quarta-feira, 20 de maio de 2009

Dano ambiental e dano ecológico : conceitos desavindos?

O dano ambiental e o dano ecológico não se confundem nem são conceitos desavindos. O dano ecológico é o dano à Natureza , ao Ambiente propriamente dito; o dano ambiental é a repercussão na minha esfera patrimonial de uma lesão ao ambiente . O dano causado directamente ao ambiente ( dano ecológico ) não se confunde assim com o dano causado a pessoas ou bens através do ambiente ( dano ambiental ). Outra questão é saber quando é que o dano ecológico e ambiental pode ser objectivamente imputado ao agente . A distinção, no âmbito dos danos ambientais lato sensu , entre « dano ecológico » e « dano ambiental » é, hoje, corrente . Falamos em « danos ecológicos » ( ou « danos puramente ecológicos » ) para referir as lesões causadas em bens ambientais naturais , ou seja , lesões no ambiente enquanto bem jurídico ; já a expressão « dano ambiental » fica reservada para os danos sofridos na esfera juridica de um sujeito , i. e. , danos provocados a pessoas ou bens através do ambiente. Os problemas que estes dois tipos de danos colocam ao nível do pressuposto do nexo de causalidade são substancialmente equivalentes . De referir , no entanto , que dúvidas não se colocam quanto à ressarcibilidade do dano ecológico através do instituto da responsabilidade civil ; é verdade que certa doutrina tem defendido que nos danos ecológicos não seria possível recorrer aos mecanismos da responsabilidade individual , uma vez que estando em causa o interesse global da defesa do ambiente só o Direito público poderia intervir ( Luís Menezes Leitão , «A tutela civil do ambiente» , RDAOT, nºs 4 e 5, Dezembro 1999, pp. 31-41, em especial p. 35, em sentido crítico ) . Todavia trata-se de entendiemnto infundado . Preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil, ela poderá ser efecticada com vista à reparação do dano ecológico, não através da legitimidade individual é certo mas da legitimidade popular ( singular ou associativa ) que a Constituição e a Lei conferem aos cidadãos e suas associações .
Uma via possível , na análise do dano ao ambiente , parece consistir na prévia delimitação do conceito de objecto do dano : do quid que o dano afecta , «que dá ao mesmo relevânia juídica»( Castro Mendes ) .
A escolha de tal caminho parece impor-se porque em boa medida a justificação axiológica do dano ambiental , e a consequente compreensão do seu regime jurídico, pressupõe uma concepção sobre o seu objecto .
Por outro lado só em função do bem jurídico protegido , da sua estrutura e especificidade se pode determinar - através de uma situação de responsabilidade ( Haftungsatbestand ) - quando , por quem e sob que pressupostos os prejuízos a tal bem devem ser reparados e qual o princípio que deve presisir à sua imputação.
Todavia quando surgiu o problema do dano ambiental , entre os dois polos - ambiente agredido e ambiente agressor de bens e interesses individuais ( ex: danos causados à saúde pela poluição ) - foi seguramente o segundo que constituiu o centro da problemática de que nos ocupamos .
Compreende-se , assim , que a expressão «dano ecológico» tenha sido primeiramente utilizada ( pelo menos na doutrina francesa ) para designar os prejuízos resultantes das lesões do ambiente que, pelo seu carácter indirecto, não seriam indemnizáveis ( Despax ) . E , depois , para qualificar os danos causados « aux personnes ou aux choses par le milieu dans lequel elles vivent »( Drago ) identificando-se , deste modo , o dano ecológico com o dano ambiental .
A par desta noção restritiva do dano ecológico - que reflectia essencialmente a ausência de protecção jurídica do ambiente - tende a desenhar-se , no âmbito da responsabilidade ex ante,uma noção mais abrangente que considera como prejuízo ambiental não só os danos causados pelo meio ambiente ao património e às pessoas , mas também os danos a alguns bens ambientais.Exemplo paradigmático deste tipo de formulação é a noção de «carga ambiental» ( Umweltbelastung ) prevista na recomendação da OCDE de 1977 : « a emissão directa ou indirecta de substâncias e energia pelo homem no ambiente , que origine consequências nocivas , como o perigo para a saúde do homem , a danificação dos recursos vivos ou dos sistemas ecológicos ou de bens materiais e a perturbação do bem estar , comodidades ou de qualquer outra forma de utilização legal da natureza » .
