podemos mesmo encontrar documentos que comprovam a existência de processos legais contra torcionários de animais. Modernamente, há que ter em conta o Martin's Act, de 22 de Julho de 1822, que foi criado com o objectivo de "prevent the cruel and improper treatment of cattle". Em França, a Lei de 28 de Setembro de 1791, reprimia maus tratos inflingidos a animais alheios e a Lei Grammont, de 2 de Julho de 1850, proibiu os maus tratos a animais, mesmo próprios, na via pública.
Em 7 de Setembro de 1959, essa Lei foi alterada, retirando-se a "publicidade" dos maus tratos para abranger, assim, mais situações. Mesmo na Alemanha Nazi, é possível encontrar alguma preocupação jurídica com os direitos dos animais. Como exemplo disso temos a Lei do Reich de 24 de Novembro de 1934, onde se proibia a experimentação animal. Actualmente, existe desde 18 de Agosto de 1986, uma lei federal de protecção dos animais e em França vários diplomas (especialmente a Lei de 10 de Julho de 1976) tutelam os animais tanto a nível administrativo como penal. Mesmo o próprio BGB sofreu uma alteração em 1990 onde se consagrou expressamente que os animais não são coisas. A nível internacional, há que enunciar a Declaração Universal dos Direitos do Animal (DUDA), proclamada na UNESCO, em Paris, em 15 de Outubro de 1978, em que pela primeira vez é consagrada a existência de direitos dos animais (igualdade, existência e respeito, até numa tutela post mortem) e é feita uma equiparação entre a defesa dos direitos dos animais e a defesa dos direitos do Homem (ver preâmbulo e arts. 1º, 2º e 3º DUDA).

CASO PORTUGUÊS

No nosso direito interno, várias são as disposições sobre os animais, porém, além de se encontrarem dispersas por vários diplomas, não conferem a protecção já dada internacionalmente, nem é possível chegar a um consenso sobre qual a "qualificação" atribuída aos animais. Senão vejamos: o nosso CC considera os animais como coisas (arts. 202º, 204º e 205º) e fora desse quadro apenas os contempla de uma forma periférica (ocupação, caça e pesca, animais selvagens com guarida própria, animais ferozes fugidos, enxames de abelhas, animais e coisas móveis perdidas, etc.). Porém, várias foram as Convenções e Directivas transpostas que evidenciam a protecção conferida aos animais, como sejam a Convenção Europeia sobre a Protecção dos Animais nos Locais de Criação de 10 de Março de 1976, e a Convenção Europeia para a Protecção dos Animais de Companhia de 13 de Novembro de 1987, transposta pelo Decreto nº 13/93 de 13 de Abril ou a Directriz nº 91/628/CEE de 19 de Novembro, alterada pela Directriz nº 95/29/CE sobre as normas relativas à protecção dos animais durante o transporte, transposta pelo Decreto-Lei 294/98 de 18 de Setembro, entre muitas outras.
A nível nacional, podemos ainda enunciar o Decreto-Lei 314/2003, de 17 de Dezembro. Porém, este diploma denota mais preocupações a nível sanitário e de saúde pública, do que propriamente pretende salvaguardar os animais. Logo, creio que é de maior relevância salientar a Lei 92/95, de 12 de Setembro que logo no seu art. 1º/1 proíbe todas as violências injustificadas contra animais. Contudo, apesar do intuito nobre que o diploma visava alcançar, nunca tal foi atingido, muito por força do seu art. 9º que dispõe que as sanções às infracções à lei seriam objecto de lei especial. Tal nunca foi feito, a não ser a nível administrativo, no Decreto-Lei 314/2003, que ainda assim apenas prevê coimas, não se podendo falar de uma tutela penal em relação aos maus tratos a animais.
Penso assim que a nível jurídico, ainda muito há a trilhar na defesa dos animais e um bom começo seria, talvez, haver uma definição concreta do estatuto dos animais, em que a lei aboliria a visão dos mesmos como coisas, para os tratar exactamente com a dignidade que lhes é devida. E se a dificuldade reside em enquadrá-los nalguma das categorias legais existentes, porque não adoptar a via mais fácil que seria a criação de uma nova categoria: a animal.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Análise feita, creio que se justifica a instituição de um dever de protecção aos animais. Não nos podemos esquecer que ao atribuirmos a qualificação de coisa aos mesmos, renunciamos à sua condição de seres vivos e, consequentemente, ao respeito pela vida.
Se o ser humano sabe que o animal pode sofrer e quais os modos para atingir esse sofrimento, então tem de tomar consciência de que só um ser vivo pode sofrer, ao contrário de uma coisa, e logo, tem de abandonar os velhos dogmas que não se coadunam com a realidade sócio-cultural e ética em que hoje vivemos.
Até porque, utilizando as palavras do Prof. Dr. Menezes Cordeiro: "Condenar os animais pela não-inteligência é abrir a porta à morte dos deficiente e dos incapazes".

quinta-feira, 4 de junho de 2009

Princípio do Poluidor-Pagador (Vertente Positiva e Negativa)

