quarta-feira, 27 de maio de 2009

Deferimento tácito nos procedimentos em matéria de ambiente

Antes de mais, convém dizer que este texto não representa propriamente um trabalho, mas sim um mero comentário relativo à consagração da figura do deferimento tácito no âmbito dos procedimentos administrativos ambientais portugueses, centrando-se esta análise no procedimento de avaliação de impacte ( ou impacto) ambiental, consagrado no Decreto-Lei 69/2000. Este comentário irá ter em conta, na medida do possível, as perspectivas do Direito Comunitário, do Direito Administrativo geral e do Direito do Ambiente.
Ainda uma nota formal. Sempre que se refere neste texto Figueiredo Dias está-se a ter em conta a obra conjunta elaborada por um conjunto de pessoas, do qual este autor fez parte, que está indicada na bibliografia deste trabalho.



Noção de deferimento tácito, a sua natureza e a sua consagração no Direito Administrativo geral

Avançar com uma noção de deferimento tácito implica ter já em conta o entendimento que se tem relativamente à sua natureza. Ou seja, o apuramento da sua natureza deve ser prévio à sua definição.
Diga-se só que o deferimento tácito é um efeito atribuido pela lei, positivo em relação à pretensão de um particular, em caso de silêncio da Administração perante esse mesmo pedido, depois do decurso de um prazo fixado para a decisão.
O escopo desta figura é, como se vê, superar a inércia dos orgãos da Administração perante solicitações de particulares ( João Miranda), valorando-se este silêncio como manifestação tácita da vontade da Administração num sentido positivo para o particular ( Freitas do Amaral). Paralelamente, ao silêncio também se pode atribuir o valor de acto tácito negativo, ou seja, desfavorável à pretensão do particular. É o indeferimento tácito, que se deve considerar, ( como se verá a seu tempo), ser a regra geral relativamente aos efeitos a atribuir ao silêncio da Administração. O indeferimento tácito terá surgido como forma de habilitar o particular a agir contenciosamente, num tempo em que o nosso contencioso assentava numa lógica actocêntrica ( Vasco Pereira da Silva).

Quanto à natureza jurídica do deferimento tácito existem várias concepções. Assim a figura do deferimento tácito pode ser:
- uma técnica legal de interpretação do silêncio;
- uma presunção;
- um acto administrativo;
- uma ficcão legal de acto administrativo;
- um mero pressuposto do recurso contencioso; ou
- um acto ficcionado.
Bem, certas posições assemelham-se bastante. A tese de que o deferimento tácito é um acto administrativo era já defendida por Marcello Caetano, e teve significativa aderência. De acordo com esta teoria, no acto tácito há uma manifestação de vontade do orgão competente da Administração, na medida em que estes conheçem a lei e sabem que estes exactos efeitos ( do deferimento tácito) se vão produzir.
André Gonçalves Pereira e Rui Machete vêem no deferimento tácito um simples pressuposto para o recurso contencioso. Ao invés de verem no deferimento tácito um acto voluntário do orgão da Administração, associam o decurso do prazo sem decisão a factores como o descuido, o desinteresse, ou incapacidades de vários níveis.
Já Freitas do Amaral discorda destas posições, entendendo que o deferimento tácito deve ser tido como uma ficção legal de acto administrativo, na medida em que, por um lado, a lei trata o acto tácito como acto administrativo para todos os efeitos, não apenas para efeitos de recurso contencioso, por outro lado, não é verdadeiramente acto administrativo porque não há uma conduta voluntária.
João Tiago da Silveira vê no deferimento tácito um acto ficcionado, aproximando-se da posição de Freitas do Amaral.
Também me parece ser esta a visão mais correcta.

