domingo, 24 de maio de 2009

Prevenção e precaução: princípios em choque, princípios complementares ou equívocos linguísticos?

“Better safe than sorry”

“Risk is not fate, it is choice”[1]


[1] P. BERNSTEIN, in “Against the Gods”, apud. P. SAND, The precautionary…, cit., p.137.



I. O ambiente na História.

Desde que o mundo é mundo e que o homem nele habita que existe uma preocupação com a natureza que o envolve. As preocupações não foram sempre as mesmas, tendo variado ao longo da história.

A chamada consciência “ecológica”, no entanto, é um problema dos dias de hoje, que nasceu em finais da década de 60, inícios dos anos 70. Relacionada com a crise do modelo de Estado Social ou de Providência[1] e que atingiu o seu expoente máximo com a “crise do petróleo” dos anos 70. Desde o “Maio de 68” à Revolução “hippie” e à filosofia de não-violência, todos estes foram marcos importantes para a tomada de consciência sobre a questão ambiental.

Com a crise do Estado Providência identifica-se a forte necessidade sentida de uma atitude política em relação à protecção do ambiente. E nos anos 90 a questão ambiental deixa de ser uma questão apenas de alguns partidos (os verdes) para passar a ser “património comum de todas as forças políticas”.

Só nos últimos anos é que assistimos a uma viragem na história do ambiente e que vimos surgir as mais variadas manifestações de preocupação com o meio ambiente e a consequente protecção contra eventuais estragos provocados pelo próprio homem. Desde então são constantes as mudanças que o meio ambiente tem sofrido em virtude dos maus hábitos que, os habitantes do planeta terra têm para com ele.

Nem tudo é mau, na medida em que assistimos a uma consciência “ecológica” crescente, uma mudança nas mentalidades em relação ao meio ambiente. Depois de tantos anos de “maus tratos” o homem sabe agora que tem que ter os maiores cuidados para com o ambiente.
Mudança sentida quer a nível individual – de cada cidadão – quer numa dimensão institucional – com a criação de órgãos governamentais de protecção do ambiente.

Desta forma, surgiu uma “consciência jurídica” de defesa do ambiente, como Direito do Homem e problema do Estado.

O actual Estado Pós-Social trouxe consigo os chamados direitos da “terceira geração” onde se inclui o direito ao ambiente, da qualidade de vida, da preservação do património e de participação e audiência no procedimento. Há toda uma ideia de protecção das pessoas contra novas realidades.

Como tal, o Estado assume agora importantes tarefas de protecção do ambiente, como afirma R. SCHMIDT: temos um “Estado protector do ambiente”[2].

Como refere Vasco Pereira da Silva nas suas Lições de Direito do Ambiente, assistimos hoje a um retorno a uma visão garantística, em relação à protecção individual sem pôr em causa a necessidade de intervenção Estadual.

Juridicamente podemos falar numa tutela subjectiva de cada um em relação ao ambiente, assim como numa tutela objectiva, que implica deveres (objectivos) por parte das autoridades legislativas, administrativas e judiciais em relação a bens ambientais.

[1] “Verde Cor de Direito. Lições de Direito do Ambiente”, de Vasco Pereira da Silva, Almedina, Janeiro de 2005.
[2] REINER SCHIMIDT, “Der Staat der Umweltsvorsorge”, in “Die Oeffentlieche Verwaltung”, nº18, Setembro de 1994, página 750.


II. Significados linguísticos.

Comecemos esta viagem por um meio ambiente melhor, tentando descortinar os significados linguísticos destes dois princípios, numa tentativa de os distinguir.

Ao procurar os termos facilmente nos damos conta da quase sinonímia dos preceitos, pois prevenção e precaução são sinónimos um do outro, no dicionário da língua portuguesa. Prevenção é “o acto ou efeito de prevenir”, mas também é precaução ou cautela; e precaução é “cautela antecipada” ou prevenção.