O princípio do poluidor pagador nasceu no quadro da O.C.D.E. e adquiriu posterior consagração comunitária, através do Acto Único Europeu, onde encontrava a sua sede no actual artigo 174º, n.º2, do Tratado da União Europeia. Mas, para além de regra de direito internacional e de direito comunitário, este princípio goza também, entre nós, de natureza constitucional, uma vez que representa um corolário necessário da norma do artigo 66º, n.º2, alínea h), da Constituição, que impõe ao Estado a tarefa de “assegurar que a política fiscal compatibilize desenvolvimento com ambiente e qualidade de vida”.
Este princípio decorre da consideração de que os sujeitos económicos, que são beneficiários de uma determinada actividade poluente, devem igualmente ser responsáveis, pela via fiscal, no que respeita á compensação dos prejuízos que resultam para toda a comunidade do exercício dessa actividade. Nos nossos dias, o alcance do princípio do poluidor-pagador tem vindo a ser alargado no sentido de se considerar que uma tal compensação financeira não se deve apenas referir aos prejuízos efectivamente causados, mas também aos custos de reconstituição da situação, assim como às medidas de prevenção que é necessário tomar para impedir, ou minimizar, similares comportamentos de risco para o meio ambiente, de acordo com a posição do Prof. Vasco pereira da Silva. Este é mais um dos princípios que estão expressamente consagrados no art.3º da Lei de Bases do Ambiente.
“(…)sendo o poluidor obrigado a corrigir ou recuperar o ambiente, suportando os encargos daí resultantes, não lhe sendo permitido continuar a acção poluente”.
Porém, devido à abundância de interpretações discrepantes de que tem sido objecto este princípio, importa, realizar uma abordagem negativa do mesmo, dizendo aquilo que não é, e por fim passar por uma abordagem positiva, realçando os seus traços principais.
O Princípio do Poluidor pagador não é o mesmo que responsabilidade civil por danos ambientais, trata-se de uma ideia errada, pensar que este tem uma natureza curativa e não preventiva, uma vocação para intervir a posteriori e não a priori. Apesar da formulação, poder recordar um principio jurídico segundo o qual quem causa o dano é responsável devendo suportar a sua reparação, o Prof. Gomes Canotilho, entende com apoio de grande parte da doutrina, que não se reconduz a um mero princípio de responsabilidade civil. Isto não significa que se negue no Direito do Ambiente vigore o princípio da responsabilidade subjectiva, que se funda na culpa, ou objectiva, com a obrigação de reparar o dano independentemente da culpa do agente, por danos causados. Este Professor, entede que a identificação deste princípio com o princípio da responsabilidade, não corresponde ao sentido que aquele historicamente surgiu, formulado primeiro pela OCDE e recebido, pouco mais tarde, pela Comunidade Europeia. A identificação deste princípios a nível doutrinal, constituiria, uma perda do sentido útil de ambos, um verdadeiro desaproveitamento das potencialidades dos dois. A prossecução dos fins de melhoria do ambiente e da qualidade de vida, com justiça social e ao menor custo económico, será indubitavelmente mais eficaz se cada um dos princípios se “especializar” na realização dos fins para os quais esta originalmente mais vocacionado, seja o princípio da responsabilidade, para a reparação dos danos causados ás vítimas, seja o princípio do poluidor pagador, para a precaução, prevenção e redistribuição dos custos da poluição.
No entanto, ao realizar uma abordagem positiva deste princípio, este é o que permite com maior eficácia ecológica, com maior economia e equidade social, realizar o objectivo de protecção do ambiente. Os fins que este princípio permite realizar são a precaução e a prevenção dos danos ao ambiente e a justiça na redistribuição dos custos das medidas públicas e luta contra a degradação do ambiente. Assim, aos poluidores não podem ser dadas outras alternativas que não deixar de poluir ou então ter que suportar o custo económico em favor do Estado que, por sua vez, deverá afectar as verbas assim obtidas prioritariamente a acções de protecção do ambiente. Os poluidores terão que fazer os seus cálculos de modo a escolher a opção economicamente mais vantajosa: tomar todas as medidas necessárias a evitar a poluição ou manter a produção no mesmo nível e condições e, consequentemente, suportar os custos que isso acarreta.
Assim, se o valor a suportar pelos poluidores for bem calculado, atingir-se-á uma situação socialmente mais vantajosa, a redução da poluição a um nível considerado aceitável e a criação simultânea de um fundo público, destinado a, combater a poluição residual ou acidental, a auxiliar as vítimas da poluição e a custear despesas públicas de administração, planeamento e execução da política de protecção do ambiente. Se, mesmo depois da aplicação do Princípio do Poluidor-Pagador, a situação alcançada ainda não for a ideal e houver poluição a mais, ou fundos a menos, então o legislador deverá elevar um pouco mais o montante dos pagamentos a efectuar pelo poluidor, até conseguir que ele adopte o comportamento considerado ambientalmente desejável. Por isso, o montante dos pagamentos a impor aos poluidores não deve ser proporcional aos danos provocados mas entes aos custos de precaução e prevenção dos danos ao ambiente. De recordar, que este princípio, actua antes e independentemente da existência dos danos ao ambiente terem ocorrido, antes e independentemente da existência de vítimas. Por isso os pagamentos decorrentes do princípio do poluidor pagador devem ser proporcionais aos custos estimados, para os agentes económicos, de precaver ou de prevenir a poluição. Só assim os poluidores serão motivados a escolher entre poluir e pagar (ao Estado), ou pagar para não poluir (investindo por exemplo, em processos produtivos ou matérias primas menos poluentes, ou em investigação de novas técnicas e produtos alternativos).
O resultado alcançado será sempre mais vantajoso em termos sociais, ou deixa praticamente de haver poluição e, portanto, os poluidores pagadores, ou então a poluição se reduz a níveis mais aceitáveis e os poderes públicos responsáveis pelo ambiente passam a dispor de verbas para afectar ao combate à poluição, sem com isso onerar mais os contribuintes em geral, eles próprios, quantas vezes, duplamente vítimas de poluição (vítimas ao suportar “na pele” os danos originados pela poluição e vítimas ao sofrer economicamente com o agravamento da carga fiscal para dotar o Estado de meios de combate à poluição e aos danos ambientais. Sendo este, outro grande mérito do princípio do poluidor pagador, a criação de verbas para o Estado afectar ao combate da poluição, evitando que os contribuintes tenham que custear, através dos impostos que pagam, as medidas tomadas pelos poderes públicos para a protecção do ambiente, sejam elas medidas legislativas, administrativas ou actos materiais. Pelo contrário, deverão ser criados fundos alimentados pelos poluidores, dos quais sairão as verbas necessárias à realização das despesas públicas de protecção do ambiente. Esta é a política do “equilíbrio do orçamento ambiental”, também denominada política de “reciclagem de fundos”, e consiste da angariação coactiva de fundos entre os poluidores, destinados ao financiamento da política de protecção do ambiente, permitindo assegurar equidade na redistribuição dos custos sociais da poluição e, sobretudo, protecção eficaz e económica do ambiente.
O princípio do Poluidor Pagador desempenha uma função que, em linguagem económica, se denomina internalização das externalidades ambientais negativas. Actividades geradoras de externalidades negativas são aquelas que impõem custos a terceiros independentemente da vontade destes e também independente da vontade de quem desenvolve essas actividades. Por exemplo, os danos causados aos moradores vizinhos pela poluição atmosférica provinda de uma fábrica de pasta de papel, ou os danos causados aos pescadores fluviais por uma descarga de uma fábrica de tintas. A internalização das externalidades que as taxas realizam significa que, por este meio, se forçam os poluidores e ter em consideração, nos seus cálculos económicos, os prejuízos provocados á sociedade em geral pela actividade que desenvolvem e, mais do que isto, se forçam os poluidores a modificar a sua conduta tornando-a socialmente menos nociva.
Como exemplos de aplicação do Princípio do Poluidor Pagador, no artigo 24º n.º1 alínea c) da Lei de Bases do Ambiente, sobre resíduos e efluentes, fala-se: “(…) da aplicação de instrumentos fiscais e financeiros que incentivem a reciclagem e utilização de resíduos e efluentes”.; no artigo 6º do Decreto-Lei n.º293/97, de 9 de Setembro, relativo à gestão dos resíduos esclarece-se que : “(…) os custos de gestão dos resíduos são suportados pelo respectivo produtor”. É por força desta norma que, não só para cobrir os custos, como também para estimular a redução da produção de resíduos, a deposição de resíduos em aterros está sujeita ao pagamento de taxas.

domingo, 31 de maio de 2009

Responsabilidade civil por danos ecológicos

Responsabilidade civil por danos ecológicos



Do meio ambiente como “meio agressor” ao ambiente como “bem jurídico agredido”

A questão da responsabilidade pelos danos ao ambiente foi objecto de tratamento por parte da doutrina, sendo que o “dano ao ambiente” era visto como “o dano causado às pessoas e às coisas pelo meio ambiente em que vivem”.
Assim, o problema central consistia na reparação dos danos subsequentes às perturbações ambientais.
Numa fase inicial, a construção do estado de direito ambiental alicerçou-se fundamentalmente em mecanismos de prevenção e controle.
Na falta de legislação específica que consagrasse modelos de imputação de danos adequados às exigências ambientais, e que solucionasse os problemas causados por esses danos, a atenção da doutrina centrou-se na adaptação das estruturas de imputação existentes.
No entanto, através de uma progressiva protecção autónoma e imediata de bens ambientais, levanta-se a necessidade de autonomizar os prejuízos causados ao próprio ambiente, dos prejuízos causados ao Homem e às coisas através do meio ambiente.
Assim, procura-se distinguir do conceito de danos ambientais (enquanto danos causados pelo ambiente à saúde, aos bens imóveis e móveis ou ao património em geral), dos danos causados à Natureza em si, ao património natural e aos fundamentos naturais da vida.