Assim se pode partir para a definição de deferimento tácito. De acordo com João Tiago da Silveira o deferimento tácito é “ o acto ficcionado através do qual se concede ao particular, nos casos e condições legalmente previstos, o correspondente à sua pretensão, na sequência do decurso de um lapso temporal sem que a Administração se tenha pronunciado sobre a mesma”.
Normalmente são apontadas, (como pressupostos do deferimento tácito), as seguintes características:
- pretensão inteligível;
- tempestividade;
- legitimidade;
- competência;
- inexistência de decisão expressa;
- actualidade do direito;
- existência de dever legal de decidir ( 9.º/2 CPA);
- falta de decisão no prazo legal.
Alguns autores defendem ainda como pressuposto a legalidade.


O regime do CPA relativo aos actos tácitos e a consagração do deferimento tácito nos procedimentos em matéria de ambiente

No nosso Direito Administrativo a regra geral, relativamente aos efeitos do silêncio, é a do indeferimento tácito, só havendo actos tácitos positivos nos casos expressamente previstos por lei. Esses casos são, essencialmente, os que a doutrina designa de autorizações permissivas ( situações em que o particular dispõe de um direito pré-existente à emissão da autorização, estando apenas o seu exercício condicionado por essa autorização). O artigo 108.º/3 do CPA traz uma exemplificação de matérias abrangidas.
Por outro lado existem as autorizações constitutivas de direitos ou autorizações-licença, em que uma norma legal retira aos particulares certos direitos ou o exercício de faculdades que se contêm nos seus direitos, admitindo-se, porém, que a Administração possa atribuir ao particular o direito que lhe retirou.

Quanto aos casos especialmente previstos de deferimento tácito só nos interessam os contidos em procedimentos em matéria de ambiente.
No procedimento de AIA, (como se observou, regulado no Decreto-Lei 69/2000), ele encontra-se no artigo 19.º/1. Assim, considera-se a DIA como favorável em caso da não comunicação da decisão à entidade licenciadora ou competente para a autorização, após o decurso do prazos aí previstos. Este deferimento tácito será analisado especialmente, mais à frente.
No mesmo diploma ainda se encontram duas normas semelhantes a esta, na medida em que atribuem à falta de decisão após o decurso de um prazo, um efeito favorável à pretensão do particular. As normas são o artigo 11.º/8 e 28.º/7. Quanto ao primeiro, ele diz respeito à proposta ( do particular) de definição do âmbito do EIA, e, assim, na ausência de deliberação no prazo do n.º7 do mesmo artigo, considera-se essa ausência como favorável à proposta apresentada. Como salienta Figueiredo Dias , não se trata aqui propriamente de um deferimento tácito. Também afirma que, uma vez que esta é uma fase facultativa, a consagração desta solução parece razoável. Já o 28.º/7 é merecedor de críticas. Mas, isso resultará da análise do 19.º/1, cujas observações valem para o 28.º/7. De qualquer das formas, convem dizer que este deferimento se situa na fase de pós-avaliação, e estabele que, não tendo havido decisão sobre a conformidade de um projecto de execução com a DIA, no prazo de 50 dias, contados a partir da recepção pela autoridade de AIA da documentação, considera-se que o projecto é conforme.
Em relação ao pedido de dispensa de procedimento de AIA ( artigo 3.º) já vigora a regra do indeferimento tácito ( n.º11).