A língua portuguesa parece não conhecer qualquer diferença entre os dois termos, mas será que é mesmo assim quando falamos em Direito do ambiente?

Poderá o legislador, o jurista ou o advogado quando se encontram perante uma situação que levanta problemas de Direito do ambiente separar os dois princípios, que para todos aqueles que consultam um dicionário da língua portuguesa não encontram qualquer diferença?
Terá sentido fazer uma separação deste tipo, quando à primeira vista estes princípios não têm qualquer diferença?

É à resposta a estas perguntas que as próximas linhas tentarão dar significado.


III. Prevenção, precaução e os princípios constitucionais.

O ambiente como uma das mais recentes áreas do Direito, nas palavras do professor Vasco Pereira da Silva ainda “está verde”, a precisar de ser explorado.

Com as constantes transformações que o homem tem provocado no meio ambiente em que vive e que o rodeia, até quando teremos ambiente para o Direito regular?

Com o passar do tempo o homem foi tomando consciência de que tem que tomar cuidados especiais com o meio em que vive, tem que o conservar. Este exige cada vez mais cuidado e é por causa desta tomada de consciência que encontramos na Constituição da República Portuguesa o artigo 66º sobre “Ambiente e qualidade de vida”.

“Todos temos direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado e o dever de o defender”, diz-nos o artigo 66º da Constituição.

O Direito de Conservação do ambiente, é um Direito Fundamental ao qual é aplicado o regime jurídico dos direitos, liberdades e garantias, através do disposto no artigo 17ºda Constituição e uma vez que é considerado um direito fundamental de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias,” embora com limitações ou concretizações dependentes de outros princípios instituídos constitucionalmente”[1].

As questões ambientais são também tarefa fundamental do Estado, através do artigo 9º da Constituição – “promoção do bem-estar e qualidade de vida, assim como a efectivação dos direitos económicos, sociais, culturais e ambientais, mediante transformação e modernização das estruturas económicas e sociais”. Esta é a dimensão objectivista da matéria ambiental na constituição.

Estando as questões ambientais expressamente consagradas na Constituição, podemos então falar numa “Constituição Verde”, que considera os princípios ambientais como bens jurídicos fundamentais.

É neste contexto que vemos crescer dois princípios fundamentais em matéria de ambiente: o da prevenção e da precaução. No entanto, estes princípios não surgiram ao mesmo tempo, tendo a prevenção nascido primeiro, e apenas seis anos depois é que se veio a falar em precaução.

O que acontece actualmente na CRP é que o princípio da precaução não vem aí identificado explicitamente. A precaução poderia ser aplicada no direito português se considerássemos que este princípio tem efeito directo, como explica Carla Amado Gomes[2]. Isto porque o princípio da precaução é expressamente acolhido pelo Tratado da Comunidade Europeia no seu artigo 174º, nº2, primeira parte. No entanto, não estamos em crer que o princípio da precaução seja claro, preciso e incondicional, isto por causa de todas as dúvidas e incertezas que levanta. Como tal, a vinculação do Estado Português a este princípio só se poderá fazer perante um caso concreto, por respeito aos princípios comunitários e não pela invocação directa do artigo 174º, nº2 do TCE.

[1] Anotação ao artigo 17º da Constituição da República Portuguesa, Professores Jorge Miranda e Rui Medeiros, 2005.
[2] Como refere Carla Amado Gomes, in “A Prevenção à Prova no Direito do Ambiente”, Em especial, os actos autorizativos ambientais, da Coimbra Editora, 2000.


IV. Choque, complemento ou equívoco linguístico?

Comecemos o passeio pelo meio ambiente tendo presente que prevenir e precaver, embora conceitos com significados idênticos na língua portuguesa, são autonomizáveis juridicamente.
Com a constitucionalização dos princípios fundamentais em matéria de ambiente, vemos nascer uma nova “consciência ambiental”. No entanto, esta tomada de consciência foi muito lenta, o que faz com que estes sejam princípios novos, “ainda verdes”[1].