Contudo , no seguimento de uma progressiva protecção autónoma e imediata de bens ambientais ( ex : salubridade da água ) - que se veio a revelar diversa da protecção a bens de personalidade e a direitos patrimoniais - suscita-se ainda durante a década de 70 a necessidade de autonomizar os prejuízos causados ao próprio meio ambiente dos prejuízos causados aos homens e às coisas através do Umwelt .
Procura-se então distinguir do conceito de danos ambientais ( Umweltschaden , environmental damage ) - enquanto danos causados pelo ambiente à saúde , aos bens imóveis e móveis ou ao património em geral - dos danos causados à Natureza em si ( schadem an der Natur als solcher ) ao património natural ( Naturhaushalt ) e aos fundamentos naturais da Vida . A esta realidade, que inicialmente não era mais do que um «conceito puramente teórico , desenvolvido como expressão do valor crescente de um ambiente salubre» e cujos contornos foram progressivamente delimitados nas respectivas estruturas de imputação , atribui-se - embora com sentidos não totalmente coincidentes - várias designações , como por exemplo : «dano ecológico puro» , « dano ecológico propriamente dito » , « damage to the environment per se », «danos causados ao meio ambiente», «danos no ambiente», «damage to the environment » , «natural resource damage» , «dano ecológico» , «ecological damage» , «okologischer schaden» , «danno ecologico» , «dommage ecologique» , «afectações do património natural» e «beeintrachtigung des naturhaushalt» . O dano ecológico trata-se de uma realidade juídica nova e indeterminada , em relação à qual não existe ainda uma « ideia clara » juridicamente operativa que permita compreender a imputação de tais danos .
Um primeiro critério de delimitação possível tende a eleger o objecto material do dano - o ambiente enquanto conjunto dos recursos bióticos ( seres vivos ) e abióticos ( por exemplo : ar , água ,terra ) e a sua interacção - como critério orientador . Deste modo , o dano ecológico seria a alteração causada pelo homem das qualidades físicas , químicas ou biológicas dos elementos constitutivos do ambiente ou das relações recíprocas entre eles . Neste contexto tende-se , por exemplo , a considerar como danos ecológicos a perturbação global ( ex: a diminuição da camada de ozono , o aumento do teor de CO2 na atmosfera ) regional ( ex: as chuvas ácidas ) ou local ( ex: os problemas ambientais ocasionados pelo derrame de um petroleiro ) do funcionamento dos ecossitemas assim como a perda do património genético - que se efectua através da extinção de espécies , de subespécies ou de genótipos ou ainda da redução da variabilidade intraespecífica das espécies . A ideia essencial é , assim , a identificação do dano ecológico como perturbação física dos componentes ambientais e da estrutura das suas inter-relações - realidade que se vem a designar , como património natural ou Natureza . A exigência de perturbação física do património natural como um dos elementos característicos do dano ecológico é um aspecto fundamental para a compreensão do regime jurídico do dano ecológico . Deve contudo notar-seque nesta perspectiva o objecto do dano é considerado não como um bem jurídico mas sim como uma realidade empírica - um bem da vida ( Lebensgut ) ou uma situação favorável que é alterada ou diminuida . Trata-se por isso de uma ñoção natural ( Menezes Cordeiro ) . Ora como sabemos o dano jurídico apesar de ter na sua génese uma ideia naturalística deriva de uma valoração operada pelo Direito. Consiste , essencialmente , numa perturbação de bens juridicamente protegidos; as suas relevância jurídica e justificação axiológica radicam , em última análise , na protecção que o Direito concede a um conjunto de bens em razão dos fins que permitem atingir . Por isso a consideração do ambiente enquanto realidade empírica - independentemente da sua consideração jurídica - não permite , só por si , distinguir os danos ambientais dos danos causados no ambiente e identificar os danos ecológicos ressarcíveis . Um outro tipo de critério operativo possível consistiria em definir o dano ambiental pela negativa . Nesta perspectiva ( sugerida por parte da doutrina e incorporada em algumas estruturas de imputação ) não se ultrapassa definitivamente a compreensão do dano ecológico como um dano a uma realidade empírica - a Natureza - mas complementa-se tal visão através da introdução de uma delimitação negativa. Uma expressão desta tendência é a compreensão dos danos ecológicos como os danos causados à Natureza que não se traduzem em danso causados às pessoas ou aos bens . Exemplo paradigmático desta visão é a noção proposta pela doutrina francesa por Caballero para quem o dano ecológico seria «tout dommage causé directement au milieu pris en tant que tel independammnet de ses repercussions sur les personnes et sur les biens » . A introdução da delimitação negativa serve genericamente para diferenciar os danos ecológicos dos danos individuais tradicionais , pode ter funções específicas e alterar-se consoante a ordem jurídica a que respeita . Assim , por exemplo , no direito alemão , para delimitar o direito do proprietário à restauração natural dos bens naturais afectados , tende-se a definir o dano ecológico como a perturbação das partes do património natural não apropriáveis nem susceptíveis de avaliação patrimonial que se encontrem na propriedade de um particular . Este tipo de construção encontra-se também em algumas estruturas de imputação de danos ecológicos como por exemplo no projecto de Directiva do Conselho da CEE relativa à responsabilidade dos produtores de residuos, onde se distingue claramente o dano em geral dos prejuízos causados ao meio ambiente . O primeiro termo designa apenas os danos causados por morte ou ofensas corporais e os danos a bens ; por seu lado a lesão ao ambiente é definida como o prejuízo importante e persistente ao ambiente provocado por uma alteração das condições físicas , químicas ou biológicas, da água, do solo ou do ar, desde que não seja considerado dano » .