No regime da prevenção e controlo intergrados da poluição ( Decreto-Lei 173/2008), no procedimento de licença ambiental também se prevê o deferimento tácito, no artigo 17.º. Este deferimento não corresponde ao modelo típico e tradicional de deferimento. De facto, se se atentar na 2ª parte do n.º1 do artigo 17.º, vê-se que, para além dos requisitos normais para se operar o deferimento ( 1ª parte), exige-se a não verificação das causas que podem levar ao indeferimento. Esta solução é estranha. Parece que vem acrescentar como pressuposto do deferimento tácito a legalidade. Já se viu que existe discussão relativamente a esta necessidade ou não de legalidade como pressuposto do deferimento. Parece que a maioria da doutrina não entende necessário este requisito. Defendem esta posição, nomeadamente, Mário Esteves de Oliveira, Pedro Gonçalves e João Miranda.
Maior problema, quanto a esta solução, resulta do facto de, em relação às alíneas d) a e) do n.º 6 do artigo 16.º do mesmo diploma, haver alguma margem de discricionaridade e apreciação da Administração, levando a que seja um exercício difícil ou quase impossível ( a não ser que haja indícios ou práticas comuns da Administração, como se pode saber que opção irão tomar?) determinar a sua verificação. Isto traz uma insegurança e incerteza altamente desaconselhável porque nem é boa para a Administração, nem para os particulares.
Outra perplexidade resultante deste deferimento tácito é a necessidade da APA emitir certidão comprovativa do decurso do prazo e do consequente deferimento tácito ( artigo 17.º/2). Quanto a isto são de salientar duas coisas. A primeira é verificar que provavelmente, a previsão desta comunicação teve em vista colmatar a incerteza e insegurança criadas pela situação consagrada no 17.º/1, 2ª parte. Segundo, parece-me estranho e não fazer sentido obrigar a Administração a actuar quando ela, por uma razão, ou por outra, não actuou. A licença ambiental é de extrema importância para efeitos de controlo e prevenção ecológica. Impõe-se à Administração um especial dever de agir. Se o orgão da Administração não agiu é porque não teve capacidade ou porque é irresponsável. Vir obrigar a Administração a agir, de modo a reconhecer que não agiu parece-me estranho. Mas, como se viu, em relação ao particular, esta certidão ainda cumpre algumas funções e representa alguma utilidade, nomeadamente para efeitos processuais, sendo que à passagem de certidões corresponde um processo urgente (104.º e seguintes do CPTA).

Relativamente ao Regime de Exercício da Actividade Industrial ( Decreto-Lei 209/2008), o deferimento tácito é logo anunciado no Preâmbulo desse diploma, falando-se num princípio geral do deferimento tácito. Ora, o princípio geral no nosso ordenamento, como se viu é precisamente o contrário, é o do indeferimento tácito.
Prosseguindo, verifica-se que o artigo 25.º/1 desse diploma considera tacitamente deferida a pretensão do particular ( de autorização de instalação de estabelecimento industrial), quando decorrido o prazo para a decisão, e não havendo nenhuma causa de indeferimento, a Administração não se tenha pronunciado. Novamente surge aqui o pressuposto da não verificação das causas de indeferimento. No entanto, pelo menos quanto a estas não se parecem colocar os problemas da sua determinação ( vejam-se as alíneas do n.º 4 do artigo 24.º). Neste deferimento há, tal como no caso do 17.º/2 do Decreto-Lei 173/2008 ( relativo à licença ambiental) , uma obrigação de passagem de certidão. Já se analisou esta questão.
No artigo 31.º, ainda do Decreto-Lei 209/2008, encontra-se também o deferimento tácito do pedido de obtenção de título para exercício de exploração de estabelecimento industrial. Este deferimento surge nos mesmos moldes do presente no artigo 25.º. No entanto, relativamente à questão das causas de indeferimento, encontramos agora, a alínea a) do n.º 6 do artigo 30.º, que é susceptível da mesma crítica feita às alíneas d) a f) do n.º 6 do artigo 16.º do Decreto-Lei 173/2008.
Curioso é que no deferimento previsto no artigo 38.º do mesmo diploma, (que, no geral, é semelhante aos outros), estabele-se uma situação diferente. Quando se menciona no n.º 1 do artigo 38.º, que não se podem verificar as causas de indeferimento, só se faz menção às alíneas b) e c) do n.º 4 do artigo 37.º. Estas alíneas b) e c) não envolvem a tal dificuldade de verificação ( porque não envolvem margem de apreciação da Administração), pelo que ficam sujeitas a este controlo, só se reconhecendo o deferimento ( tácito) se estas causas não se verificarem. Mas, na alínea a) do n.º4 do artigo 37.º prevê-se outra causa de indeferimento, que envolve já a tal dificuldade de verificação, na medida em que implica uma margem de apreciação do orgão da Administração ( veja-se a expressão: “ desde que tais desconformidades tenham relevo suficiente para a não permissão do início de exploração do estabelecimento industrial”).