O princípio da responsabilização

Este princípio encontra-se previsto na alínea h) do artigo 3º da LBA, onde se prevê que os utilizadores do ambiente assumem as “ consequências para terceiros da sua acção, directa ou indirecta, sobre os recursos naturais”.
As acções referidas incluem não só as condutas que coloquem bens ambientais em risco ou em perigo mesmo que não causem danos efectivos, como também os custos da reparação e os das medidas preventivas funcionalmente dirigidas a evitar os danos.
Esta ideia permite fundamentar a imputação de externalidades, ou de custos ambientais, mediante o recurso a outros instrumentos jurídicos directos (sanções administrativas) e indirectos (exemplo, taxas e impostos ambientais).
O princípio da responsabilidade fundamenta-se, por um lado, no princípio do poluidor pagador e, por outro, no direito de polícia.
Evidentemente que o princípio da responsabilidade deve ser complementado com o princípio da repartição comunitária. Este último princípio determina que os custos de prevenção e reparação dos danos ecológicos devem ser suportados pelo Estado quando não seja possível (ou quando não se justifique) imputá-los ao seu causador.


Instrumentos de protecção jurídico-ambiental

Planos e programas:
 Inserção da dimensão ambiental no planeamento e nas contas públicas;
 Planos gerais de política ambiental;
 Planos sectoriais de política ambiental.

Instrumentos normativos de regulamentação directa:
 Normas de determinação da qualidade ambiental;
 Sanções preventivas;
 Instrumentos de gestão da informação e do conhecimento;
 Sanções administrativas;
 Sanções repressivas;
 Responsabilidade civil;
 Responsabilidade contra-ordenacional;
 Responsabilidade penal.

Instrumentos normativos de regulamentação indirecta:
 Taxas e impostos ambientais;
 Subsídios;
 Instrumentos financeiros e fiscais;
 Benefícios fiscais;
 Empréstimos a fundo perdido ou com juros bonificados;
 Certificação da qualidade ambiental de instituições.


Dano ecológico

O dano jurídico deriva de uma valoração operada pelo Direito. Consiste numa perturbação de bens juridicamente protegidos, sendo que, a sua relevância jurídica e justificação axiológica radicam na protecção que o direito concede a um conjunto de bens em razão dos fins que permitem atingir.
A procura de um conceito normativo de dano ecológico pressupõe, a compreensão de um conceito normativo de ambiente, sendo essencial considerar a protecção jurídico-constitucional que merece no ordenamento jurídico português.
Essa protecção é directamente assegurada pela constituição ao determinar o artigo 9º da CRP a “ defesa do ambiente” e a “ preservação dos recursos naturais”, mas também ao reconhecer-se no artigo 66º o direito ao ambiente e à qualidade de vida como direito fundamental. Desta forma, o tratamento jurídico do ambiente não se reduz à dimensão de tarefa Estadual, considerando-se, portanto, que os particulares são titulares de direitos subjectivos públicos.
O direito fundamental ao ambiente tem, assim, uma dupla natureza. Por um lado é um direito subjectivo, por outro constitui um elemento fundamental da ordem objectiva da comunidade.
O direito ao ambiente é, desde logo, um direito negativo (traduzindo-se na abstenção por parte do Estado e de terceiros de acções ambientalmente nocivas). Tem também uma dimensão positiva, obrigando o Estado e outras entidades a adoptar as medidas necessárias de defesa do ambiente e à preservação dos recursos naturais.
A tutela jurídico-ambiental consiste na regulamentação de condutas humanas que são susceptíveis de afectar a sua qualidade dos componentes ambientais. Essa protecção visa proteger ou conservar um determinado estado, um modo de ser dos bens naturais. Por exemplo, no que respeita ao ar, o estado de qualidade e equilíbrio ecológico é promovido através de normas de qualidade que fixam os valores indicativos e os valores limite no ambiente para determinados poluentes.
Assim, o estado de qualidade não é determinado por referência a uma norma isolada, sendo antes o padrão de qualidade resultante da concretização de todo o sistema juridico-ambiental.
O dano ambiental pode então ser entendido como a perturbação do estado do ambiente, determinado pelo sistema jurídico-ambiental. Pode, pois, ser caracterizado como uma perturbação do património natural (enquanto conjunto dos recursos bióticos e abióticos da sua interacção) que afecte a capacidade funcional ecológica e a capacidade de aproveitamento humano de tais bens, tutelada pelo sistema jurídico-ambiental.


O título de imputação

O direito do ambiente português, no que respeita ao título de imputação, adoptou o princípio da responsabilidade objectiva. No entanto, a imputação de danos com base no risco exige uma definição precisa e coerente de um conjunto de aspectos fundamentais:
 Identificação das actividades objectivamente perigosas;
 Identificação dos responsáveis;
 Prova de nexo de causalidade;
 Causas de exclusão da responsabilidade;
 Limites da obrigação de indemnização;
 Delimitação da eficácia espacial e temporal da situação de responsabilidade.

Contudo, não parece ser esta a solução do direito português, uma vez que o legislador criou estruturas de imputação demasiado vagas e imprecisas e que pode colocar em causa a eficácia e a eficiência do sistema.


Nexo de causalidade

O actual sistema é lacunar no que respeita à determinação do nexo de causalidade, ou seja, não existe nenhuma regra específica da responsabilidade ambiental sobre esta questão.
A solução parece ser a da aplicação analógica do artigo 563º do C.C. Esta regra requer desde logo um duplo juízo:
 Um juízo empírico mediante o qual se elege determinado facto como conditio sine qua non do dano considerado;
 Um juízo de imputação normativa exigindo que tal condição se revele em abstracto como causa adequada a produzir tal dano.
A aplicação da teoria da causalidade adequada (para que exista nexo de causalidade entre o facto e o dano não basta que o facto tenha sido em concreto causa do dano, em termos de conditio sine qua non, é necessário que, em abstracto, seja também adequado a produzi-lo segundo o curso normal das coisas) provoca muitas dificuldades que resultam, por exemplo, da incerteza científica sobre a causa, da concorrência de causas e do carácter indirecto e muitas vezes complexo do percurso causal.


Restauração natural

O direito português no artigo 48º da LBA determina que os infractores são obrigados a remover as causas da infracção e a repor a situação que existia anteriormente.
A restauração natural é aferida pela recuperação da capacidade funcional ecológica e da capacidade de aproveitamento humano do bem natural determinada pelo sistema jurídico, ou seja, pressupõe a recuperação da capacidade de auto-regeneração do sistema ecológico.
A restauração natural pode assumir duas formas:
 A restauração ecológica (visa a reintegração ou recuperação dos bens afectados);
 A compensação ecológica (visa a substituição dos bens naturais lesados por outros equivalentes, mesmo que situados num local diferente).


Indemnização pecuniária

Os danos ao ambiente podem ser susceptíveis de avaliação pecuniária. A avaliação monetária dos danos ao ambiente tende a justificar-se com três objectivos fundamentais:
 Permitir a compensação dos usos humanos afectados durante o período de execução da restauração natural;
 Possibilitar a análise da proporcionalidade das medidas de restauração natural;
 Permitir a compensação dos danos ecológicos quando a restauração natural se revele impossível.


Fases do procedimento

O processo de indemnização engloba as seguintes fases:
 Avaliação do dano;
 Identificação das alternativas de indemnização possíveis;
 Escolha da alternativa adequada.


Titularidade do direito à indemnização dos danos ecológicos


Decorre do nº3 do artigo 52º da C.R.P o direito dos particulares à indemnização de danos ao ambiente, ou seja, confere-se a todos o direito de promover a prevenção, a cessação ou a perseguição judicial das infracções contra o ambiente, bem como a requerer a correspondente indemnização.
Desta forma, todos os cidadãos podem interpor uma acção popular para defesa dos bens ecológicos.





