sábado, 25 de abril de 2009

Da avaliação de impacto ambiental e avaliação ambiental estratégica: breve análise dos seus regimes



I. Avaliação de impacto ambiental
A avaliação de impacto ambiental é um procedimento administrativo especial, regulado pelo Decreto-Lei n.º 69/2000 e alterado pelo Decreto-Lei n.º 197/2005, de 8 de Novembro.
Colaço Antunes refere, na sua tese “O procedimento administrativo de avaliação de impacto ambiental”, que “(...) a distinção entre o procedimento tipo e o procedimento especial perde significado se atendermos que no CPA não existe esse pretendido procedimento típico ou comum, a que haveria de fazer-se referência para qualificar outros procedimentos como especiais. (...) Entendemos, porém, que não será erróneo falar-se de procedimento especial quando, relativamente às previsões contidas no Código, se verificam «desvios» tão importantes que alteram a estrutura interna do procedimento (formalizado) normalmente utilizável para o cumprimento de uma determinada finalidade administrativa”.
Este Autor entende que no procedimento de avaliação de impacto ambiental estão reunidos os requisitos de forma (tramitação diferente da geral) e de fundo (peculiaridade da matéria a que se aplica) que caracterizam o procedimento especial, referidos por González Navarro.
O procedimento administrativo de avaliação de impacto ambiental tem como objectivo evitar ou acautelar lesões que possam ocorrer no meio-ambiente, apreciando “(...) autonomamente as repercussões ambientais – presentes e futuras – de um projecto, num momento prévio ao da forma de actuação administrativa necessária para que tal actuação projectada possa ter lugar”, nas palavras do Professor Vasco Pereira da Silva.
Este procedimento tem, assim, como objectivo a apreciação dos benefícios económicos vs. Os prejuízos ecológicos de certo projecto. Tem ainda por base, como refere Colaço Antunes, “(...) um documento, o estudo de impacto ambiental, organizado por fases lógicas e temporais de modo a permitir o progressivo envolvimento de todas as partes interessadas na definição do seu conteúdo (...)”.
Segundo Colaço Antunes, de um modo sintético, são quatro as grandes funções do procedimento de avaliação de impacto ambiental:
1.Função de prevenção, face ao desenvolvimento das actividades humanas e dos riscos a elas inerentes com projecção no futuro do meio-ambiente. Esta função, por sua vez, divide-se em três conceitos:
a)Prevenção negativa: manifesta-se na impossibilidade de se desenvolver qualquer acção nefasta;
b)Prevenção positiva: formas de gestão do bem ou do interesse público através de um ordenado desenvolvimento de relações jurídicas e de formas de protecção social;
c)Prevenção-previsão: descrição e advertência de um determinado fenómeno antes que este se concretize.

2.Função de planificação, referente à integração da avaliação do impacto ambiental na planificação urbanística, territorial, sócio-económica, energética e dos transportes.
3.Função de assegurar, através da participação dos cidadãos, uma maior garantia, imparcialidade e eficiência no processo decisional da Administração Pública.
4.Repartição de competências entre as Autarquias locais e o Estado (artigo 243.º CRP).