Também nos artigos 21.º, 27.º e 35.º do Decreto-Lei 214/2008 se estabelecem soluções semelhantes, com algumas variações. Não se percebe o critério utilizado para estabelecer a diferença de tratamento dados aos casos em que há causas de indeferimento que envolvem um juízo de orgão aplicador. De facto, em alguns casos faz-se a excepção desses casos, noutros obriga-se a verificar a sua existência.

Relativamente aos procedimentos relacionados com os Projectos PIN + ( Decreto-Lei 285/2007), prevê-se no artigo 6.º/2 um indeferimento tácito, mas é um indeferimento limitado, na medida em que não afecta necessariamente a sua classificação como PIN, mas, unicamente como PIN + ( artigo 6.º/3).

Analisados alguns procedimentos, deve-se dizer que as soluções consagradas não parecem ser as melhores e estão todas ( ou quase todas) sujeitas à mesma crítica. Na medida em que sejam instrumentos de prevenção de danos ambientais, os procedimentos que consagram deferimentos tácitos não estão de acordo com esse mesmo princípio da prevenção ( artigo 3.º, a) da LBA, 66.º/2, a) da CRP e 174.º/2 do TCE). Por outro lado, também se consagram soluções que vêm limitar um pouco os efeitos reconhecidos ao acto tácito de deferimento.
A análise que se irá seguir servirá, em grande medida, para colmatar as lacunas das observações feitas a estes procedimentos.



Deferimento tácito no regime da AIA e a sua ( des) conformidade com o princípio da prevenção e com a teleologia do próprio procedimento

Prévia a toda a discussão que se irá seguir, está o reconhecimento da natureza jurídica de acto administrativo da decisão de AIA ( tanto das perspectivas orgância, competencial como material). É que, por vezes levantava-se a hipótese de a decisão de AIA ser considerada um parecer na perspectiva da entidade licenciadora. Há autores ( parece ser o caso de Pedro Gonçalves) que entendem que os pareceres vinculativos ( 98.º/1 do CPA) devem ser tidos como verdadeiros actos administrativos, para efeitos, nomeadamente, de contencioso administrativo. Isto tinha relevância porque, à partida, a questão do deferimento tácito só se aplica aos actos e não aos pareceres. Mas, parece consensual que estamos perante um verdadeiro acto administrativo.

O regime da Avaliação de Impacto Ambiental é um instrumento preventivo fundamental da política de ambiente e do ordenamento do território ( primeiro parágrafo do preâmbulo do Decreto-Lei 69/2000), visando promover o desenvolvimento sustentável e a gestão equilibrada dos recursos naturais, através da sujeição de projectos susceptíveis de produzirem efeitos significativos no ambiente ( artigo 1.º/1) a uma avaliação de alguma profundidade, que culmina com uma decisão de conformidade ( sujeita a condicões ou não) ou desconformidade ( 17.º/1), com carácter vinculativo ( parágrafo 4 do preâmbulo e artigo 20.º).

Este regime do deferimento tácito do 19.º/1 suscita muitas dúvidas e muita crítica. Vamos procurar expor algumas.
Conforme diz Figueiredo Dias é um paradoxo prever o deferimento em caso de silêncio da entidade competente para a DIA num regime em que a decisão negativa é sempre vinculativa.
Como vimos, este procedimento e a sujeição a ele deriva de necessidades de controlo, prevenção e antecipação ( basicamente corolários do princípio da prevenção) relativamente a projectos susceptíveis de lesar o meio-ambiente. A previsão do deferimento vem nas palavras de Figueiredo Dias, às quais se adere, subverter por completo a intencionalidade e teleologia do regime legal. Há uma contradição profunda entre a função e razão de ser do procedimento com esta concreta solução.