Trata-se também da solução prevista na Convenção de Lugano onde se definem os danos ressarcíveis como todas as perdas e danos resultantes de uma alteração do ambiente na medida em que não sejam considerados danos às pessoas ou aos bens ( nº7 do artigo 2 º ).
Este tipo de critérios, todavia, não permite a identificação do bem jurídico protegido , pelo que não possibilita a determinação do dano jurídico .
Na verdade os critérios negativos só permitem saber o que não é o dano ecológico e não o que é o dano ecológico .
Parece assim quase evidente que a concretização das normas de imputação de danos que recorram na definição da situação de responsabilidade ( Haftungsatbestand ) a cláusulas gerais ( como, por exemplo , a regra prevista no citado nº7 do artigo 2º da Convenção de Lugano , no artigo 42 º da LBA ou no artigo 48º do DL 74/90, de 7 de Março ) pressupõe o recurso a um critério normativo de dano ecológico ou a uma delimitação do bem jurídico protegido. Por outro lado mesmo no que respeita às previsões típicas - como por exemplo o artigo 48º da LBA - a compreensão do regime jurídico das estruturas de imputação ( i. e., a determinação do alcance da sua previsão e da sua estatuição ) decorre, em boa medida, da justificação axiológica do dano ambiental, pelo que pressupõe uma concepção sobre o seu objecto .


A equivocidade da distinção entre danos ambientais e danos ecológicos refere-se ao facto de que umas vezes se elege o objecto do dano em critério orientador , falando-se de dano ecológico quando existe uma agressão aos bens naturais ( água , terra , luz , clima ) bem como às relações recíprocas entre eles . Agressão ecológico-ambiental seria , neste contexto , a alteração causada por actividades humanas das qualidades físicas , químicas ou biológicas dos elementos constitutivos do ambiente . Outras vezes compreende-se por danos ecológicos ou danos insusceptíveis de valor monetário e que por conseguinte não constituiriam lesões de valor patrimonial mas sim violação de interesses de protecção da natureza ( ex destruição de biótopos interrupção do ciclo de efeitos biológicos ) . A concepção mais corrente relativa à distinção entre danos ambientais e danos ecológicos para ser esta : a) os danos ambientais são os danos provocados a bens jurídicos concretos através de emissões particulares ou através de um conjunto de emissões emanadas de um conjunto de fontes emissoras ; b) os danos ecológicos são lesões intensas causadas ao sistema ecológico natural sem que tenham sido violados direitos individuais . Precisando de certa forma esta ideia de danos ecológicos alguns autores reconduzem-nos: 1) aos danos sem lesados individuais ; 2) aos danos acumulados ou produzidos por fontes longínquas ; 3) aos danos sem causador individualmente determinado . É opinião quase unanime aquela que considera os danos ecológicos como insusceptíveis de indemnização segundo os mecansimos da responsabilidade individual . Com efeito no caso de danos ecológicos não existiria qualquer esquema de lesante/lesado , mas tão somente o interesse global de defesa do ambiente . O completo esclarecimento do problema dos danos ecológicos passa pelo problema da ordenação jurídica dos bens da natureza .