terça-feira, 28 de abril de 2009

O Princípio do Poluidor-Pagador

O Princípio do Poluidor-Pagador, tal como o próprio Direito do Ambiente (onde, aliás, se insere), é um princípio bastante recente. Presume-se ter nascido como um slogan político na contestação estudantil de Maio de 68 ainda que, oficialmente, o seu nascimento como princípio internacional de política do ambiente, veio a dar-se em 26 de Maio 1972, numa recomendação (C (72) 128), adoptada pelo Conselho da OCDE intitulada “Princípios Reguladores da Dimensão Económica Internacional das Políticas Ambientais”. Nesta, estabelece-se que “o poluidor deve suportar as despesas da tomada de medidas de controlo da poluição, decididas pelas autoridades públicas, para assegurar que o meio-ambiente se mantenha em estado aceitável ou, noutras palavras, que os custos de tais medidas sejam reflectidos nos preços dos bens ou serviços que causam poluição na sua produção e/ou consumo”.

Logo em Novembro de 1973, o Princípio do Poluidor-Pagador foi adoptado como “Princípio Base da Acção Comunitária em Matéria de Ambiente”, no Programa de acção das Comunidades Europeias em matéria de Ambiente. Todavia, só em 1987 com o Acto Único Europeu, adquiriu a natureza de Princípio Constitucional do Direito Comunitário do Ambiente através do aditamento ao Tratado do art. 130.º-R (actual art. 174.º). Refere este preceito, no seu nº 2, que “A Política da Comunidade no domínio do ambiente terá por objectivo atingir um nível de protecção elevado, tendo em conta a diversidade das situações existentes nas diferentes regiões da Comunidade. Basear-se-á nos princípios da precaução e da acção preventiva, da correcção, prioritariamente na fonte, dos danos causados ao ambiente e do poluidor-pagador.”.

O Princípio do Poluidor-Pagador foi ainda reconhecido como Princípio de Direito Internacional Público na Declaração do Rio de Janeiro de 1992 (“Princípio 16: As autoridades nacionais deveriam procurar fomentar a internalização dos custos ambientais e o uso de instrumentos económicos, tendo em conta o critério de que o causador da contaminação deveria, por princípio, arcar com os seus respectivos custos de reabilitação, considerando o interesse público, e sem distorcer o comércio e as inversões internacionais.”).

Finalmente, foi desenvolvido no âmbito do Direito Comunitário através da Directiva 2004/35/CE de 21 de Abril de 2004. É nesta que é consagrado especificamente o Princípio do Poluidor-Pagador como aquele em que “o operador que cause danos ambientais ou crie a ameaça iminente desses danos deve, em princípio, custear as medidas de prevenção ou reparação necessárias. Se a autoridade competente actuar, por si própria ou por intermédio de terceiros, em lugar do operador, deve assegurar que o custo em causa seja cobrado ao operador. Também se justifica que os operadores custeiem a avaliação dos danos ambientais ou, consoante o caso, da avaliação da sua ameaça iminente”. Esta directiva foi, de resto, transposta para o Direito Português no Decreto-Lei n.º 147/2008, como a Lei da Responsabilidade Ambiental que consagra, no nosso ordenamento jurídico, os mecanismos que executam estas as medidas propostas nesta directiva.

Entre nós, parte da Doutrina considera que o Princípio do Poluidor-Pagador não tem cariz constitucional. Todavia, esta não é a posição do Prof. Vasco Pereira da Silva que considera que “representa um corolário necessário da norma do art. 66.º nº2, alínea h) da CRP, que impõe ao Estado a tarefa de “assegurar que a política fiscal compatibilize desenvolvimento com ambiente e qualidade de vida”. A questão de se saber se o Princípio do Poluidor-Pagador tem ou não cariz constitucional vai, de certo modo, colidir com a questão mais ampla de saber se o Princípio do Desenvolvimento Sustentável pode também ser um princípio constitucional ou se, colocando a questão num outro prisma, se o Princípio do Poluidor-Pagador é um mera concretização deste princípio do desenvolvimento sustentável.
Na minha opinião, estando consagrado na CRP não como princípio fundamental (pelo menos explicitamente…) mas como uma “incumbência do Estado para assegurar o Direito ao Ambiente”, o Princípio do Poluidor-Pagador faz mais sentido se for lido em termos de uma “justificação económica” de certas medidas políticas do que, de um direito stricto sensu. É um princípio e como tal, funciona como paradigma de opções tomadas num determinado momento.