Para uns os princípios não devem ser separados e o mais adequado é construir uma noção ampla do princípio da prevenção que consiga abarcar a precaução. Esta linha de pensamento é seguida, por exemplo, por Vasco Pereira da Silva.

Já outros entendem que prevenção e precaução são conceitos diferentes. No entanto o princípio da precaução tem uma inovação em relação ao da prevenção, obrigando o primeiro a uma “antecipação da acção protectora perante a iminência de perigos para o meio ambiente”[2], tendo uma maior acção preventiva quanto aos riscos, indo além da mera possibilidade de lesão para o meio ambiente. Este é o pensamento defendido por Carla Amado Gomes.

O que acontece é que é extremamente difícil encontrar um significado preciso para estes princípios, principalmente por causa das várias interpretações a que dão origem e das consequências que daí resultam para os Estados.

Comecemos por fazer uma análise individual de cada princípio e em seguida descortinar as principais diferenças entre ambos.


a. A Prevenção e o Direito do Ambiente.

A prevenção resultou de vários diplomas internacionais, mas também se vislumbra este princípio a nível nacional.

Internacionalmente, temos a Carta Mundial da Natureza (de 1982); a Declaração do Rio sobre Ambiente e Desenvolvimento (1992). Por via costumeira, fala-se no “direito de intervenção do Estado costeiro em matéria ambiental nos limites da sua zona económica exclusiva” que tem como finalidade prevenir eventuais acções lesivas do meio ambiente. A proibição de poluição transfronteiriça é também uma norma de Direito Internacional que surgiu através do costume.

São muitas as Convenções Internacionais que identificam o princípio da precaução, passo a enunciar algumas:

- Convenção do Alto-Mar assinada em Genebra em 1958;
- Convenção de Montego Bay de 1982;
- Convenção sobre interdição de utilização de técnicas de modificação do ambiente com fins militares hostis de 1977;
- A Convenção para a protecção da camada do ozono de 1985;
- e a Convenção sobre alterações climáticas de 1992.

No Direito Comunitário temos actualmente o artigo 174º, nº2 do Tratado da Comunidade Europeia que refere que “ A política da Comunidade no domínio do ambiente terá por objecto atingir um nível de protecção elevado, tendo em conta a diversidade das situações existentes nas diferentes regiões da Comunidade. Basear-se-á nos princípios da precaução e da acção preventiva, da correcção, prioritariamente na fonte, dos danos causados ao ambiente e do poluidor-pagador”.

A directiva comunitária nº85/337/CE, de 27 de Junho de 1985 veio concretizar o princípio da prevenção, uma vez que implementou a necessidade de se proceder a uma Avaliação de Impacto Ambiental, para que determinados projectos possam vir a ser realizados.

Esta directiva comunitária foi transposta pelo Decreto-Lei nº69/2000 de 3 de Maio, como instrumento preventivo fundamental da política do ambiente e do ordenamento do território e reconhecido na Lei de Bases do Ambiente (Lei nº11/87, de 7 de Abril). O regime jurídico da avaliação de impacto ambiental foi estabelecido para projectos públicos assim como para projectos privados, susceptíveis de produzirem efeitos significativos no ambiente. Nestes termos ficam sujeitos a AIA os projectos incluídos nos anexos I e II do dito Decreto-Lei e que excepcionalmente não sejam deste procedimento dispensados nos termos do artigo 3º do diploma[1].

Segundo Fernando Suordem, o Decreto-Lei nº 130/86 de 7 de Junho, que aprovou a Lei Orgânica do Ministério do Planeamento e Administração do Território (que actualmente não tem esta denominação, nem o mesmo âmbito material de aplicação), foi o primeiro diploma a consagrar o princípio da prevenção no Direito português.

O AIA tem como objectivo último acautelar possíveis danos ambientais, sendo assim um meio jurídico que realiza o princípio da prevenção, como afirma Vasco Pereira da Silva, nas suas Lições de Direito do Ambiente (páginas 153 e seguintes).

