domingo, 24 de maio de 2009

Os contratos de adaptação Ambiental

Os contratos de adaptação Ambiental



I. Introdução
A partir da década de 90 surge uma nova forma do poder político tratar a questão do ambiente, nomeadamente através da contratualização da protecção ambiental. A actuação administrativa deixa de se limitar a uma mera acção de polícia ambiental e passa a intervir positivamente na promoção dos valores ambientais. Um dos reflexos desta alteração passa pela concertação e contratualização com os particulares onde encontramos os chamados contratos da adaptação ambiental. Este breve trabalho pretende enunciar as principais e características destes contratos, clarificar os traços mais importantes do seu regime e tentar enquadrar os contratos ambientais dentro dos princípios em que o nosso ordenamento jurídico estrutura o Direito ao Ambiente.

II. Enunciado da questão
Os contratos de adaptação são contratos celebrados entre a administração e as associações empresariais de alguns sectores onde operam indústrias poluentes segundo a definição do Dr. Mark kirkby. Estes contratos conferem às empresas um prazo determinado para se adaptarem às estipulações da lei em vigor, sem sofrerem as sanções legalmente previstas para a situação de incumprimento ambiental. Este tipo contratual surgiu em Portugal, 20 anos após as primeiras experiencias europeias, pela primeira vez em 1988 com a celebração de um contrato entre o governo e a indústria da pasta do papel. Mas só com a publicação do Dl. n.º74/90 de 7 de Maio é que foi legislativamente reconhecido, o que de certo modo demonstra que a criação destes contratos é sobretudo devida ao impulso da prática administrativa e não à iniciativa legislativa. Não obstante ter sido inicialmente pensado para combater a poluição aquática rapidamente surgiu como medida de combate a qualquer domínio da poluição. No entanto estes contratos não foram recebidos pacificamente, desde logo porque questionou-se até que ponto estes contratos asseguram a eficácia pretendia pelas leis, que aliás resultam de compromissos europeus pois provem de transposição de directivas. Também acresce o facto destes contractos serem de difícil compatibilização com os princípios da legalidade e da tutela procedimental dos administrados parecendo colidir com normas constitucionais relativas ao procedimento administrativo. Acrescente-se ainda que está se assim a utilizar um instrumento jurídico bilateral em oposição à multilariedade exigida, numa área que tem repercussões directas em terceiros, pois no que toca ao ambiente todos somos afectados, ou seja são afectados sujeitos para além das partes contratantes. Numa altura em que é aceite uma visão do ambiente já não somente antropocêntrica mas que reconhece o ambiente como um bem em si mesmo que cumpre proteger. Aliás certa doutrina tem ido mais longe ao estipular um dever de protecção do ambiente. Deve se reconhecer o direito ao ambiente como um direito complexo de dupla dimensão, uma objectiva e outra subjectiva. Que apesar de ter de ser concretizado pelo legislador ordinário, decorre da própria constituição a protecção deste direito, visto como direito subjectivo público retirado da norma fundamental através da “teoria da norma de protecção” defendida entre nós pelo Prof. Vasco Pereira da Silva. Ora com estes contratos torna-se difícil harmonizar os interesses objectivos que os motivam e a outra face da moeda que é a salvaguarda os direitos subjectivos dos particulares e a sua tutela graciosa e contenciosa. Pois estes contratos afastam normas ambientais imperativas através de uma negociação com as empresas, fixando referências diferentes de modo a evitar as medidas de carácter sancionatório previstas. De facto o surgimento de uma figura como esta em Portugal não foi acompanhado de um debate sério a cerca da eventual incompatibilidade destes contratos com princípios constitucionais.

III. Princípios em causa
Parece-me evidente a tensão entre o princípio da concertação da Administração (art. 179 CPA) e o princípio da legalidade, o princípio da prevenção e do poluidor-pagador concretizado nomeadamente através de medidas de polícia, quer preventivas quer repressivas. O princípio da concertação para além de previsto no código de procedimento administrativo também é sugerido pela constituição, embora não especificamente em relação à questão ambiental, no que toca à elaboração e implementação de planos de desenvolvimento económico e social (art.90º. CRP), sendo que um dos potenciais objectivos destes planos é a defesa do ambiente. O que importa então aferir é o modo como este princípio é concretizado. Não podemos desde já, descurar o facto da adaptação das empresas às exigências estabelecidas pelas normas que regulam as emissões poluentes comportar custos elevados e acrescidos. Para além disso a administração vê se obrigada a alcançar resultados concretos e palpáveis no combate à deterioração ambiental e daí talvez uma menor exigência em troco de uma maximização dos efeitos das medidas ambientais. No entanto com estes contratos a Administração vem derrogar temporariamente a lei violando o princípio da legalidade, nomeadamente na sua vertente de necessidade de precedência de lei como também a obrigação de agir como a lei impõe e não contra ela. Será que o “princípio da legalidade vem cedendo a favor de um princípio de eficácia” da Administração como a Dra. Isabel Moreira afirma? De facto as novas exigências que se colocam ao poder administrativo parecem por em causa a dogmática do princípio da legalidade. Uma das suas causas é o cada vez maior distanciamento entre a lei e a actuação administrativa consequência de um aumento na amplitude de autonomia da administração. O que fomenta o surgimento de esquemas informais de relacionamento entre a administração e os particulares. Pondo em causa a imposição constitucional de exigência de expressa habilitação legal para a administração agir. A doutrina tem aceitado esta actuação com base no argumento da legitimidade directa da administração assente na relação de proximidade com a sociedade. Assim com estes contratos aceita-se que o aumento da discricionariedade da administração conduz a uma maior eficácia da sua actuação, embora esta possa beliscar o princípio da legalidade.

IV. Regime normativo
O primeiro preceito normativo em que aparecem os contratos de adaptação é o art. 35º n.º2 da Lei de Bases do Ambiente (Lei 11/87, de 7 de Abril) que os chamava de contratos-programa e que tinham por objectivo a diminuição gradual da poluição desde que a continuação das actividades não trouxesse muitos riscos para o homem ou o ambiente. Posteriormente surgiu o Decreto-Lei n.º 78/2004, de 3 de Abril, que revogou o Decreto-lei n.º 352/90, de 9 de Novembro e o Decreto-lei n.º 236/98, de 1 de Fevereiro cuja última alteração decorre do Decreto-lei n.º 243/2001. Este foi o primeiro a ter a epígrafe contratos de adaptação ambiental no seu art.78. Por fim aparece a Lei º 58/2005, de 29 de Dezembro que transpôs uma directiva europeia que pretende a instituição da gestão sustentável das águas, regulada pelo actual Decreto-Lei n.º 77/2006, de 30 de Março.
Actualmente estes contratos são entendidos como contratos administrativos como o art. 96.º, n.º 2 da Lei n.º 58/2005, de 29 de Dezembro consagra, mas a sua natureza jurídica não foi logo consensual, nomeadamente a sua distinção em relação à figura dos acordos-quadro. Mas parece evidente que Administração poderia simplesmente impor aos particulares, neste caso o grupo de empresas, mas opta por negociar e o resultando da conjugação das vontades das partes o alcance do contrato de adaptação ambiental.

V. Conclusão

Concluo assim que os contratos de adaptação resultam de um esforço de compatibilização entre o princípio da autonomia púbica contratual e eficácia da administração na prossecução do interesse público com o princípio da prevenção e do poluidor pagador. De certo modo existe uma cedência aos interesses dos sectores económicos em questão, mas sem a colaboração destes mais difícil seria chegar às metas propostas. Funcionando assim como um mal menor em busca de medidas eficientes para chegar a um bem comum melhor.