Bibliografia


Baptista Machado, João – Introdução ao direito e ao discurso legitimador, Coimbra, 1983

Cruz, Branca Martins da – Responsabilidade civil por dano ecológico, Porto, 1996

Marques Dos Santos, A. – Direito internacional privado e ambiente, Lisboa, 2002

Canotilho, J,J, Gomes – Vital Moreira – Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra, 1992, 3ª ed.

quinta-feira, 28 de maio de 2009

Uma abordagem possível sobre a constitucionalidade dos contratos de adaptação ambiental

I. INTRODUÇÃO


O fenómeno da contratualização pública em matéria ambiental foi acolhida entre nós. Porém, a Doutrina suscita dúvidas, por um lado, quanto à eficácia do tipo específico de contratos que a Administração vem celebrando na consecução dos objectivos de redução do nível global das emissões poluentes e promoção da adaptação do sector industrial aos dispositivos legais em vigor (que transpõem directrizes comunitárias) e, por outro lado, quanto à sua compatibilidade com o princípio da legalidade e com o princípio da tutela procedimental de direitos e interesses dos administrados.

II. O PRINCÍPIO DA CONCERTAÇÃO ADMINISTRATIVA

São conhecidos os argumentos a favor das vantagens da utilização de instrumentos de concertação administrativa. De acordo com Ost, os acordos ambientais são vistos como um instrumento capaz de assegurar a responsabilização das empresas e o cumprimento generalizado das normas em vigor; por outro lado, os acordos garantem celeridade na execução dos objectivos traçados, por contraste com a tradicional lentidão do processo de produção de regulamentação imperativa, para além de permitir uma maior flexibilidade no processo de realização desses objectivos.
Fazendo uma análise de Direito Comparado, verificamos que nos Estados Unidos da América, a conclusão de “um contrato de instalação” entre o empresário e o município passa a ser requisito obrigatório para o deferimento por parte do Estado do pedido e licenciamento da unidade poluente; na experiência japonesa de contratação pública são correntes os contratos através dos quais as empresas poluentes se comprometem com as prefeituras ou municípios a cumprirem desempenhos ambientais que vão além dos standards legais; na União Europeia, o 5.º Programa de Acção Ambiental, aprovado em 1993, pelo Conselho, obrigaria a repensar o leque de instrumentos a utilizar na política ambiental sendo pois incentivadas as experiências de contratualização no quadro da Administração ambiental.
Nos últimos anos, no espaço europeu, praticamente todos os Estados-Membros usaram de uma forma ou de outra a via consensual com vista a alcançar objectivos ambientais.
Na Alemanha, o princípio da concertação em matéria ambiental, ali denominado de “Princípio de Cooperação”, foi pela primeira vez expressamente acolhido no primeiro programa de política do ambiente do executivo federal de 1971, que, vem enquadrar o fenómeno recente de a indústria e as autoridades públicas concluírem acordos de protecção ambiental que vão para além dos requisitos obrigatórios decorrentes da lei. Os principais respeitam à gestão de resíduos, à supressão progressiva de determinadas substâncias (amianto), às descargas de substâncias perigosas para as águas, e às emissões de CO2.
A França dispõe de um regime de polícia virado para a limitação ou interdição da poluição através de actos unilaterais autoritários; também aqui encontramos contratos de melhoria ambientais, sem derrogação de normas imperativas vigentes, salvaguardando-se as competências prefeitorais m matéria de licenciamentos de instalação industrial.
Com efeito, os contratos, enquanto instrumento de actuação da Administração do Ambiente, passaram a ser principalmente utilizados ou para disciplinar concertadamente o exercício, em procedimentos concretos, de poderes administrativos discricionários de polícia preventiva (em regra, acordos substitutivos de actos administrativos de licenciamento de instalação e elaboração de estabelecimentos industriais poluentes, através dos quais se estabelecem as obrigações a que os empresários ficam vinculados, das quais a Administração faz depender o deferimento dos seus pedidos), ou para fomentar e apoiar os empresários privados a diminuírem as emissões poluentes para níveis mais exigentes do que os máximos legalmente permitidos (em Portugal, escassos “contratos de melhoria de desempenho ambiental” celebrados pela DGA e os “contratos de promoção ambiental”, previstos pelo artigo 68.º do DL n.º 236/98, através dos quais as empresas se vinculam a desempenhos mais exigentes do que os que resultariam dos normativos em vigor).
Entre nós, os contratos ambientais apresentam muitos anos de atraso relativamente às primeiras experiências europeias. Estes têm por objecto o estabelecimento de um plano de adaptação das empresas aderentes a normas ambientais imperativas, dentro da qual estas ficam à margem dos referenciais de fiscalização decorrentes das disposições legais sobre a matéria, que são substituídos por referenciais definidos contratualmente. Em síntese, são contratos que envolvem a concertação do âmbito da aplicação de normas administrativas de polícia, designadamente de carácter sancionatório que implicam a sua não aplicação, pelo período definido contratualmente, às empresas contratantes.
Num ordenamento jurídico como o português, que consagra de forma ampla o princípio da autonomia pública contratual, haverá que fazer um esforço de compatibilização entre as figuras contratuais e os princípios e normas gerais em vigor. Esta tarefa resulta ainda mais justificada perante a manifesta dificuldade em enquadrar os contratos ambientais dentro dos princípios sobre os quais o nosso ordenamento jurídico se estrutura e confere unidade sistemática para o Direito do Ambiente: nem nos artigos 9.º/d) e 66.º da CRP, nem no artigo 3.º da LBA, se acolhe a ideia de que o desenvolvimento da política ambiental deve procurar e passar pela concertação com os agentes privados responsáveis pela poluição, maxime, com as empresas industriais poluentes. Não obstante, é possível acolher um “princípio da Concertação”.
Desde logo, ao nível da CRP, o papel que é atribuído à concertação social na elaboração e implementação de planos de desenvolvimento económico e social no seu artigo 90.º, que inclui a defesa do ambiente entre os possíveis objectivos dos planos (v.g., os primeiros “acordos voluntários” de adaptação à legislação ambiental vigente celebrados em 1994, surgiram na sequência do “acordo global” em matéria de ambiente e desenvolvimento sustentável celebrado entre o Governo, a CAP e a CIP). A própria LBA, apesar de não acolher o princípio da concertação no elenco dos princípios específicos constantes do artigo 3.º, consagra expressamente a figura dos “contratos-programa” no seu artigo 35.º, estabelecendo que o Governo pode celebrá-los com vista a reduzir gradualmente a carga poluente das actividades poluidoras. O mesmo se pode constatar na consagração legal, através do DL n.º 236/98, das figuras dos contratos de adaptação e promoção ambiental, que prevêem a possibilidade de o Estado contratar com os agentes poluidores um programa no prazo de adaptação ou melhoramento dos seus desempenhos ambientais.
Por fim, resta saber se a forma como o legislador e a Administração concretizam o princípio da concertação, na busca de uma melhoria dos níveis de execução do comando legal imperativo e da eficácia administrativa, se coadunam com as vinculações jurídico-públicas que sobre aqueles impendem.