Internamente, a Lei de Bases do Ambiente consagra o princípio da prevenção (Lei nº11/87, de 7 de Abril), como um dos seus primeiros princípios.

Actualmente as associações de defesa do ambiente têm legitimidade para intentar acções que tenham como fim prevenir actos ou omissões de entidades públicas, que possam vir a por em perigo o meio ambiente.

A Constituição da República Portuguesa também veio a consagrar expressamente o princípio da prevenção do meio ambiente no seu artigo 66º, nº2, alínea a): ”Prevenir e controlar a poluição e os seus efeitos e as formas prejudiciais de erosão”. Também, a alínea g) do nº2 do artigo 66º da CRP demonstra uma preocupação ambiental preventiva ao querer “promover a educação ambiental e o respeito pelos valores do ambiente”. Finalmente o artigo 52º, nº3, alínea a) demonstra uma preocupação quanto à preservação ambiental.

A título exemplificativo, podemos ver actualmente o Decreto-Lei nº173/2008 de onde resulta uma clara – permitam-me a expressão -“maturidade legislativa” em relação à consagração inequívoca do princípio da prevenção. Este diploma veio regular a “prevenção e controlos integrados da poluição”, que transpôs para a ordem jurídica interna a Directiva nº96/61/CE, do Conselho.

Podemos ainda verificar algumas “indicações preventivas específicas”[1] noutros diplomas como:
- matéria de protecção da qualidade do ar,
- da qualidade da água,
- da protecção dos ecossistemas,
- do licenciamento industrial,
- (entre outros).

Finalmente importa referir que o princípio da participação também é expressão do princípio da prevenção, no sentido em que dá a possibilidade a todos os cidadãos de darem as suas opiniões em matérias relacionadas com o ambiente, com o objectivo de impedir a realização de acções potencialmente perigosas para o ambiente.

Depois de feita uma contextualização histórica e actual sobre o princípio em causa, importa tentar compreende-lo.

A prevenção é tida como a acção preventiva realizada com vista a travar actuações humanas que possam vir a lesar grave e irreversivelmente bens em matéria de ambiente. Falamos desta forma de situações potencialmente perigosas.

Para melhor compreendermos o princípios podemos socorrermo-nos da frase popular “mais vale prevenir do que remediar”, que é expressão que serve de base ao conceito: é necessário tomar medidas que evitem a produção de efeitos lesivos ao meio ambiente.

Vasco Pereira da Silva ao falar de prevenção entende que existem dois sentidos possíveis: um sentido restrito e um outro amplo do princípio.

O primeiro está de acordo com uma lógica de “evitar perigos imediatos e concretos” e o sentido amplo está relacionado como “afastar eventuais riscos futuros”, “mesmo que não ainda inteiramente determináveis”[2], o que é expressão de uma antecipação de situações.

[1] O procedimento de Avaliação de Impacto Ambiental é um claro exemplo do princípio da prevenção em funcionamento, na medida em que este procedimento tem como objectivo verificar que consequências ecológicas um determinado projecto pode acarretar para o meio ambiente. Obriga as autoridades administrativas competentes a ter em consideração o resultado da avaliação feita quanto a actuações futuras, nomeadamente – o licenciamento da actividade em causa. A falta de uma licença ambiental acarreta a nulidade dos actos posteriores que estão dependentes desta, nos termos do artigo 22º da Lei do Licenciamento Ambiental.

[1] Como refere Carla Amado Gomes, in “A Prevenção à Prova no Direito do Ambiente”, Em especial, os actos autorizativos ambientais, da Coimbra Editora, 2000.

[2] Vasco Pereira da Silva, “Verde Cor de Direito. Lições de Direito do Ambiente”, Almedina, Janeiro de 2005.


b. A Precaução e o Direito do Ambiente.

O Princípio da precaução é a mais recente “coqueluche” do Direito do Ambiente, uma vez que só nos últimos anos é que teve eco quer a nível internacional como a nível nacional.
Foi nos textos internacionais que o princípio ganhou autonomia.