Infelizmente, a ciência económica despertou tarde para os problemas ambientais. Se é verdade que a responsabilidade pela sobre-exploração dos recursos naturais é directamente imputável à actividade económica em geral – e à indústria, em particular – é também verdade que à própria ciência jurídico-económica, se deve parte dessa responsabilidade, dado que lhe faltou uma visão adequada da natureza e da classificação dos bens ambientais.
De facto, os recursos naturais são classicamente classificados como “bens livres”, aos quais se contrapõem os “bens económicos”. Estes últimos caracterizam-se pela sua utilidade, acessibilidade e escassez, enquanto que os bens livres, embora úteis e acessíveis, não têm a característica da escassez. Neste âmbito, os bens económicos como escassos que são, geram conflitos de interesses que se vão repercutir essencialmente na atribuição de um preço como factor condicionante ao seu uso. Nada disto se passa nos bens livres: como não são escassos, não geram conflitos de interesses e, por isso, não existem restrições objectivas ao seu uso.
Além deste erro de expectativa (a de que os recursos naturais, como bens livres, são abundantes e inesgotáveis), foi cometido um outro erro: o facto da concepção clássica do ciclo produtivo abranger apenas a produção, distribuição e consumo dos bens económicos – sem se interessar pelo destino dos resíduos produzidos em cada fase do ciclo.

Ao qualificar os recursos naturais como res nullius (isto é, bens sobre os quais não existem direitos reais definidos o que faz com que não haja ninguém a zelar pelo seu exercício) e os resíduos como res derelictae (bens que ninguém quer), a ciência económica fez com que não houvesse a tal limitação monetária à sua procura que limitaria a sua utilização abusiva, ao pôr termo ao conhecido efeito económico da “boleia” (ninguém quer ter despesa em cooperar na sua salvaguarda na medida em que, mesmo aqueles que não cooperem, podem sempre beneficiar da sua utilização).

Os factos, como seria de esperar, vieram desmistificar o mito da abundância e da inesgotabilidade. Os recursos naturais passaram juridicamente a serem vistos como bens de todos e Património Comum da Humanidade, a que devem ter acesso não só as gerações presentes (e todas as pessoas que dela fazem parte) mas também as futuras. É imperativa a promoção de sua utilização de um modo razoável e racional, com consciência dos seus limites e numa lógica de que o seu esgotamento poderá levar ainda a mais despesa, no futuro. Despesa essa que irá, quase de certeza, muito para além da mera despesa económica.
É isto o problema económico-ambiental das exterioridades negativas (como, por exemplo, a poluição). De facto, estas são entendidas como a reacção que um comportamento de um agente económico cria reflexamente noutro, que não está em relação directa com ele e sem que isso seja espontaneamente considerado e contabilizado nas decisões de produção. Ora, verificando este tipo de exterioridades, o preço de mercado dos bens não reflecte os verdadeiros custos da sua produção uma vez que, como estas são negativas, o preço do produto no mercado é inferior ao seu preço real. Isto gera um problema grave: não há um limite a que o produtor produza mais do que é socialmente desejável, há desperdício. A solução que, mais tarde ou mais cedo, se terá de implementar, é aquela que passa pela interiorização da exterioridade, fazendo com que esta seja contabilizada como custo de produção. Há uma obrigatoriedade de impor ao produtor que suporte os custos sociais da produção, evitando o desperdício resultante da exploração desnecessária de recursos naturais.

Da formulação do Princípio do Poluidor-Pagador retira-se, pois, que quem deve suportar os custos económicos da poluição que produza é o produtor e não a comunidade. Para o efectivar, devem os governos dos Estados, na opinião da Prof. Isabel Marques da Silva, “tornarem-se cada vez mais inflexíveis nas suas medidas legislativas: eliminação de auxílios estatais a actividades poluentes e pela introdução de mecanismos jurídico-fiscais que forcem aqueles que poluem mais, a pagar consequentemente também mais”.
Há quem argumente com um problema que, na minha opinião, é mais aparente do que real: se os custos de produção vão ser imputados aos produtores, estes vão repercuti-los nos consumidores, através do aumento dos preços dos bens produzidos. Todavia, o facto de se fazer aumentar o preço do bem faz reduzir a procura e, por isso, a produção de bens que são poluentes. Além disso, se o produtor produz para o mercado, também o consumidor beneficia da poluição produzida, não sendo, por isso mesmo, completamente injusto que seja ele também a cobrir parte do custo da poluição. Ainda assim, nos tempos de crise por que, de um modo geral, toda a comunidade internacional está a passar, fazer com que os preços dos bens provenientes de recursos naturais (muitos deles, bens de primeira necessidade) não será uma medida muito facilmente aceite. Como resultado, adia-se o problema ambiental o que, de resto, não é propriamente uma grande novidade…