III. NATUREZA DOS CONTRATOS DE ADAPTAÇÃO AMBIENTAL

No domínio do ambiente, surgem-nos uma série de contratos administrativos que correspondem ao modo normal de actuação da Administração e que aparecem como alternativa à prática de actos administrativos. Nesse sentido, a contratualização tornou-se ainda mais importante na medida em que a preocupação é a de tornar os particulares “cúmplices” da realização do Direito do Ambiente, ao invés de serem “vítimas”.
A Doutrina é consensual ao considerar os contratos de adaptação ambiental como verdadeiros contratos administrativos.
O contrato de adaptação ambiental traduz um acordo de vontades celebrado entre as empresas aderentes e a Administração Pública e, nos termos da lei, produz efeitos jurídicos para ambas as partes. Neste sentido, considera Vasco Pereira da Silva que o contrato de adaptação ambiental é, efectivamente, um contrato administrativo porque apresenta necessariamente como contraente uma autoridade pública e cria direitos e deveres contratuais de Direito Público, dando assim origem á constituição ou à modificação de uma relação jurídica administrativa.
O contrato de adaptação ambiental enquanto contrato administrativo, alicerça-se na ideia de função administrativa e já não do poder administrativo, ou seja, traduz todos os acordos de vontade decorrentes do exercício da função administrativa.
Mark Kirkby define contrato como o acordo de vontades contrapostas, funcionalizadas à criação, modificação ou extinção de relações jurídicas. Partilhando deste entendimento, Duarte Rodrigues da Silva, justifica-o com base na distinção que Sérvulo Correia traça entre contrato e acto administrativo, ou seja, a distinção entre estas duas figuras administrativas reside na estrutura do acto.
No contrato administrativo, as vontades são iguais e surge como requisito de existência a manifestação da vontade do particular.
O acto administrativo pressupõe vontades desiguais uma vez que o poder constitutivo apenas assiste à vontade da Administração, isto é, a vontade do administrado integra a vontade constitutiva da Administração.
Só há contrato, visto que, no caso concreto, a relação jurídica surge da indispensável conjugação de vontades das partes, não tendo servido apenas para criar os requisitos legais para a prática ou para garantir a eficácia de um acto reconduzível à vontade unilateral da Administração.
Não há vontade unilateral da Administração ou acto administrativo quando se verifica que as associações sectoriais podem, a favor das empresas do sector, propor e negociar o conteúdo concreto do plano de adaptação. Esta situação é demonstrativa de que a vontade dos particulares intervém de forma verdadeiramente constitutiva na composição da relação jurídico-administrativa que decorre dos contratos.
As partes negoceiam e, da conjugação das suas vontades produzem-se efeitos jurídicos concretos a que o contrato dá lugar, sendo esses efeitos reciprocamente vinculativos.
Os autores Mark Kirkby, Castro Rangel e Isabel Moreira, qualificam os contratos de adaptação ambiental como contratos administrativos, com base em dois requisitos: são contratos que envolvem o “exercício da função administrativa”, como define Maria João Estorninho; são contratos de Direito Público, cujo objecto se traduz na regulamentação de uma situação de exercício típico da função administrativa.
Os contratos de adaptação ambiental consubstanciam em si, uma forma de exercício de poderes administrativos, em alternativa ao acto administrativo, não havendo dúvidas de que as relações que surgem destes contratos são relações jurídico-administrativas, sujeitas ao Direito Público, pelo que são necessariamente contratos administrativos.

IV. CONTRATOS DE ADAPTAÇÃO AMBIENTAL E CONTRATOS DE PROMOÇÃO AMBIENTAL

Tratam-se de duas modalidades de acordo de vontades no domínio ambiental, que apesar de possuírem objectos diferentes, apresentam similitudes em termos de regime.
Esta matéria é analisada por Vasco Pereira da Silva, que tem em conta os seguintes aspectos: o fim dos sujeitos, o objecto, a fiscalização e as sanções (DL 236/98).
Relativamente ao fim, os contratos de promoção ambiental destinam-se à promoção de melhoria da qualidade da água e da protecção do meio aquático. Têm por objecto, estabelecer regras jurídicas contratuais que vão para além do regime geral, sendo estes mais rigorosos quando estabelecidos por via contratual (artigo 68.º, n.º 1). Por outro lado, os contratos de adaptação ambiental, destinam-se à adaptação da legislação em vigor, procurando a redução da poluição. Neste contrato, o que está em causa é estabelecer um regime gradual e progressivo de adaptação aos critérios que estão estabelecidos na lei (artigo 78.º, n.º 1).
Do ponto de vista dos sujeitos, há que distinguir os sujeitos de negociação e celebração do acordo e os sujeitos da relação contratual e o da adesão ao acordo pré-estabelecido, sendo diferentes os sujeitos que intervêm em cada um dos contratos. Os sujeitos de negociação e celebração do acordo em ambos os contratos são por um lado as associações representativas dos sectores e por outro lado o Ministério do Ambiente e o Ministério responsável pelo sector da actividade económica (artigos 68.º, n.º 1 e 78.º, n.º 1).
Uma vez celebrado o contrato típico, a ele pode aderir quaisquer empresas de um determinado sector de actividade económica. Para assegurar a possibilidade de adesão ao contrato, estabelecem-se regras a garantir a necessária publicidade (artigos 68.º, n.º 11 e 78.º, n.º 11).
Quanto ao objecto, o contrato de promoção ambiental tem por conteúdo o estabelecimento de um prazo e a fixação de um calendário nos termos dos quais os particulares se comprometem a seguir “normas de descargas mais exigentes do que as que se encontram estabelecidas na lei em vigor para o sector de actividade e para as empresas aderentes” (artigo 68.º, n.º 3).
Relativamente ao contrato de adaptação ambiental, o mecanismo é idêntico mas o objecto é diferente. Destina-se a promover a adaptação da legislação em vigor, e o que está em causa é um objecto contratual que vai calendarizar a adopção do regime legal pouco exigente (artigo 78.º, n.º 2).
Do ponto de vista da fiscalização e das sanções, no contrato de promoção ambiental, os respectivos planos e calendários passam a constituir os termos de referência para a fiscalização das actividades das empresas em causa. Em caso de desrespeito do plano de promoção ambiental acordado, podem existir sanções (artigo 68.º, n.º 7) e em caso de incumprimento poderá haver exclusão do contrato (artigo 68.º, n.º 8).
Nos contratos de adaptação ambiental, os respectivos planos e o calendário passam a ser aceites “como referência para a fiscalização da actividade das instalações das empresas aderentes relativamente ao cumprimento das suas obrigações ambientais (artigo 78.º, n.º 6). Em caso de desrespeito do acordo, será notificada a empresa, para correcção das faltas cometidas, sob pena de cominação e sanções que podem levar à exclusão do contrato (artigo 78.º, n.º 7 e 8).


V. CRISE DO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE

A principal razão que explica a existência de contratos no domínio da execução administrativa da política do ambiente, em detrimento da imposição de normas imperativas, encontra-se no elevado défice de execução dos comandos legais nesta matéria, em particular dos que impõem limites máximos de emissões poluentes.
Deste modo, sendo impossível à Administração Pública assegurar por via coactiva o cumprimento dos imperativos legais, tem que optar por tentar assegurar o cumprimento possível. E fá-lo através de uma “derrogação” temporária destes, com o objectivo de, num segundo momento, lograr obter um nível de execução normativa que lhe seria impossível sem ser por recurso à concertação com os agentes poluidores.
Assim, coloca-se a questão de saber se pode a Administração agir, a bem da eficácia administrativa, sem ser com base numa norma habilitante, ou proceder a uma regulação que vá para além do que esta autoriza. E, no que se refere aos contratos, se nos casos em que a utilização da forma contratual implicar necessariamente uma regulação diferente da norma de competência, ainda assim a utilização do contrato é permitida à luz de considerações de eficácia, mesmo que em detrimento do princípio da legalidade, sobretudo, nas situações em que o poder é vinculado quanto ao momento e quanto ao conteúdo e a Administração pretende, contratualmente, dispor de forma diferente ou fazer depender o seu exercício de determinadas contrapartidas do co-contraente particular.
Este fenómeno, que vem sendo designado da Doutrina como uma “crise do princípio da legalidade”, explica-se com base em vários factores. Por um lado, a lei deixou de ter aptidão intrínseca para limitar o papel da Administração Pública a uma mera execução dos seus comandos. Por outro lado, e eficácia postula que a Administração tenha uma margem de autonomia face ao comando legislativo.
Ora, perante a constatação da “crise do princípio da legalidade”, a Doutrina procura formas de compensar a menor legitimação que a lei pode dar num contexto em que, em vez de determinar, passou a programar e a orientar. Por isso mesmo, a consagração legislativa de acordos sobre o exercício do poder administrativo representa não apenas uma exigência do princípio democrático, assim como se afirma como uma conciliação do garantismo e da eficiência da actividade administrativa.
Chegados a esta conclusão, teremos que analisar a conformidade dos contratos de adaptação ambiental que têm sido celebrados com o princípio da legalidade e, bem assim, da suficiência habilitante das respectivas bases normativas: onde falhe a habilitação legal, ou onde esta defina de forma precisa os parâmetros de revogação da situação concreta a operar pela Administração, não pode esta optar pela autodeterminação, sob pena contrariar a CRP.