A sua origem está relacionada com o mar e com o tentar defendê-lo contra todas as acções que o pudessem vir a poluir. Segundo Carla Amado Gomes em “A Prevenção à Prova no Direito do Ambiente”, foi na segunda Conferência Ministerial do Mar do Norte em 1987, que se começou a falar no princípio da precaução[1].

Depois é em 1990 que é adoptado pela Declaração da Conferência Governamental de Bergen sobre Desenvolvimento Sustentado, onde se escreveu: “In order to achieve sustainable development, policies must be based on the precautionary principle. Environmental measures must anticipate, prevent and attack the causes of environmental degradation. Where there are threats of serious or irreversible damage, lack of full scientific certainty should not be used as a reason for postponing measures to prevent environmental degradation”.

Já em 1992, na Declaração do Rio, aparece o princípio da precaução como 15º princípio da Declaração e ainda no artigo 3º da Convenção Quadro da ONU sobre alterações climáticas.
No artigo 174º do Tratado da Comunidade Europeia é expressamente estabelecido o princípio ao lado do princípio da prevenção. No Direito Comunitário apareceu ligado à saúde pública, por causa da “doença das vacas loucas”, no entanto só perante problemas relacionados com os recursos naturais é que estamos verdadeiramente no âmbito do Direito do ambiente.
Existe uma acesa discussão internacional quanto ao seu estatuto, uma vez que se para uns estamos perante um princípio geral de Direito Internacional para outros estamos perante uma regra de Direito Internacional, mas ainda existem outros que lhe negam o carácter de princípio jurídico, pelas dificuldades que cria.

O princípio da precaução não tem expressa consagração na Constituição Portuguesa, ao contrário do princípio da prevenção que tem acento Constitucional. A única solução para este problema é deixar o princípio entrar no ordenamento jurídico português pelo efeito directo, por via do disposto no artigo 174º, nº2 do TCE. Contudo esta solução tem gerado várias opiniões contraditórias, como já foi mencionado no capítulo III.

No entanto, apesar do princípio não se encontrar expressamente consagrado na CRP, isso não significa que não estejamos a ele vinculados. Pelo menos o princípio deve ser ponderado a favor do interesse ambiental. Como refere Carla Amado Gomes, temos que fazer uma leitura sistemática da Lei Fundamental e do imperativo de proporcionalidade.

Para autores como Carla Amado Gomes, precaução significa “que o ambiente deve ter em seu favor o benefício da dúvida quando haja incerteza, por falta de provas científicas evidentes, sobre o nexo causal entre uma actividade e um determinado fenómeno de poluição ou degradação do ambiente”[2], provocando uma acção preventiva e não permitindo actuações lesivas, mesmo que não haja certeza sobre o resultado possível dessas actuações.

Para L. Boudant o princípio da precaução indica uma direcção e não uma regra.
Convém apontar os quatro critérios de BARTON que derivam do princípio da precaução, são eles:
i) As medidas são tomadas para prevenir danos consideráveis e irreversíveis no meio ambiente, na ausência de provas científicas que afastem o nexo causal entre a actividade e os seus efeitos no ambiente;

ii) O ónus da prova cabe a quem pretenda desenvolver uma determinada actividade cuja lesividade para o ambiente não está cientificamente comprovada;

iii) Para responder à questão de saber se uma actividade causará danos graves e irreversíveis ao ambiente, o risco de erro será sempre computado em favor deste;

iv) Uma medida tomada com base no princípio da precaução deverá sempre invocá-lo ou, pelo menos, decorrer da aplicação do princípio do desenvolvimento sustentado.

Este princípio está intimamente associado à inversão do ónus da prova, a favor daquele que quer exercer uma actividade potencialmente perigosa para o meio ambiente.