Relembrando a distinção que se fez entre as autorizações permissivas e autorizações-licença, deve-se enquadrar estes casos na segunda categoria, não devendo considerar-se que o proponente goza de algum direito antes de iniciado o procedimento. De facto, a obrigação de sujeição a AIA representa uma restrição intensa aos direitos de construção e iniciativa económica ( Figueiredo Dias). Assim, de acordo com as regras gerais dos artigos 108.º e 109.º do CPA, estes casos deviam dar origem a um indeferimento tácito e não ao deferimento.

Figueiredo Dias observa ainda que os prazos globais para a decisão podem, em concreto, e face à complexidade de algumas questões, revelar-se insuficientes, o que pode levar a que a Administração, ( face esta necessidade de cumprir os prazos, de forma a não se dar o deferimento tácito), tenha uma “actuação mais célere do que ponderada”.
Assim, conclui-se que esta consagração do deferimento tácito é contrária à regral geral dos efeitos do silêncio, e que ao contrário de outros procedimentos em que poderia haver justificação para a sua consagração, aqui passa-se precisamente o contrário. O princípio da prevenção ( ou da prevenção e precaução, para quem faça a distinção), impõe a realização da AIA e não admite decisões tácitas, que no fundo não são decisões, mas meras ficções.

Os efeitos ( gravosos) do deferimento tácito parecem ser atenuados pelo disposto no artigo 19.º/5. De acordo com este artigo, a decisão ( final) da entidade competente para o licenciamento ou autorização, na sua fundamentação tem em consideração o EIA e os elementos constantes do artigo 17.º/1 ( todos do Decreto-Lei 69/2000). Vasco Pereira da Silva defende uma interpretação conforme à Constituição, que implica que, nos casos em que não há posteriormente a sujeição a licença ambiental, ( não havendo assim uma ponderação dos factores ambientais), o deferimento tácito venha a permitir a decisão da entidade licenciadora, não condicionando o seu conteúdo, e obrigando à ponderação efectiva dos valores e interesses ecológicos. Isto, sob pena de nulidade, recorrendo este Professor ao artigo 20.º/3 do Decreto-Lei 69/2000.
O problema é que, em muitas situações, o orgão licenciador não tem habilitações técnicas para, com competência e qualidade, proceder a essa avaliação. As entidades de AIA é que são especializadas nesta matéria e possuem habilitações para tal.
O que revela é o facto do deferimento tácito não afastar por completo as considerações produzidas no procedimento de AIA, ainda que insuficientes.



O deferimento tácito em procedimento de AIA e a sua ( des) conformidade com o Direito e Jurisprudência Comunitária

Pode-se começar por lembrar que o Direito Comunitário também consagra o princípio da prevenção em matéria de ambiente ( artigo 174.º/2 TCE), e, assim, valem aqui as ideias formuladas a propósito da análise feita no ponto anterior deste texto. Lembre-se ainda que é este princípio que está na base da criação do regime de AIA.

O Decreto-Lei 69/2000 foi elaborado de modo a efectuar a transposição da uma Directiva Comunitária ( Directiva 85/337/CEE, alterada mais recentemente pela Directiva 2003/35/CE). Essa Directiva impunha aos Estados a necessidade tomarem as “disposições necessárias para que, antes de concedida a aprovação, os projectos que possam ter um impacto significativo no ambiente, nomeadamente pela sua natureza, dimensões ou localização, sejam submetidos à avaliação dos seus efeitos”( artigo 2.º/1).