VI. OS CONTRATOS DE ADAPTAÇÃO AMBIENTAL NA LEGISLAÇÃO PORTUGUESA

O ARTIGO 35.º, N.º 2 DA LBA:

De acordo com Castro Rangel e Isabel Moreira, os contratos previstos no artigo 35.º, n.º 2 apresentam-se como “contratos-programa de redução da carga poluente”.
Importa começar por aferir o potencial habilitante do artigo 35.º, a fim de sabermos se será apto a fundamentar a celebração de contratos cujo objecto se dirige à “derrogação” temporária, ou à suspensão de normas ambientais de polícia. Esta tarefa é importante, na medida em que, se for possível concluir que o preceito habilita a Administração a suspender por via contratual normas que estabeleçam limites máximos de emissões poluentes, então o problema da compatibilidade com o princípio da legalidade estará resolvido.
De acordo com Mark Kirkby, o fraco grau de densidade normativa do preceito impediria a sua operacionalização por força do “princípio da precisão ou determinabilidade das leis”. Com efeito, o artigo 35.º, n.º 2 não contém uma tipificação mínima do conteúdo e efeitos dos contratos-programa que permita sustentar que dele se retira uma norma habilitante, pelo que não reúne os requisitos mínimos exigíveis pelo princípio da legalidade da Administração, na dimensão de reserva absoluta de precedência de lei.
Deste modo, a actuação da Administração Pública por via contratual em que afasta temporariamente as normas ambientais imperativas, será inconstitucional por violação do princípio da tipicidade das formas de lei (Jorge Miranda); de acordo com o pensamento de Sérvulo Correia, enfermam de inconstitucionalidade material, por violação do princípio da legalidade administrativa, as normas jurídicas que concedam poderes discricionários que não respeitem os mínimos exigíveis de determinabilidade dos pressupostos e dos efeitos do direito. Com efeito, o impacto do artigo 35.º, n.º2 seria permitir que através de um acto do poder administrativo se “derrogassem temporariamente” ou que se suspendessem actos legislativos, leis em sentido formal, o que consubstanciaria uma violação do artigo 112.º, n.º 6 da CRP, na medida em que, permitiria que uma fonte secundária – o contrato – dispusesse sobre efeitos de actos com força de lei, ou seja, constituiria uma completa subversão da hierarquia das fontes plasmada na Constituição.
Numa posição oposta, Castro Rangel tem em conta que o licenciamento exprime um poder de controlo inicial e, que simetricamente, a aplicação do complexo de sanções representa o exercício de um poder de controlo final. Poderá então afirmar-se que no capítulo V da LBA garante-se, que numa actividade materialmente policial, que os níveis de poluição se contêm dentro dos limites estabelecidos na lei, pelo que a Administração através da celebração de contratos-programa fica autorizada a tolerar durante certo período de tempo, a emissão, por banda do seu co-contratante, de cargas poluentes que, apesar de progressivamente menores atingirão níveis superiores aos máximos legalmente permitidos.
Assim sendo, os contratos-programa têm um carácter derrogatório que se consubstancia numa legitimação contratual da violação – provisória/transitória e gradativamente menos intensa – dos valores limite de poluição recebidos nas normas jurídicas. No mesmo sentido, Fernanda Maçãs, parece retirar do preceito, o afloramento de um princípio de abertura da via contratual no domínio do ambiente, embora este apenas se refira à figura típica do contrato-programa de redução da carga poluente.

O ARTIGO 40.º, N. 3 DO DL 74/90:

Segundo o ensinamento de Mark Kirkby, resulta da análise do artigo 40.º, n.º 3 do DL 74/90, que a competência atribuída à Administração pela norma transitória material é a de determinar uma entrada em vigor diferida e faseada, para determinados destinatários, das novas normas de descarga (que, nessa medida, não entravam logo em vigor para estes destinatários) e não a de derrogar as normas de polícia ambiental que ela própria (ou outra lei) vem definir, ou seja, a disposição transitória limita-se a suster a entrada em vigor das normas de descarga remetendo para um acto administrativo a definição do seu início de vigência para as empresas já instaladas.
Assim, do ponto de vista do princípio da legalidade, este preceito constituía base normativa suficiente para a celebração de contratos de adaptação ambiental e que o seu conteúdo, desde que respeitasse os limites definidos no referido diploma, não acarretaria a derrogação de normas legais imperativas, porquanto as normas de descarga a que respeitavam não entravam em vigor a não ser no termo da execução do próprio contrato.
O problema consiste em saber se a solução transitória não implicará uma violação do princípio da tipicidade das formas legais, na medida em que, fica totalmente dependente da prática de um acto administrativo ou da celebração de um contrato administrativo, ou por outras palavras, coloca-se a dúvida de saber se estamos perante um caso de um reenvio normativo do legislador para a Administração, no sentido deste executar ou adaptar ao caso concreto alguns dos preceitos da lei, ou se, pelo contrário, é um caso de “elevação do acto administrativo a um escalão legislativo” (Gomes Canotilho), expressamente proibido pelo princípio da tipicidade das formas legais. Se se verificar a primeira das hipóteses, o acto administrativo que determina o prazo de adaptação ambiental e, por essa via, o momento do início de vigência da lei respeitaria a respectiva natureza e hierarquia administrativas, porque estaria apenas a assegurar a plena operatividade da lei. Na segunda hipótese, o artigo 40.º, n.º 3, enfermaria de inconstitucionalidade material, por violação do artigo 112.º, n.º 6 da CRP, dado que estaria a permitir que um acto administrativo integrasse o conteúdo material da própria lei.
No entanto, é o próprio autor que admite que a fronteira da resolução do problema é nebulosa, uma vez que não é inédito que leis remetam para actos administrativos o seu início de vigência, para além do problema da segurança jurídica e da protecção de confiança. É o mesmo autor, porém, que responde ao argumento esgrimido, no sentido da sua negação, porquanto o início de vigência das normas não depender de qualquer acto administrativo, por não resultar incompleta, nem necessitar de qualquer desenvolvimento regulamentar que lhe confira aderência à realidade que se pretendesse conformar. Isso mesmo teria sido possível se fosse a própria lei a determinar um prazo de vacatio legis para as normas de descarga, durante o qual as empresas actuariam de modo a aproximarem-se da legislação ambiental a entrar em vigor em momento posterior, estabelecido por lei, concluindo pela inconstitucionalidade da norma que prevê essa possibilidade.
Assim, na opinião deste autor, este preceito é, efectivamente, inconstitucional, por violação do artigo 112.º, n.º 6 da CRP, pois entende que a determinação do momento de início da vigência de uma lei faz ainda parte do conteúdo “principal” dessa lei, porque tem que ver directamente com os aspectos essenciais relativos aos seus efeitos, embora como diz Duarte Rodrigues da Silva, aquele não se refira ao poder regulamentar, mas à emissão de acto administrativo, na previsão do artigo 40.º, nº 3. Há uma substancial diferença entre o tipo de normas transitórias em apreço e aquelas que fazem depender o início da vigência da lei de regulamentação complementar. Nestes casos, a lei é inexequível por si mesma, carecendo de uma actividade concretizadora a nível administrativo para se tornar operacional. No caso presente, pelo contrário, a disposição transitória tem um efeito verdadeiramente constitutivo, já que a lei seria imediatamente exequível, mas, por efeito daquela, passa a ser a Administração a ter o poder de, integrar na própria lei, determinar o momento em que esta começa a produzir os seus efeitos.
Porém, os contratos de adaptação ambiental que foram celebrados pela Administração com base no DL 74/90, foram muito além daquilo que a Administração estaria habilitada por força do artigo 40.º, n.º 3: por um lado os contratos-quadro permitiram a adesão de qualquer empresa do sector contratualizado, não limitando essa possibilidade às empresas já instaladas à data da entrada em vigor do mesmo diploma; por outro lado, conseguiam um prazo de adaptação das empresas aderentes a um leque alargado de normas ambientais vigentes (normas imperativas em matéria de emissões atmosféricas, resíduos e emissões sonoras) e não apenas às novas normas da qualidade da água que entraram em vigor com o diploma. A este propósito, Fernanda Maçãs refere, sem tomar posição, que o fundamento destes acordos estaria, para alguns autores, na margem de discricionariedade de que goza a Administração para iniciar ou não os procedimentos sancionatórios, pelo que, seria possível sustentar a celebração de quaisquer contratos de adaptação ambiental dispensando a necessidade de encontrarmos uma outra base jurídica habilitante. Em sentido diverso, Mark Kirkby, tendo em conta que as normas ambientais são por regra normas administrativas de polícia do tipo sancionatório, ou seja, normas que, definindo limites máximos de emissões poluentes, tipificam contra-ordenações puníveis com coimas, as autoridades administrativas não estão habilitadas para decidir não aplicar as coimas, nem tão pouco, a vincularem-se ao não exercício temporário desse poder, o que acarretaria a violação do princípio constitucional da inalienabilidade e irrenunciabilidade de poderes públicos.
Deste modo, de acordo com este autor, o regime de invalidade a aplicar seria o da anulabilidade, por vício de violação de lei, de todos os contratos de adaptação ambiental que foram celebrados pela Administração com base no DL 74/90, uma vez que tem objecto passível de acto administrativo.
Em posição contrária à de Mark Kirkby, Fernanda Maçãs defende que, não se pode sequer afirmar que a Administração surge a contratualizar os seus poderes polícia ou a aplicação de sanções, porque não estamos perante acordos que produzam os mesmos efeitos de uma sanção. O que se passa é que a Administração em vez de, por despacho, fixar um prazo de adaptação para cada sector de actividade, nos termos do disposto no artigo 40.º, n.º 3 do DL 74/90, produz o mesmo efeito através da celebração de um contrato ou de um acordo. Por outro lado, o caso em análise, também não se subsume naquelas situações em que o legislador disciplina de tal modo os efeitos pretendidos que a sua produção só é compatível com uma situação unilateral. Desde logo, porque o legislador não enquadra o despacho em causa num procedimento cujos trâmites estejam minuciosamente escritos.
Além do mais também não existem razões de ordem substantiva que sejam de molde a valorar negativamente a participação constitutiva das associações industriais ou das unidades industriais na fixação do referido prazo de adaptação, tendo sobretudo em conta que o horizonte temporal da eficácia dos acordos está delimitado.
Questão diferente era a de saber se a utilização da via contratual dispensava a emanação do referido despacho. E a resposta não pode deixar de ser negativa dada a eficácia bilateral dos acordos: só ficariam vinculadas as partes contratantes e as empresas posteriormente aderentes. Assim sendo, seria necessária a emanação do despacho com vista a vincular os não aderentes e aqueles que não cumprissem os acordos, e que viessem a ser desvinculados dos mesmos.

