sexta-feira, 22 de maio de 2009

Humanos Direitos para os Animais?

1. Introdução: Eterno conflito de “Direitos”.

 

Nos últimos anos tem sido longamente discutida e problematizada a questão dos direitos e posicionamento dos animais no mundo actual. O conflito entre o Homem e os animais vai continuar eternamente pois tanto uns como outros tem um histórico direito à natureza, direito esse independente entre si.

Após a primeira análise que efectuei percebi que as divergências na discussão se situam entre dois pólos distintos: (1) o da utilização dos animais para investigação e testes científicos que visam a melhoria da qualidade e esperança de vida do Homem, e (2) o do uso dos animais para actividades de cariz lúdico e de entretenimento, bem como para fins decorativos ou meramente estéticos.

Parece-me que estes dois pólos merecem diferentes tutelas e previsões legais.

Desenvolverei ao longo dos próximos pontos um caminho de informação, para proporcionar justa reflexão crítica a quem o lê e igualmente para fundamentar a opinião que emitirei no fim sob a forma de conclusão.

 

 

2. Estatuto jurídico: “Direitos dos animais”?

 

Os animais não são sujeitos de direito nem titulares de relações jurídicas, no entanto podemos falar em “deveres do Homem para com os animais” sendo este o sentido jurídico da expressão “direitos dos animais”. Juridicamente os animais são coisas móveis (ANTÓNIO PEREIRA DA COSTA). Existem normas dirigidas ao seu interesse, no entanto estas não visam estabelecer regras de relacionamento entre homens e animais ou conferir a estes qualquer direito subjectivo. O interesse previsto na lei é o “bom costume ofendido pelas sevícias inúteis ou a utilidade que eles podem representar para a sociedade” (GROPPALI), ou ainda normas “ordenadas para fins sociais” (JOSÉ TAVARES) e as vantagens que delas advêm para os animais são meros reflexos e efeitos secundários da tutela jurídica de que indirectamente beneficiam.

Diversos diplomas consagram a favor dos animais os tais “deveres do Homem” para com eles. Entre estes direitos temos o direito à vida ou à existência, direito à integridade física e psíquica, direito à saúde e ao bem estar, direito à liberdade, direito ao respeito, etc.

 

 

3. Coisificação ou Personificação.

 

No que diz respeito a esta questão, até ao século XIX a sociedade achava que não tinha qualquer obrigação moral para com os animais. Imperava a teoria de DESCARTES segundo a qual estes não tinham consciência uma vez que não possuíam alma, a qual Deus apenas havia atribuído aos humanos. Os animais eram então vistos literalmente como objectos, sendo equiparados a relógios ou pedras.

Até aos nossos dias registou-se uma evolução. GARY FRANCIONE diz que actualmente já “são reconhecidos direitos morais aos animais, porém estes ainda são tratados pelos sistemas legais como propriedades e utilizados pelos humanos como recursos”, o que nos parece totalmente acertado. Diremos assim, com este autor, que estamos num estado intermédio entre a coisificação e a personificação, com maior pendor da primeira.

Este é um retrato da realidade, obviamente desligado do debate entre especistas e aqueles que pretendem instaurar a pura igualdade entre os contendores.

 

 

4. A utilização dos animais: Diagnóstico e análise critica.

 

4.1. Espectáculos públicos

Assistimos diariamente nos media em geral, reproduzindo actividades de lugares específicos, a tristes e degradantes espectáculos envolvendo a exploração e maus tratos de animais inocentes e indefesos, para puro entretenimento e satisfação dos maus degradantes instintos e interesses que o ser humano conhece. Demonstram-se sentimentos primários e infra-humanos. A população rejubila com espectáculos onde impera a violência e em que a integridade física e moral dos animais é devassada a título completamente gratuito.

É disto feita a “bestialidade de muitas mentes, que aceitam (...) os mais ediondos e cruéis espectáculos e jogos com animais.” (ANTÓNIO PEREIRA DA COSTA).