A previsão de mecanismos como deferimentos tácitos ( ou instrumentos análogos) foi discutida pelos Tribunais Comunitários e há já uma jurisprudência, minimamente consolidada, que entende que esta previsão é incompatível com as exigências desta e de outras directivas semelhantes.
O Acordão do Tribunal de Justiça da Comunidade Europeia ( TJCE) de 14/06/2001, ( processo C-230/00) é um exemplo importante desta jurisprudência.
Neste caso havia uma acção de incumprimento da transposição de directivas ( em matéria de ambiente, incluindo a directiva relativa a AIA) por parte do Reino da Bélgica.
Entendia a Comissão que, apesar de cumprida a obrigação ( constante do artigo 2.º da Directiva 85/337/CEE) de imposição de sujeição a autorização em geral, algumas normas das Regiões da Flandres e da Valónia tinham um sistema de concessão tácita de autorizações. De facto, segundo parece, estas Regiões tinham normas que estabeleciam que em primeira instância o silêncio da Administração valia como recusa tácita, mas, em segunda instância ( recurso), ao silêncio, depois de decorrido o prazo legal para a decisão, correspondia uma autorização tácita.
As autoridades belgas alegavam que o campo de aplicação destas normas era muito limitado, sendo reduzido o número de autorizações tácitas e que os orgãos da Administração tinham plena consciência dos efeitos da autorização tácita, agindo como tal de forma o mais diligente possível. Argumentavam ainda que a autorização tácita não implicava uma negligência da autoridade competente, uma vez que o pedido de autorização dava lugar a uma avaliação circunstanciada.
O TJCE não cedeu as estes argumentos e invocou as interpretações feitas por jurisprudência anterior semelhante ( Acordão de 28/02/1991, processo C-360/87; Acordão Linster de 19/09/2000, processo C-287/98, entre outros), nos termos das quais entende que o mecanismo de autorização tácita é incompatível com as disposições das directivas em questão ( incluindo, repita-se, a Directiva 85/337/CEE).

Comparando o caso belga ao caso português percebemos que, provavelmente, estaremos sujeitos a uma acção de incumprimento.
O nosso caso até parece ser mais grave do que o belga, uma vez que naquelas Regiões da Bélgica, o deferimento tácito só ocorria em segunda instância, enquanto que em Portugal ele ocorre logo no início. E se é certo que o indeferimento tácito na primeira instância também não é desejável ( a jurisprudência comunitária parece ser contra actos tácitos positivos ou negativos nesta matéria), não deixa de ser menos grave do que o deferimento, dada a função do procedimento e o próprio princípio da prevenção.


Conclusões


Como se viu existem duas grandes razões que me levam a concluir pela não admissibilidade da previsão do deferimento tácito no procedimento de AIA ( e em geral, tendo em conta as especialidades existentes, a outros procedimentos de licenciamento ou semelhantes). As razões, no entanto, podem reduzir-se a uma, que é o princípio da prevenção, na medida em que é neste princípio que estão baseadas as soluções tomadas pelo Direito Comunitário, e por arrasto, pelo legislador português.
Assim, a previsão deste deferimento é contrária à própria lógica do procedimento em que se insere, sendo contrário, no fundo, à eficaz protecção do ambiente ( na sua vertente preventiva).





Bibliografia:
- “ Verde Cor de Direito- Lições de Direito do Ambiente”- Vasco Pereira da Silva
- “ O deferimento tácito dos actos de licenciamento urbanístico e a intimação judicial para emissão de alvará de licença de construção : comentário ao acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, 1ª secção, de 27 de Fevereiro de 1997”- João Pedro Oliveira Miranda

- “ O deferimento tácito : esboço do regime jurídico do acto tácito positivo na sequência de pedido do particular” - João Tiago Valente Almeida da Silveira

- “ Regime jurídico da avaliação de impacte ambiental em Portugal = Environmental impact assessment law in Portugal” - com. José Eduardo Figueiredo Dias, Maria Alexandra de Sousa Aragão, Maria Ana Barradas Toledo Rolla