O ARTIGO 17.º, N.º 4 DO DL 352/90

Relativamente ao DL 352/90 tratando-se de fixar o início de vigência de normas de natureza regulamentar, opina Mark Kirkby, no sentido de não haver qualquer problema quanto a esta possibilidade, por não se tratar do desvirtuar de norma de natureza legal. Ou seja, a grande e fundamental diferença relativamente ao diploma anterior reside no facto de no presente, as normas que estabelecem os valores limite de emissões e cuja violação envolve uma contra-ordenação, são normas de natureza regulamentar, o que significa que o legislador qualifica expressamente como de natureza infra-legal as matérias que vão ser objecto pelo contrato-programa previsto no artigo 17.º. Esta norma estabelece um prazo de adaptação de cinco anos às disposições da referida portaria e atribui competência aos referidos ministros para prorrogarem este prazo por via contratual. Desta forma, não está o contrato a integrar o conteúdo da própria lei mas sim, quando muito, o conteúdo da portaria que vier a ser emanada. De acordo com este autor, será esta uma boa forma de fundamentar a celebração de contratos de adaptação ambiental.
Contra esta posição, Duarte Rodrigues Silva, interpreta o preceito como referindo-se não apenas à lei, em sento formal, mas a qualquer norma jurídica, englobando dessa forma os regulamentos, fundando-se esta posição na diferença de hierarquia entre regulamento e acto ou contrato administrativo.
Perante esta questão, o referido autor refere-nos que parece ter razão quem admita essa extensão. Isto porque, se se aplicarem aos regulamentos os mesmos princípios e regras relativos às leis, quando se estiver perante falta de normas específicas que versem sobre a interpretação, integração e validade, uma vez que os actos administrativos devem obediência ao “bloco legal”, também deverão obediência aos regulamentos administrativos. Não obstante diferente natureza entre lei e regulamento, o problema situa-se nos planos orgânico e formal, pelo que qualquer motivo que pudesse levar o legislador a preferir que as normas sobre emissões fossem de natureza regulamentar, estaria ligada ao facto de ser a Administração, que mais próxima se encontra da realidade, a elaborar essas normas. No entanto, continuaria a tratar-se de normas jurídicas com o seu carácter geral e abstracto.
Esta leitura, porém, não impede ao que se julga, que uma lei permita que um acto de hierarquia inferior a um regulamento o modifique. Se o problema fosse um regulamento prever que um acto o modificasse pareceria que essa solução seria de repudiar. Mas, do que se trata é de uma lei determinar que um contrato prorrogue por mais cinco anos a determinação da vacatio legis de cinco anos dos regulamentos que versassem sobre as normas de emissão. Desta forma, julga-se que ficou demonstrado a inexistência de qualquer inconstitucionalidade do artigo 17.º, n.º 4 do DL 352/90.

