domingo, 24 de maio de 2009

15ª tarefa - Das exigências de fundamentação da não sujeição a AIA

O acordão Mellor oferece vários argumentos discutíveis naquilo que concerne à necessidade de fundamentação da AIA. Poderíamos atacá-los e comprometer a sua posição através da dialéctica jurídica. Poderíamos perguntar-nos se tal doutrina seria admissível à luz dos princípios comunitários e dos objectivos presentes na legislação ambiental europeia. Preferiremos, no entanto, outra abordagem, e outra pergunta: que efeitos terá esta decisão na ordem jurídica interna portuguesa, e o que mudou na interpretação da lei desde esta leitura do TJCE? A resposta é... nada.
Com efeito, a vinculação ao Tratado, com maior ou menor aspiração constitucional, é juridicamente consensual. A eficácia e primazia do Direito Comunitário primário e secundário, mediato e imediato, é indiscutível. Mas este Direito apresenta algumas características fundamentais que comprometem a sua relevância neste caso. É um Direito de intervenção mínima, e um Direito subsidiário, apesar de imperativo - o que significa que as normas comunitárias exigem um patamar de protecção mínima de certos direitos, mas que não impedem os Estados-Membros de dispensar mais extensiva protecção, desde que isso não prejudique as posições jurídicas activas do resto da Comunidade.
A UE não é a única vinculação do Povo e do Estado Português. Estão vinculados também à sua Constituição, o contrato celebrado entre ambos, e à sua lei, enquanto manifestação da vontade popular no estabelecimento de limites concretos de actuação do Poder. Tanto a Constituição como a Lei tratam a fundamentação dos actos administrativos com grande dignidade. A Constituição dedica-lhe o nº 3 do 268º, que fá-la obrigatória para todos os actos administrativos desfavoráveis (que a dispensa de AIA, enquanto acto preparatório para uma lesão simplificada de um valor ambiental, é por excelência). A lei, no seu artigo 3º1, exige "circunstâncias excepcionais e devidamente fundamentadas" para que a AIA seja dispensada. Não nos resta senão concluir que a bitola de protecção dispensada aos direitos dos particulares que foi imposta pela UE é manifestamente insuficiente face às vinculações internas do Direito Português.
É muito defensável que a falta de fundamentação seja mais do que um vício de forma. O acto em causa é, aliás, não apenas uma forma de informar o particular, mas uma importante ferramenta contra o arbítrio da Administração, que perante o dever de fundamentar é obrigada a repensar o acto e a forma de o adequar às expectativas legais. Tanto que o Professor Marcelo Rebelo de Sousa integra-a, na teoria clássica dos vícios do acto administrativo, no conteúdo enquanto elemento objectivo do acto, já que a vê como necessária para a inteligibilidade e legalidade concreta de todos os actos lesivos. Não faltam autores que vêem no 268º3 CRP um direito fundamental dos particulares, com as consequências que se conhecem para os actos violadores de direitos fundamentais.
A doutrina do TJCE vê na fundamentação uma formalidade, desnecessária perante o desinteresse dos particulares na impugnação do acto, razão porque lhes delega o ónus de a provocar. O Direito Português, enquanto bloco normativo, entende-a como uma informação privilegiada do processo de decisão e como último reduto contra algum eventual despotismo dos orgãos da Administração. Não vendo como pode esta fundamentação prejudicar qualquer cidadão ou Estado-Membro da UE em termos relativos, nada nos resta senão concluir que o acordão é absolutamente irrelevante para o entendimento da dispensa de AIA - a falta de fundamentação gera um vício administrativo que torna no mínimo anulável o acto já referido, e o caso não fornece, sequer, margem ao legislador para consagrar solução semelhante à preconizada pelo juíz comunitário na lei, dada a consagração constitucional desta protecção devida pelo Estado aos particulares.