sexta-feira, 22 de maio de 2009

3.ª Tarefa - Princípio (Autónomo) da Precaução

«Em minha opinião, preferível à separação entre prevenção e precaução como princípios distintos e autónomos é a construção de uma noção ampla de prevenção, adequada a resolver os problemas com que se defronta o jurista do ambiente».

Vasco Pereira da Silva, Verde Cor de Direito, Almedina, 2005, p. 67.


O PRINCIPIO (AUTÓNOMO) DA PRECAUÇÃO

A doutrina alemã, caracteriza o Direito do Ambiente mediante três princípios fundamentais: o princípio da prevenção (vorsorge prinzip), o princípio do poluidor-pagador ou princípio da responsabilização (verursacher prinzip) e o princípio da cooperação ou da participação (koopegrotions prinzip). O principio da Prevenção erige-se perante quase todas os preceitos constitucionais do ambiente, porém existe uma consagração expressa: a do art. 66º/2 CRP.
Para grande parte da doutrina, no principio da prevenção vem-se desenvolvendo, autonomamente, um Principio da Precaução que encontra norma expressa nos tratados constitutivos da UE: art. 174º/2. Vejamos: nas duas espécies de princípios encontra-se o elemento risco, mas sob configurações diversas. O princípio da prevenção refere-se ao perigo concreto, enquanto o da precaução refere-se ao perigo abstracto. No princípio da precaução, é o perigo potencial que se quer prevenir. No da prevenção, o perigo deixa de ser potencial, já é certo, na medida em que há elementos seguros para afirmar ser a actividade efectivamente perigosa. Assim, na prevenção, a configuração do risco transmuta-se para abandonar a qualidade de risco de perigo, para assumir a do risco de produção dos efeitos compreensivelmente perigosos. O princípio da prevenção é uma conduta racional perante um mal que a ciência pode objectivar, que se move dentro das certezas da ciência. A precaução, pelo contrário, enfrenta a outra natureza da incerteza: a incerteza dos saberes científicos em si mesmo. Em caso de certeza do dano ambiental, esclarece Paulo Affonso Leme Machado, este deve ser prevenido, como preconiza o princípio da prevenção. Em caso de dúvida ou incerteza, também se deve agir prevenindo. Essa é a grande inovação do princípio da precaução. A dúvida científica, expressa com argumentos razoáveis não dispensa a prevenção. No que concerne à incerteza científica do dano ambiental, Paulo Machado assevera que a precaução "age no presente para não se ter que chorar e lastimar no futuro".

Embora alguns autores ainda sustentem que não há diferença entre os princípios, o facto é que esta existe, embora haja pontos em comum entre eles. A crítica reiterada desses mesmos autores é a de que o princípio da precaução limita-se a uma moratória indeterminada no tempo, visando impedir a realização de um projecto ou a inserção de determinado produto no mercado. Afirmam que precaução é inacção, sustentando que a aplicação do princípio contraria a ideia de progresso, limitando ou mesmo travando a investigação científica. Tal visão é, totalmente insensata e conivente com os interesses daqueles que pensam que possuem um“direito de poluir”, ou seja, um direito fictício de poder desenvolver toda e qualquer actividade ou produto, inserindo-os no mercado, sem as cautelas necessárias, pouco importando se as consequências dessa atitude causarão futuros danos ao meio ambiente e, consequentemente, às gerações futuras (o que certamente ocorrerá), em troca do lucro imediato.

Para nós (também), a precaução não deve estar presente para impedir o prejuízo ambiental, mesmo incerto, que possa resultar das acções ou omissões humanas, como deve actuar para prevenção oportuna desse prejuízo. Evita-se o dano ambiental, portanto, através da prevenção no tempo certo. A aplicação de medidas ambientais diante da incerteza científica de um dano ao meio ambiente, prevenindo-se um risco incerto, representa um avanço significativo no que se refere à efectivação do princípio da precaução, que está necessariamente associado à protecção ambiental. Reconhece-se, dessa forma, a substituição do critério da certeza pelo critério da probabilidade, ou seja, a ausência da certeza científica absoluta no que se refere à ocorrência de um dano ambiental não pode ser vista como um empecilho para a aplicação das medidas ambientais. Assim, o princípio da precaução impõe que, mesmo diante da incerteza científica, medidas devem ser adoptadas para evitar a degradação ambiental. Aliás, o Estudo de Impacto Ambiental, tem um carácter eminentemente preventivo de danos ambientais. Neste ponto, materializa o princípio da precaução. Cuida-se de instrumento essencial de aplicação prática do princípio da precaução. Conforme diz Álvaro Luiz Valery Mirra: "...deve-se priorizar atitudes prudentes em relação aos efeitos nocivos de actividades potencialmente degradadoras, em atenção à evidência, hoje incontestável, de que os prejuízos ambientais são, frequentemente, de difícil, custosa e incerta reparação".