Já ALAN RENAUT evoca argumentos humanistas dizendo que “uma vez que o touro representa a força bruta, uma vez que encarna tudo o que não é humano, a tourada simboliza o combate do homem com a natureza”. Esqueceu-se ALAN RENAUT que não é combate do homem contra o touro, mas sim o combate do homem contra um animal ao qual colocam uma pomada nos olhos visando entorpecer a sua visão, à qual cortam os chifres sem anestesia e que ainda suporta as bandarilhas e demais ferros que lhe são introduzidas na carne. Para alem disto é o combate não de um homem contra a dita natureza, mas de vários homens e de cavalos. Uma imensa cobardia sob a mascarada de tradição.

Se a utilização dos animais deve estar sujeita a restrições, é em especial neste campo que elas se justificam, nesta vertente torpe, degradante e cruel da sua exploração.

Não compreendo por isso como pode existir no ordenamento jurídico actual um diploma legal (Lei n.º 19/2002) que, à luz de tradições e hábitos longamente instituídos, justifica e permite espectáculos onde animais são torturados e mortos.

A mente e as tradições humanas conheceram ao longo do tempo constantes evoluções, geralmente avanços. Perece-me que o estado civilizacional a que chegámos, justifica o fim da tutela de instintos antes próprios de outros estádios de evolução do ser humano.

 

4.2. Fins científicos

Em termos de progresso científico é sobejamente conhecida a importância dos animais para investigação e experimentação.

É vital o seu papel e, em nossa opinião, é neste campo que se justificam as tais limitações aos seus direitos, ou deveres que temos perante eles. Justifico este meu entender pelo que está em jogo. Aqui o seu sacrifício não é feito por motivos torpes, fúteis ou de puro entretenimento, tem em vista o aumento da esperança de vida e da sua qualidade, sendo que, em última análise, os próprios animais disso beneficiam.

Entrados no campo do desenvolvimento da ciência e do conhecimento humano, colocando estes num prato da balança e os sacrifícios que são impostos aos animais do outro, parece-nos merecer melhor tutela o primeiro.

Infligir  No entanto esta utilização não deve ser desprovida de regras, daí que estejam fixados no ordenamento jurídico interno, Decreto-lei n.º 129/92, de 6 de Julho, que transpôs a Directiva Comunitária n.º 86/609/CEE, do Conselho, de 24 de Novembro, os Princípios da Legalidade, Necessidade e Proporcionalidade.

 

 

5. Conclusão

 

Por tudo o que supra expus, considero ser legítima e mesmo necessária a utilização de algumas espécies animais para o progresso científico, nomeadamente no que diz respeito à qualidade e esperança de vida do Homem.

Proteger um animal não significa a sua colocação em paridade com o Homem, ou defender que jamais em tempo algum deve ser sacrificado em caso de conflito directo com um interesse humano. Significa antes respeitar, na medida do possível, o Princípio da Necessidade.

Peca por utópico e pouco ajustado à realidade entre as duas espécies que se considere que animais e Homem têm os mesmos direitos e merecerem tutelas iguais perante a lei. No entanto esta visão não deve ser aplicada de forma desprovida de princípios. Ainda que a tutela não deva ser a mesma, parece um facto comprovado que os animais sofrem e sentem e que, ainda que juridicamente qualificados como coisas, não podem ser tratados de forma desligada da sensibilidade que possuem.

A sensibilidade animal é razão mais do que suficiente para que não haja da parte do Homem uma busca desenfreada da sua exploração, quando esta estiver relacionada apenas com interesses económicos. Nem trarei à colação a gratidão que lhes devemos pelo que nos proporcionam.

Defendo assim que, com base na diferenciação que expus, os animais possam ser utilizados em tudo aquilo que objectivamente implicar o progresso cientifico, considerando censurável e de evitar firmemente toda e qualquer prática que vise o puro divertimento e entretenimento à custa do medo, dor e sofrimentos infligidos aos animais. Esta situação não deriva de uma necessidade humana, sendo que para tal é inevitável que seja qualificada como injustificada, ou pelo menos desproporcionada quando comparamos o benefício com o sofrimentos infligido.

Temos o dever ético de quem tem consciência, de não abusar da utilização dos animais, evitando o divertimento e a mera vaidade que os tenham por objecto.