ARTIGO 78.º DO DL 236/98

Tendo em conta a posição de Duarte Rodrigues Silva, o que o artigo 78.º permite, é que, por intermédio de contrato, a Administração permita uma derrogação a preceitos normativos que já entraram em vigor. Ainda que o artigo se encontre sistematicamente inserido no capítulo referente às disposições finais e transitórias, não parece ter muita eficácia nesse sentido, pois é a letra que indicia a adaptação à legislação em vigor – artigo 78.º, n.º 2, em lado nenhum se estipulando que essas normas não estariam em vigor. Mais do que modificar, o que através desta disposição se permite, é revogar, ou antes derrogar normas jurídicas de natureza legislativa, por intermédio de contratos administrativos, o que é de repudiar, dada a concepção que se tem da Constituição e do princípio da legalidade. Por estes motivos é, para o autor, ainda mais evidente a inconstitucionalidade desta norma.
Na opinião de Mark Kirkby, tendo em conta o artigo 78.º, n.ºs 1,3 e 6 do diploma, parece decorrer uma base habilitante para que, por via contratual, se possam isentar as empresas aderentes, durante o período de adaptação, do cumprimento de quaisquer normas imperativas que estejam em vigor, o que se traduziria numa inconstitucionalidade por violação do princípio da tipicidade das formas de lei. No fundo, o presente diploma pretenderia, sem revogar quaisquer normas ambientais e sem hetero-deslegalizar a matéria constante noutros diplomas legais, habilitar a Administração a suspender a todo o tempo os seus efeitos através de contrato administrativo. Mas, que dizer da habilitação que aqui se consagra, de se contratualizar um prazo e um calendário de adaptação à nova legislação substantiva que entra em vigor com o “novo” diploma? É que no artigo 40.º, n.º 3 do DL 74/90, as novas normas ambientais não chegavam a entrar em vigor, visto que o referido preceito fazia depender o sei início de vigência de um acto administrativo a praticar pelo Director-Geral do Ambiente e, por isso, seria inconstitucional pois delegava neste a faculdade de com efeitos externos, integrar o conteúdo do acto legislativo. Ora, a presente situação é ainda mais grave, porquanto as “novas” normas do diploma entram plenamente em vigor findo o prazo de vacatio legis, pelo que habilita a Administração, por via contratual, a suspender as normas que ela própria veio a consagrar, violando assim o artigo 112.º, n.º 6 da CRP.
Este mesmo autor não aceita o argumento de se poder fazer uma interpretação restritiva do preceito no sentido de concluir que o objecto dos contratos se limitaria à contratualização de um plano de redução das emissões poluentes, no respeito pelo quadro legal vigente.
Vasco Pereira da Silva critica o argumento de Fernanda Maçãs ao referir que estaríamos perante um contrato com objecto passível de acto administrativo, na medida em que, a ilegalidade não surge por ser um contrato (negócio jurídico) ou um acto administrativo (decisão unilateral) mas por afastar um regime legal violando regras constitucionais. Outro argumento de carácter formalístico que é criticado por este autor seria o reconduzir a um contrato que derroga a lei ao abrigo de uma autorização que ela própria é legal: é a própria CRP a proibir a derrogação de actos normativos, pelo que se poderia considerar que se estava perante uma norma inconstitucional.
No entanto, este autor embora concordando com Mark Kirkby no sentido em que só poderiam existir contratos de adaptação ambiental onde houvesse uma situação de indeterminação legislativa, considera possível ir um pouco mais longe.
Assim sendo, a solução a encontrar deve antes partir de uma análise material dos valores que aqui se defrontam: por um lado, os princípios da constitucionalidade, da legalidade e da tipicidade das formas de lei; por outro lado, o da eficácia da realização da política ambiental pela via contratual, o da participação e colaboração dos particulares no exercício da administração do ambiente e o da tutela da confiança dos particulares, quando se verifique alteração dos padrões decisórios da Administração em matéria ambiental.
Deste modo, para além da admissibilidade de celebração de contratos de adaptação ambiental no domínio correspondente à margem de apreciação ou de decisão por parte da Administração, o autor afigura como possível, considerar autorizados, no limite, os contratos de adaptação ambiental que se afastem de limites legais, a título excepcional, desde que isso seja susceptível de encontrar cabimento na previsão legislativa e, que não corresponda a uma situação de “fraude à Constituição” ou “fraude à lei”, nem coloque em causa os princípios fundamentais da actuação administrativa (v.g., igualdade, proporcionalidade, imparcialidade).
Mas isso deveria ainda ficar dependente de duas outras condições: a de que fosse razoável considerar que a lei fixadora de limites consagrava dois regimes jurídicos, o geral, imediatamente aplicável e o especial, apenas parcialmente determinado pela lei (apesar de não poder ser nunca uma “norma em branco”), cuja aplicação ficaria dependente da celebração de contrato administrativo; e a de que esse “regime especial”, relativamente indeterminado, apesar da margem de decisão conferida à Administração, estaria sempre limitado pelas regras de competência, de fim e pelos princípios fundamentais da actividade administrativa constitucionalmente garantidos (artigo 266.º da CRP e artigo 3.º do CPA). Verificadas estas três condições, no limite, este autor, considera a admissibilidade dos contratos de adaptação ambiental no ordenamento português. Pelo que, fazendo uma tal interpretação “conforme à Constituição” das disposições da Lei de Qualidade da Água, talvez seja ainda possível “salvar” os contratos de adaptação ambiental nela previstos (ou, pelo menos, alguns deles).


VII. CONCLUSÃO

O tema teve como base de discussão a confrontação de valores, onde por um lado, tendo em conta os princípios de constitucionalidade, de legalidade e de tipicidade se determina a inconstitucionalidade dos contratos de adaptação ambiental na maioria dos diplomas citados face ao artigo 112.º, n.º 6 da CRP; e por outro lado tendo em consideração os princípios de eficácia da realização da política ambiental pela via contratual, da participação e da colaboração dos particulares no exercício da administração do ambiente, e o de tutela da confiança dos particulares face às alterações dos padrões decisórios da Administração em matéria ambiental, determina-se a constitucionalidade daqueles contratos relativamente àquele preceito.
Tendo a consciência de que a maior parte da Doutrina tende para a primeira solução, considera-se ser possível uma abordagem sobre a constitucionalidade dos contratos de adaptação ambiental face a um fenómeno crescente de “crise do princípio da legalidade”.
Verifica-se que nos diversos diplomas que se debruçam sobre estes contratos, vários são os argumentos a favor da constitucionalidade.
Assim, relativamente ao artigo 35.º, n.º 2 da LBA, Castro Rangel considera que o poder de controlo da Administração no procedimento de licença, justifica um carácter derrogatório dos “contratos-programa”.
Por outro lado, analisando o artigo 40.º, n.º 3 do DL 74/90, posteriormente revogado pelo DL 236/98, pode-se dizer que, ao contrário do ensinamento de Mark Kirkby, Fernanda Maçãs refere que não pode sequer afirmar-se que a Administração surja a contratualizar os seus poderes de polícia ou a aplicação de sanções pelo simples facto de não estarmos perante acordos que produzam os mesmos efeitos de uma sanção, na medida em que, a Administração em vez de fixar actividade produz o mesmo efeito da celebração de um contrato ou de um acordo.
Relativamente ao artigo 17.º, n.º 4 do DL 352/90, a Doutrina é unânime quanto à sua constitucionalidade embora a fundamente com argumentos distintos: por um lado, Mark Kirkby, refere-nos que neste diploma o legislador qualifica expressamente a natureza infra-legal das matérias que vão ser objecto pelo contrato-programa, ou seja, aqui o contrato não integra o conteúdo da própria lei mas sim o conteúdo da portaria que vier a ser emanada; por outro lado, Duarte Rodrigues Silva, seguindo o ensinamento de João Caupers, interpreta o preceito como referindo-se não apenas à lei em sentido formal, mas a qualquer norma jurídica, englobando os regulamentos administrativos, pelo que se admite que uma lei permita que um acto de hierarquia inferior a um regulamento o modifique.
Por fim, tendo em conta o artigo 78.º do DL 236/98, é ainda possível, de acordo com Vasco Pereira da Silva, considerar autorizados, no limite, os contratos de adaptação ambiental que se afastem de limites legais, a título excepcional, e mediante algumas condições.
Em conclusão, podemos dizer em consonância com Vasco Pereira da Silva que, no limite, é possível fazer uma interpretação “conforma à Constituição” ou “à lei” no que respeita à admissibilidade dos contratos de adaptação ambiental no ordenamento jurídico português, tendo ainda em consideração, como defende Fernanda Maçãs, que os acordos podem ser um meio de efectivação da legislação ambiental (princípio da eficácia), conjugada com a necessidade de efectivação do regime de licenciamento, pela execução do princípio do poluidor-pagador (face à situação de concorrência desleal dos não aderentes), e com o reforço do papel de fiscalização e de inspecção permitindo, em última análise, um diagnóstico actualizado dos sectores industriais no que respeita ao cumprimento da legislação ambiental.