A Convenção da Diversidade Biológica e a Convenção Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima, assinadas, ratificadas e promulgadas por vários estados, abrigaram o princípio da precaução. Ambas as convenções estabelecem que o princípio da precaução deve objectivar a redução dos danos ambientais, prescindindo que seja demonstrada a certeza científica à efectividade do dano. No mesmo sentido vão a Convenção de Paris para a Protecção do Meio Marinho do Atlântico Nordeste (1992), bem como a Segunda Conferência Internacional do Mar Morto. As instituições da Comunidade Europeia, levando a sério a prossecução da política ambiental comunitária, tomaram a dianteira do processo de elaboração de um quadro normativo de regulação da prevenção e reparação do dano ecológico através da Directiva 2004/35/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de Abril. Esta directiva, cujo prazo de transposição expirou em Abril de 2007, foi agora transposta através do DL 147/2008, de 29 de Julho. O diploma dá um passo no sentido da autonomização do dano ecológico mas esquece o estabelecimento da regra da inversão do ónus da prova. O princípio da precaução levanta a urgência do estabelecimento de regras de inversão do ónus da prova em favor do meio ambiente. A incerteza científica milita em favor do meio ambiente, carregando-se ao interessado o ónus de provar que as intervenções pretendidas não trarão consequências indesejadas ao meio considerado. Isso implica dizer que o provável autor do dano precisa demonstrar que sua actividade não ocasionará dano ao meio ambiente, dispensando-o de implementar as mediadas de prevenção. A inversão do ónus da prova permite ao aplicador da lei superar obstáculos que surgem para a formação de sua convicção. Assim, ao se certificar da existência do facto imputado, potencialmente causador de dano ambiental, o juiz não estará obrigado a condicionar o acolhimento do pedido de reparação à comprovação do dano e do meio de causalidade como usualmente ocorre. Por tudo isto, não se percebe como a Comunidade não enveredou pela objectivação da responsabilidade civil em termos ambientais, assim como fez, por exemplo, o Brasil (art. 14º da Lei de Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 9391/81), decorrendo do art. 225, § 3o da Constituição Federal).

Dizendo tudo isto, e sintetizando que:

"No princípio da prevenção previne-se porque se sabe quais as consequências de se iniciar determinado ato, prosseguir com ele ou suprimi-lo. O nexo causal é cientificamente comprovado, é certo, decorre muitas vezes até da lógica. Já no princípio da precaução previne-se porque não se pode saber quais as consequências que determinado acto, ou empreendimento, ou aplicação científica causarão ao meio ambiente no espaço e/ou no tempo, quais os reflexos ou consequências. Há incerteza científica não dirimida. A precaução exige que sejam tomadas, por parte do Estado como também por parte da sociedade em geral, medidas ambientais que, num primeiro momento, impeçam o início da ocorrência de actividades potencialmente e/ou lesivas ao meio ambiente".

Enveredamos pela autonomização do Principio da Precaução defendida pelo nosso regente, Prof. Vasco P. Silva.


Rogério Azevedo, n.º 15193, subturma 12




BIBLIOGRAFIA:

Amoy, Rodrigo de Almeida - PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO E ESTUDO DE IMPACTO AMBIENTAL

GOMES, Carla Amado - A Responsabilidade Civil por Dano Ecológico - Reflexões preliminares sobre o novo regime instituído pelo DL 147/2008, de 29 de Julho.

MACHADO, Paulo Afonso Leme - Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2001

SILVA , Vasco Pereira da - Verde Cor de Direito. Lisboa: Almedina, 2002