sexta-feira, 5 de junho de 2009

2ª Tarefa: Animaizinhos

INTRODUÇÃO

Na tradição romana, os animais (mais concretamente aqueles com sistema nervoso) eram tidos como coisas. Em certa medida, eram comparados com os escravos, com a única diferença de que estes, graças ao cristianismo, se emanciparam, enquanto os animais foram votados ao esquecimento. Intuitivamente, sabemos que apesar de ambos serem seres vivos, o animal não é igual a uma planta ou a um mineral. O primeiro tem autonomia própria: move-se, alimenta-se e partilha basicamente todas as necessidades primárias do Homem. Diz o Prof. Dr. Menezes Cordeiro que logo à partida, graças à sua capacidade de locomoção, os animais, considerados entre nós como coisas, pertenceriam a uma categoria especial dentro das móveis: os semoventes. A biologia moderna diz-nos que estruturalmente o Homem não é assim tão diferente de certos animais, sendo que há, a nível genético, mais semelhanças do que diferenças.
Partilham da História da vida da Terra e provavelmente manter-se-ão juntos até que essa História chegue ao fim. Então, porque continuam os animais a ser considerados coisas?

ENQUADRAMENTO HISTÓRICO

A defesa dos direitos dos animais remonta a tempos tão antigos como sejam os da altura da criação das Institutiones. Temos já nesse documento, num excerto atribuído a Ulpiano, um vislumbre da protecção dos seus direitos: "O direito natural é o que a natureza inculca em todos os animais. De facto, o direito não é próprio apenas do género humano mas de todo o animal(...)".
Também o Código de Hammurabi, de 2000 a.C., previa penas em defesa dos animais, o que denotava o respeito pela sua natureza.
Na Grécia Antiga podemos mesmo encontrar documentos que comprovam a existência de processos legais contra torcionários de animais. Modernamente, há que ter em conta o Martin's Act, de 22 de Julho de 1822, que foi criado com o objectivo de "prevent the cruel and improper treatment of cattle". Em França, a Lei de 28 de Setembro de 1791, reprimia maus tratos inflingidos a animais alheios e a Lei Grammont, de 2 de Julho de 1850, proibiu os maus tratos a animais, mesmo próprios, na via pública.
Em 7 de Setembro de 1959, essa Lei foi alterada, retirando-se a "publicidade" dos maus tratos para abranger, assim, mais situações. Mesmo na Alemanha Nazi, é possível encontrar alguma preocupação jurídica com os direitos dos animais. Como exemplo disso temos a Lei do Reich de 24 de Novembro de 1934, onde se proibia a experimentação animal. Actualmente, existe desde 18 de Agosto de 1986, uma lei federal de protecção dos animais e em França vários diplomas (especialmente a Lei de 10 de Julho de 1976) tutelam os animais tanto a nível administrativo como penal. Mesmo o próprio BGB sofreu uma alteração em 1990 onde se consagrou expressamente que os animais não são coisas. A nível internacional, há que enunciar a Declaração Universal dos Direitos do Animal (DUDA), proclamada na UNESCO, em Paris, em 15 de Outubro de 1978, em que pela primeira vez é consagrada a existência de direitos dos animais (igualdade, existência e respeito, até numa tutela post mortem) e é feita uma equiparação entre a defesa dos direitos dos animais e a defesa dos direitos do Homem (ver preâmbulo e arts. 1º, 2º e 3º DUDA).

CASO PORTUGUÊS

No nosso direito interno, várias são as disposições sobre os animais, porém, além de se encontrarem dispersas por vários diplomas, não conferem a protecção já dada internacionalmente, nem é possível chegar a um consenso sobre qual a "qualificação" atribuída aos animais. Senão vejamos: o nosso CC considera os animais como coisas (arts. 202º, 204º e 205º) e fora desse quadro apenas os contempla de uma forma periférica (ocupação, caça e pesca, animais selvagens com guarida própria, animais ferozes fugidos, enxames de abelhas, animais e coisas móveis perdidas, etc.). Porém, várias foram as Convenções e Directivas transpostas que evidenciam a protecção conferida aos animais, como sejam a Convenção Europeia sobre a Protecção dos Animais nos Locais de Criação de 10 de Março de 1976, e a Convenção Europeia para a Protecção dos Animais de Companhia de 13 de Novembro de 1987, transposta pelo Decreto nº 13/93 de 13 de Abril ou a Directriz nº 91/628/CEE de 19 de Novembro, alterada pela Directriz nº 95/29/CE sobre as normas relativas à protecção dos animais durante o transporte, transposta pelo Decreto-Lei 294/98 de 18 de Setembro, entre muitas outras.
A nível nacional, podemos ainda enunciar o Decreto-Lei 314/2003, de 17 de Dezembro. Porém, este diploma denota mais preocupações a nível sanitário e de saúde pública, do que propriamente pretende salvaguardar os animais. Logo, creio que é de maior relevância salientar a Lei 92/95, de 12 de Setembro que logo no seu art. 1º/1 proíbe todas as violências injustificadas contra animais. Contudo, apesar do intuito nobre que o diploma visava alcançar, nunca tal foi atingido, muito por força do seu art. 9º que dispõe que as sanções às infracções à lei seriam objecto de lei especial. Tal nunca foi feito, a não ser a nível administrativo, no Decreto-Lei 314/2003, que ainda assim apenas prevê coimas, não se podendo falar de uma tutela penal em relação aos maus tratos a animais.
Penso assim que a nível jurídico, ainda muito há a trilhar na defesa dos animais e um bom começo seria, talvez, haver uma definição concreta do estatuto dos animais, em que a lei aboliria a visão dos mesmos como coisas, para os tratar exactamente com a dignidade que lhes é devida. E se a dificuldade reside em enquadrá-los nalguma das categorias legais existentes, porque não adoptar a via mais fácil que seria a criação de uma nova categoria: a animal.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Análise feita, creio que se justifica a instituição de um dever de protecção aos animais. Não nos podemos esquecer que ao atribuirmos a qualificação de coisa aos mesmos, renunciamos à sua condição de seres vivos e, consequentemente, ao respeito pela vida.
Se o ser humano sabe que o animal pode sofrer e quais os modos para atingir esse sofrimento, então tem de tomar consciência de que só um ser vivo pode sofrer, ao contrário de uma coisa, e logo, tem de abandonar os velhos dogmas que não se coadunam com a realidade sócio-cultural e ética em que hoje vivemos.
Até porque, utilizando as palavras do Prof. Dr. Menezes Cordeiro: "Condenar os animais pela não-inteligência é abrir a porta à morte dos deficiente e dos incapazes".