O princípio da precaução permite que sejam tomadas decisões in dubio pró ambiente, quando não haja certezas sobre um determinado diagnóstico. O que pode conduzir o princípio a valor supremo em relação a todos os outros. Esta leitura do princípio da prevenção não parece aceitável, não é a mais adequada.

Vasco Pereira da Silva não considera adequado o princípio do “in dubio pró natura”, uma vez que poderíamos estar perante uma verdadeira presunção “que obriga quem pretende iniciar uma qualquer actividade a fazer prova de que não existe qualquer perigo de lesão ambiental”, atribuir uma dimensão jurídica ao princípio seria excessivo e na medida em que em matéria ambiental, não existe o “risco zero”.

[1] Conferência esta sobre poluição marítima.
[2] Introdução ao Direito do Ambiente, coord. De J. J. Gomes Canotilho, Lisboa, 1998, p.48.

c. Principais diferenças entre os dois princípios.

O que diferencia estes dois princípios é que a prevenção actua face a probabilidades, enquanto a prevenção não precisa de ter por base qualquer certeza científica para actuar. A prevenção actua perante indícios de que há um perigo para o meio ambiente tendo por isso uma acção antecipatório, fase a um concreto juízo de probabilidade. Já a precaução não precisa dessa probabilidade, bastando-lhe uma possibilidade para actuar.

A precaução visa em última análise antecipar o surgimento de um perigo. Há uma antecipação uma prevenção dos riscos associados ao surgimento de um perigo[1] que nesta fase é apenas hipotético.

Como tal, o que está em causa é o tamanho dos riscos que são acautelados, tendo a prevenção um âmbito de aplicação mais reduzido e a precaução uma extensão maior da atitude de acautelar riscos[2].

Mas as diferenças não ficam por aqui.

O princípio da precaução anda também, associado a uma ideia de “inversão do ónus da prova” em relação aos agentes considerados como potencialmente poluidores. Isto significa que estes agentes teriam que demonstrar o “não perigo” para o meio ambiente, associado à sua actividade, antes de terem qualquer tipo de intervenção.

Esta ideia de “inversão do ónus da prova” retira-se do Anexo I à Final Declaration of the First european “Seas at risk” Conference. Daí podemos retirar a seguinte frase:

- “The “burden of proof” is shifted from the regulator to the person or persons responsible for the potentially harmful activity, who will now have to demonstrate that their actions are not/will not cause harm to the environment.”[3]

Para Vasco Pereira da Silva a ideia de uma inversão do ónus da prova relacionado com o princípio da precaução é manifestamente excessivo. Não é possível tentar acautelar todas as lesões provocadas por actividades potencialmente danosas, na medida em que o chamado “risco zero” é praticamente impossível de atingir. Este é, também o entendimento seguido pela Comissão Europeia e pelo Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias, tendo este tribunal decidido no acórdão Pfizer, que não pode existir um “risco zero”, uma vez que não pode ser comprovada cientificamente a total ausência do menor risco actual ou futuro em relação a determinada actividade.

[1] Afinal o que são perigos e o que são riscos? Normalmente surgem como contraponto um do outro, sendo o risco uma consequência do perigo. Segundo Carla Amado Gomes “o perigo tem causas naturais” e o risco “causas humanas”. Simplificando: no risco estamos a lidar com um facto que não tendo sido fundamentado sobre hipóteses não verificadas cientificamente, não foi totalmente demonstrado ao ponto de se tornar num perigo. Assim sendo, a noção de risco corresponde a uma “probabilidade dos efeitos adversos”. O princípio da precaução trabalha com o conceito de risco, ficando os perigos associados ao princípio da prevenção.

[2] Gomes, Carla Amado; “DAR O DUVIDOSO PELO (IN)CERTO? REFLEXÕES SOBRE O “PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO”, in textos dispersos de Direito do Ambiente e matérias relacionadas, AAFDL.