Hoje, as funções da avaliação de impacto ambiental estão previstas no artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 69/2000, de 3 de Maio.
Posto isto, o âmbito de aplicação ambiental é-nos dado pelo artigo 1.º/1 do diploma em causa: projectos públicos e privados susceptíveis de produzirem efeitos significativos no ambiente. Este Decreto-Lei inclui dois anexos que elencam as actividades que estão sujeitas a avaliação de impacto ambiental. O anexo I apresenta uma lista tipificada [artigo 1.º/3 a)] e o anexo II apresenta uma lista exemplificativa [artigo 1.º/3 b)].
O artigo 1.º/4 refere que, mesmo que algum projecto não se encontre sujeito a avaliação de impacto ambiental de acordo com o anexo II, este pode ainda a ela ser submetido por decisão da entidade licenciadora ou competente para a autorização do projecto. Ter-se-á em conta, à semelhança do que acontece com o disposto no n.º 5, os critérios estabelecidos no anexo V.
O Professor Vasco Pereira da Silva critica o modo como o artigo 1.º está redigido, não só pela sua expressão linguística, como pela falta de clareza da delimitação do âmbito de aplicação da avaliação de impacto ambiental: o n.º 1 “(...) começa por esboçar uma cláusula geral (...), que fica incompleta; depois remete-se para uma enumeração constante de anexos (n.º 3); a seguir estabelece-se a possibilidade de alargamento excepcional e casuístico do âmbito de aplicação, mediante decisão administrativa, e voltam a ser enunciados critérios que deveriam antes constar da cláusula de natureza geral (n.º 4) (...)”, indicando mesmo uma solução alternativa de redacção do artigo em causa que, sem dúvida, seria muito mais aceitável e praticável (vide pp. 155 e 156 do Manual).
O artigo 2.º estabelece uma lista de definições a que deve recorrer-se sempre que se esteja em presença de algum daqueles conceitos, na maioria, indeterminados.
O artigo 2.º-A, vem densificar o disposto no artigo 1.º/4, estabelecendo que compete à entidade licenciadora ou competente para a autorização decidir sobre a sujeição a avaliação de impacto ambiental dos projectos que lhe são submetidos, podendo solicitar parecer à autoridade de avaliação de impacto ambiental, nos termos do n.º 2 do artigo 2.º-A.
Quanto à dispensa do procedimento de avaliação de impacto ambiental, o artigo 3.º/1 é claro: em certos casos excepcionais e com a devida fundamentação, pode ser dispensado, total ou parcialmente, do procedimento de avaliação de impacto ambiental o licenciamento ou a autorização de um projecto específico. Para tal, deve o interessado apresentar à entidade competente o requerimento de dispensa, devidamente fundamentado (n.º 2).
Seguem-se os n.ºs 3 e seg. Que dizem respeito aos prazos para análise e decisão, que não cumpre agora analisar pormenorizadamente.
No procedimento de avaliação de impacto ambiental intervêm a entidade licenciadora ou competente para a autorização; a autoridade de avaliação de impacto ambiental; a Comissão de avaliação e a entidade coordenadora e de apoio técnico (artigo 5.º), estando as competências e composição das entidades intervenientes em causa definidas nos artigos 6.º a 10.º.
Vejamos agora o procedimento de avaliação de impacto ambiental ou, nas palavras do Professor Vasco Pereira da Silva, a marcha do procedimento, regulada nos artigos 12.º a 31.º.
Podemos, então, dizer que a marcha do procedimento é composta por várias fases. Num primeiro momento, temos a fase da iniciativa, na qual o proponente desencadeia o procedimento, através da apresentação pelo mesmo de um estudo de impacto ambiental (EIA) (artigo 12.º/1), contendo os elementos exigidos ao longo do artigo em causa. O estudo de impacto ambiental tem o seu âmbito definido no artigo 11.º e deve ser dirigido à entidade licenciadora ou competente para a autorização.
Numa segunda fase, o estudo de impacto ambiental, juntamente com toda a documentação necessária, é remetido à autoridade de avaliação de impacto ambiental (artigo 13.º/1), que, por sua vez, nomeia a Comissão de avaliação para apreciação técnica do mesmo (artigo 13.º/3).
A terceira fase respeita à participação pública, processada mediante audiências públicas, convocadas pela autoridade de avaliação de impacto ambiental e com observância das formalidades prescritas pelo artigo 15.º (cfr. também artigo 14.º).
Na quarta fase tem lugar o parecer final da Comissão de avaliação que, “(...) em função do conteúdo dos pareceres técnicos recebidos, da apreciação técnica do EIA, do relatório da consulta pública e de outros elementos de relevante interesse constantes do processo, elabora e remete à autoridade de AIA o parecer final do procedimento de AIA” (artigo 16.º/1). A autoridade de avaliação de impacto ambiental, ao abrigo do artigo 16.º/2, envia a proposta de decisão de impacto ambiental por si feita ao Ministro responsável pela área do ambiente, no prazo de 25 dias a contar da recepção dos documentos em causa.
Na quinta e última fase deste procedimento, tem lugar a decisão de impacto ambiental propriamente dita (artigos 17.º e seg.).
A decisão de impacto ambiental pode ser, segundo o artigo 17.º/1:
- favorável (nada obstando ao licenciamento);
- condicionalmente favorável (condiciona-se o particular ao cumprimento de medidas destinadas a minimizar os impactos ambientais) ou
- desfavorável (o projecto não pode ser aprovado uma vez que os prejuízos ecológicos são superiores aos benefícios).
Esta decisão é proferida no prazo de 15 dias a partir da recepção da proposta da autoridade de avaliação de impacto ambiental e é da competência do Ministro responsável pela área do ambiente (artigo 18.º/1).
O regime jurídico de avaliação de impacto ambiental contém uma figura interessante: o deferimento tácito (artigo 19.º). Considera-se que a decisão em causa é favorável na falta de comunicação à entidade licenciadora ou competente para a autorização, nos prazos aí previstos, que variam consoante esteja em causa um projecto constante do anexo I (140 dias) ou no caso de outros projectos (120 dias) (artigo 19.º/1).
O legislador criou, nas palavras de Vasco Pereira da Silva, uma ficção legal de acto administrativo favorável, contrariando a regra geral do indeferimento tácito previsto nos artigos 108.º e 109.º CPA. O Professor entende que tal opção do legislador não é de louvar.
A decisão de impacto ambiental caduca se, ao cabo de dois anos sobre a data da sua emissão, não tiver sido iniciada a execução do respectivo projecto (artigo 21.º/1).
Por fim, resta-nos fazer uma breve referência ao pós-procedimento (ou, na letra da lei, pós-avaliação), referido nos artigos 27.º e seg.. Assim, este regime tem em vista o acompanhamento do impacto ambiental do procedimento licenciado, durante toda a sua execução, através da elaboração de relatórios e pareceres de conformidade com a decisão de impacto ambiental (artigo 28.º), monitorização (artigo 29.º), auditorias (artigo 30.º), acompanhamento público (artigo 31.º) e sanções em caso de incumprimento (artigos 36.º a 42.º).

