domingo, 24 de maio de 2009

A legítima defesa de agressões contra o ambiente

A legítima defesa de agressões contra o ambiente


Alguns comportamentos individuais que correspondam a descrição de tipos penais poderão encontrar-se justificados, quando praticados em determinados contextos e em obediência a certos requisitos ou pressupostos que excluam a sua ilicitude.
Entre as causas de exclusão de ilicitude, temos a legitima defesa prevista no artigo 32º do C.P., sendo que esta corresponde a uma reacção à agressão actual e ilícita de interesses juridicamente protegidos do agente ou de terceiro. Ou seja, trata-se da defesa, pelo agente, de bens jurídicos próprios ou alheios que a ordem jurídica legitima. No entanto, para ser legítima tem de obedecer a um conjunto de condições definidas na lei.
Para aferirmos a aplicabilidade deste instituto a agressões contra o ambiente, temos de verificar as condições definidas na lei e que circunscrevem a aplicabilidade do instituto às situações que respeitem essas determinações para posteriormente verificar o tipo de agressões ao ambiente que aí se inserem.


A questão ambiental


O desenvolvimento tecnológico possibilitou um crescimento económico mundial sem precedentes, mas ao mesmo tempo levou à criação de subprodutos nocivos que posteriormente se difundiram pelo ambiente natural (emissões para a atmosfera, acumulação de lixo a céu aberto, despejos nos solos, etc.).
Também a permanente predação dos recursos naturais (fossem eles minerais, vegetais ou animais) tem provocado diversos efeitos nocivos no meio ambiente, não apenas directos como o esgotamento de recursos, mas também indirectos como a diminuição da capacidade de renovação da atmosfera pela perda da superfície arborizada.
Todos estes processos conduziram a uma progressiva tomada de consciência da questão ambiental tanto ao nível dos indivíduos, como ao nível da responsabilidade do Homem pela preservação do meio ambiente.
Desta forma, começaram os ordenamentos constitucionais de vários Estados a colher princípios similares, positivando o direito a “um ambiente de vida humana sadio e ecologicamente equilibrado” e o dever de o proteger.
Mais tarde, os ordenamentos jurídicos de vários Estados começaram a incriminar diversos tipos de agressões contra o ambiente.
Este movimento de neo-criminalização representa, portanto, a tutela imediata do ambiente por via penal. Esta protecção penal decorre, desde logo, no nosso ordenamento jurídico da sua consagração constitucional como direito fundamental.





O direito ao ambiente na constituição



Por um lado, os direitos fundamentais possuem uma dimensão objectiva, no âmbito da qual a norma de direito fundamental se dirige primariamente ao Estado, impondo a este deveres jurídicos que garantem o bem constitucionalmente tutelado. Por outro lado, os direitos fundamentais possuem igualmente uma dimensão subjectiva, garantindo “uma posição de vantagem individual na fruição dos bens protegidos de direitos fundamentais”. Neste caso, a norma de direito fundamental garante uma pretensão individual à obstrução da interferência do Estado no domínio protegido impondo um correspectivo dever objectivo de abstenção, consagrando um direito de defesa do particular.
Ora, esta estrutura de defesa representa um critério que permite qualificar o direito fundamental como de natureza análoga aos direitos liberdades e garantias.
Assim, por força dos artigos 17 e 18 da C.R.P. este direito de defesa tem eficácia directa nas relações entre particulares, impondo, desta forma, a todos os entes públicos e privados o dever de abstenção de comportamentos lesivos do ambiente.
O artigo 66 nº1 da C.R.P. vai ainda mais longe prevendo expressamente o dever geral de protecção do ambiente, resultando, portanto, não só a proibição de atentar contra o ambiente como também a obrigação de impedir os atentados de outrem a esse mesmo ambiente. Alguma doutrina tem vindo a considerar este argumento decisivo no problema da aplicação da legítima defesa aos direitos sociais, entendendo que a legítima defesa está indubitavelmente associada ao poder de excluir a actividade dos outros sujeitos jurídicos sobre um bem.