[3] Conferência realizada em Copenhaga, em 1994, promovida por Organizações não governamentais de defesa do ambiente. Como explica Carla Amado Gomes no seu artigo “DAR O DUVIDOSO PELO (IN)CERTO? REFLEXÕES SOBRE O “PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO”, uma vez que não houve intervenção dos Estados, a Declaração não vale como fonte de Direito Internacional nem a título de soft law.

V. Conclusão: Choque, Complemento ou equívoco linguístico?

Como tal, é uma linha muito ténue, aquela que separa o princípio da prevenção do princípio da precaução. Mas o que é certo é que não são um mesmo princípio, embora possam complementar-se. É possível distingui-los e têm força cada um por si como princípios independentes.

Onde acaba um princípio começa o outro. Onde acaba a “previsibilidade de um perigo e o início da consideração de um risco”, é onde acaba a prevenção e começa a precaução.

É muito complicado distinguir os dois princípios. Para autores como Vasco Pereira da Silva não é adequado distinguir prevenção de precaução em razão dos perigos ou dos riscos provocados por acções humanas. Nem o carácter actual ou futuro dos riscos é aceitável para o professor como critério de distinção, uma vez que estes dois princípios se encontram interligados. Segundo este entendimento quando estejam em causa decisões que digam respeito a concessão de licenças ambientais ou sejam sujeitas a avaliação de impactos ambientais, estes dois princípios têm que ser considerados simultaneamente e não em separado.

De facto, não tem sentido que a qualquer ente público ou privado que pretenda iniciar uma determinada actividade que lhe seja – sempre – exigido a prova de que aquela actividade não vai causar qualquer perigo para o meio ambiente.

Na actual sociedade, considerada por Carla Amado Gomes como “sociedade de risco”, em que o homem perdeu o controlo criando um risco de destruição total – um risco que não conhece limites – é quase impossível ter certezas quanto à não produção de danos para o ambiente, adoptando uma dada tecnologia. Assim sendo, o princípio da precaução é de difícil aplicação prática e como a autora afirma o “princípio está condenado à partida”[1].

É importante ainda referir que no âmbito da Responsabilidade Ambiental, podemos recorrer ao princípio da prevenção em sentido amplo. Uma vez que é muito difícil avaliar rigorosamente as relações causa-efeito entre um acto ilícito e um dano. O que significa que o Direito do Ambiente pode utilizar uma “presunção de causalidade” quando exista alguém a quem seja possível imputar os danos resultantes de uma actividade ilícita.


Em jeito de conclusão cabe apenas dizer que o princípio da precaução é um complemento do princípio da prevenção. Sendo a precaução um desenvolvimento da prevenção “temperado pelos parâmetros da proporcionalidade”.

[1] Gomes, Carla Amado; “DAR O DUVIDOSO PELO (IN)CERTO? REFLEXÕES SOBRE O “PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO”, in textos dispersos de Direito do Ambiente e matérias relacionadas, AAFDL.


VI. Bibliografia.

- Canotilho, J. J. Gomes; “introdução ao Direito do Ambiente”, Lisboa, 1998.


- Gomes, Carla Amado; “DAR O DUVIDOSO PELO (IN)CERTO? REFLEXÕES SOBRE O PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO”, in textos dispersos de Direito do Ambiente e matérias relacionadas, AAFDL.


- Gomes, Carla Amado; in “A Prevenção à Prova no Direito do Ambiente - Em especial, os actos autorizativos ambientais, Coimbra Editora, 2000.


- Silva, Vasco Pereira; “Verde Cor de Direito. Lições de Direito do Ambiente”, Almedina, Janeiro de 2005.



Diplomas:
· Constituição da República Portuguesa;
· Constituição da República Portuguesa anotada – pelos Professores Jorge Miranda e Rui Medeiros, 2005.
· Lei de Bases do Ambiente, Lei nº 11/87, de 7 de Abril.
· Lei do Licenciamento Ambiental.
· Regime Jurídico da Avaliação de Impacto Ambiental, Decreto-Lei nº 69/2000 de 3 de Maio.
· Tratado da Comunidade Europeia.