Questão importante para este efeito é o de saber, afinal, quem é o poluidor. A resposta é-nos dada pela a própria Directiva 2004/35/CE de 21 de Abril de 2004 que o define como “qualquer pessoa singular ou colectiva, pública ou provada, que execute ou controle a actividade profissional ou, quando a legislação nacional assim o preveja, a quem tenha sido delegado um poder económico decisivo sobre o funcionamento técnico dessa actividade, incluindo o detentor de uma licença ou autorização para o efeito ou a pessoa que registe ou notifique essa actividade”.
Mas este poluidor paga o quê? Para quem veja no Princípio do Poluidor-Pagador algo que se reconduz à responsabilidade civil, o poluidor suportará, nos termos da teoria da causalidade adequada, os custos necessários à reparação dos danos causados.
Não é, no entanto, de aceitar este entendimento. A já referida Directiva 2004/35/CE de 21 de Abril de 2004, no seu considerando 13, expressa que “nem todas as formas de danos ambientais podem ser corrigidas pelo mecanismo da responsabilidade. Para que este seja eficaz, tem de haver um ou mais poluidores identificáveis, o dano tem de ser concreto e qualificável e tem de ser estabelecido um nexo de causalidade entre o dano e o ou os poluidores identificados. Por conseguinte, a Responsabilidade não será um instrumento adequado para tratar a poluição de carácter disseminado e difuso, uma vez que é impossível relacionar os efeitos ambientais negativos, com actos ou omissões de determinados agentes individuais”.
Para resolver estas questões pendentes, são criadas dois tipos de acção: as acções de prevenção (art. 5.º “quando ainda não se tiverem verificado danos ambientais, mas houver uma ameaça iminente desses danos, o operador tomará sem demora as medidas de prevenção”) e as acções de reparação (art. 6.º “quando se tiverem verificado danos ambientais, o operador informará sem demora, a autoridade competente de todos os aspectos relevantes da situação e tomará todas as diligências para imediatamente controlar, eliminar ou, de outra forma, gerir os elementos contaminantes pertinentes ou quaisquer outros factores danosos”.) Além destas acções, caberá também aos operadores custear a avaliação dos danos ambientais ou, consoante o caso, a avaliação da sua ameaça iminente.

Esta breve análise do Princípio do Poluidor-Pagador permite então concluir que, ainda que se duvide do seu carácter constitucional, será fundamental na legitimação da maior parte não só das decisões governativas como, em sentido amplo, das decisões da Administração Pública. Como refere – e bem – o Prof. Vasco Pereira da Silva, o alcance deste Princípio vem a ser progressivamente alargado, “no sentido de considerar que uma tal compensação financeira não se deve penas referir aos prejuízos efectivamente causados, mas também aos custos da reconstrução da situação, assim como às medidas de prevenção que é necessário tomar para impedir, ou minimizar, similares comportamentos de risco para o meio-ambiente”.
Resta, hoje, questionarmo-nos sobre a necessidade não só de uma aplicação mais efectiva do Princípio do Poluidor-Pagador tanto em termos éticos como jurídicos e, se os mais diversos instrumentos financeiros que realizam este princípio serão os mais adequados e em que medida devem estar previstos.


Bibliografia

PEREIRA DA SILVA, Vasco, “Verde cor de Direito – Lições de Direito do Ambiente”, 2ª Reimpressão da Edição de Fevereiro 2002

MARQUES DA SILVA, Isabel, “O Princípio do Poluidor-Pagador”, Estudos de Direito do Ambiente, 2002

ARAGÃO, Maria Alexandra de Sousa, “O Princípio do Poluidor-Pagador – Pedra Angular da Política Comunitária do Ambiente”, Coimbra Editora, 1997

MIRANDA, Jorge e MEDEIROS, Rui, “Constituição Portuguesa Anotada – Tomo I”, Coimbra Editora, 2005