Bem jurídico tutelado



O ambiente natural é um objecto universal, na medida em que envolve toda a existência humana e sustenta bens jurídicos de dimensão individual como a vida ou a integridade física.
Assim, o que se protege é um meio de vida são. Ou seja, o bem jurídico tutelado é a relação de utilização do ambiente natural para o desenvolvimento da personalidade, sendo este direito fundamental garantido e polarizado no indivíduo e não meramente na comunidade ou numa massa anónima de sujeitos potenciais usufrutuários do ambiente natural.
Nesta perspectiva, quando a agressão contra o ambiente se repercute sobre a relação de utilização potencial das condições de vida de um sujeito concreto e determinado, ela consubstancia uma agressão, não a um conjunto de meros objectos integrantes de um ecossistema, mas a um direito fundamental ao gozo do ambiente e à não intervenção da parte de terceiros nesse espaço de autonomia pessoal o qual é juridicamente protegido para efeitos de legítima defesa como um interesse próprio e individual do sujeito defendente ou de terceiro em cujo auxílio este venha a actuar.
Isto significa que ao abrigo do artigo 32º do C.P. a ordem jurídica protege o interesse individual na utilização e manutenção do ambiente natural.




A agressão


Um dos pressupostos da legítima defesa é a existência de uma agressão a qual deve ser actual e ilícita. Assim, todo o facto que não seja ilícito impede a aplicação do instituto à reacção defensiva podendo resultar esta na prática de um crime.
A agressão surge, assim, como um conceito referido a condutas humanas ficando de fora factos não humanos, naturais, animais ou produzidos de forma mecânica ou automatizada por aparelhos construídos pelo Homem.


Ilicitude


Apenas será legítima a defesa que se apresentar como o facto necessário para repelir uma agressão ilícita e não, consequentemente, qualquer acção finalisticamente determinada.
A ilicitude que caracteriza a agressão dirige-se à qualificação de condutas humanas contrárias a norma, quer se entenda que deve abranger elementos de dolo ou negligência quer se entenda que o artigo 32º se basta com a violação objectiva da norma.


Actualidade da agressão


A reacção defensiva deva além de ilícita ser actual, isto é, deve tratar-se de uma agressão iminente ou que, já iniciada, ainda perdure.
De forma a delimitar o começo da agressão devemos recorrer, por analogia, aos critérios legais que determinam o início da execução da tentativa.


Necessidade de defesa


Apenas a utilização do meio necessário será justificado. O meio necessário é o meio eficaz a impedir o resultado, mas é também aquele que de entre os eficazes seja o menos gravoso para o agressor.
Deste modo, o defendente está obrigado a recorrer às autoridades públicas, quando esse meio esteja à disposição e seja utilizável sem prejuízo da eficácia da defesa.


Conclusão


O direito fundamental ao ambiente ultrapassa o poder de exclusão de terceiros de uma esfera pessoal de gozo do meio ambiente, abrangendo pretensões a prestações positivas por parte do Estado, nomeadamente de garantia das adequadas condições ambientais e de melhoria das mesmas. É, nesta medida, um direito sob reserva do possível.
O legislador ordinário autoriza diversas condutas lesivas do ambiente que são entendidas como indispensáveis. Assim, toda a legislação permissiva ou autorizativa de condutas danosas para o meio ambiente realiza uma ponderação de valores. Desta forma, os danos resultantes das condutas permitidas não são suficientemente lesivos do ambiente para imporem uma restrição daquela actividade.
Nos casos em que a conduta lesiva do ambiente seja autorizada, não é possível exercer contra ela legítima defesa, na medida em que não estão presentes dois dos requisitos da causa de justificação: a ilicitude da agressão e o interesse juridicamente protegido.