II. Avaliação ambiental estratégica
A avaliação ambiental estratégica é regulada pelo Decreto-Lei n.º 232/2007, de 15 de Junho, sendo, portanto, um regime relativamente recente, que contém, como é prática comum em Portugal, um extenso preâmbulo, no qual se explica o fundamento da aprovação do regime em causa.
À semelhança do regime de avaliação de impacto ambiental, a avaliação ambiental estratégica (AAE) surgiu por obrigação de transposição de Directivas Comunitárias (artigo 1.º).
Enquanto a avaliação de impacto ambiental tem uma função preventiva da política do ambiente e do ordenamento do território, constituindo uma “(...) forma privilegiada de promover o desenvolvimento sustentável, pela gestão equilibrada dos recursos naturais, assegurando a protecção da qualidade do ambiente e, assim, contribuindo para a melhoria da qualidade de vida do Homem”, a avaliação ambiental estratégica tem em vista a análise das grandes opções de desenvolvimento.
Segue-se, na mesma lógica do regime de avaliação de impacto ambiental, um elenco de definições, embora muito menos extenso (artigo 2.º).
O âmbito de aplicação vem definido no artigo 3.º, sujeitando-se a avaliação ambiental estratégica, os planos e programas referidos nas três alíneas do n.º 1, competindo à entidade responsável pela elaboração do plano ou programa a averiguação da necessidade de sujeição ou não a avaliação ambiental (artigo 3.º/2). Esta sujeição pode ser precedida de consulta, nos termos do n.º 3. O artigo 3.º/6 recorre igualmente para a sua concretização, a um anexo único.
À semelhança do que acontece com o artigo 3.º do regime de avaliação de impacto ambiental, o artigo 4.º do regime em análise também refere casos em que a sujeição a este procedimento deve ser dispensada (n.º 1).
Numa segunda fase, a entidade responsável pela elaboração do plano ou programa solicita parecer às entidades às quais possam interessar os efeitos ambientais resultantes da aplicação do plano ou programas (artigo 5.º/3), devendo os mesmos ser emitidos no prazo de 20 dias (artigo 5.º/4).
De seguida, a entidade responsável pela elaboração do plano ou programa, nos termos do artigo 7.º/1, procede à consulta das entidades às quais seja susceptível de interessar os efeitos ambientais resultantes da sua aplicação. Esta consulta é prévia á aprovação do projecto de plano ou programa em causa.
O projecto de plano ou programa é submetido a consulta pública, por prazo não inferior a 30 dias (artigo 7.º/6 a 9).
Após ser aprovado o plano ou programa, a entidade responsável pela sua elaboração deve enviar à Agência Portuguesa do Ambiente a versão final do plano ou programa e a declaração ambiental (artigo 10.º/1).
À semelhança do que se verifica no regime de pós-avaliação (artigos 27.º e seg. Do regime de avaliação de impacto ambiental), o artigo 11.º estabelece que, numa última fase, as entidades responsáveis pela elaboração dos planos e programas avaliam e controlam os efeitos no ambiente que decorram da aplicação e execução dos mesmos.
Para finalizar, veja-se o teor do artigo 13.º, que procede à articulação com o regime de avaliação de impacto ambiental de projectos (AIA).
Fica, então, um esquema das fases dos processos do regime de avaliação ambiental estratégica, com que se iniciou este trabalho.