sexta-feira, 22 de maio de 2009

Responsabilidade civil objectiva e direito do ambiente

Ao direito civil reconhece-se usualmente um papel secundário na protecção do meio ambiente . A progressiva degradação ambiental não tem encontrado um obstáculo eficaz na utilização das soluções tradicionais dos direitos de presonalidade , das relações de vizinhança ou do instituto da responsabilidade civil . Na verdade, a pretensão de uma abstenção ou de uma compensação pelo dano sofrido depende da iniciativa do particular afectado , insuficiente para a prevista tutela constitucional do Ambiente ( artigos 52/3 e 66 da Constituição da República Portuguesa ). Considera-se o princípio fundamental da prevenção : nesse sentido apontam o artigo 174 ( 2 ) do Tratado da Comunidade Europeia ( após o Tratado de Amesterdão ) e o artigo 3º a) da Lei nº 11/87 de 17 de Abril ( Lei de Bases do Ambiente ). Escreve a este propósito João Pereira Reis : Na alínea a) vamos encontrar um daqueles princípios que é justamente considerado a pedra de toque da política do Ambiente (...) . É interessante notar que o legislador integrou no princípio da prevenção a obrigação do poluidor corrigir ou recuperar o ambiente , suportando os encargos daí resultantes e sendo-lhe vedado continuar a acção poluente . Na sua formulação tradicional o princípio preventivo não abrange este tipo de obrigações . No rigor dos conceitos elas respeitam à responsabilidade do agente poluidor pelos danos a que der causa e não tanto ao princípio da acção preventiva .

Acolhe, ainda, à prevenção, associada precaução, o princípio do poluidor-pagador consagrado em sede de direito comunitário pelo Acto Único Europeu no art. 130ºR aditado ao Tratado de Roma ( art 174º, após o Tratado de Amesterdão ), porquanto inclui a distribuição dos encargos financeiros com a defesa do ambiente. Não desconhece que alguns autores identificam a mencionada regra na sua vertente reparadora ou correctiva com a responsabilidade civil . Contudo enquanto o sistema de responsabilidade civil ambiental é limitado pela imputação a um agente concreto do comportamento que causou danos a um conjunto determinado



A revisão da problemática da causalidade na responsabilidade civil ambiental surge hoje como exigência irrecusável dos problemas suscitados pelos danos ambientais , em face dos quais o desajustamento das estruturas clássicas de imputação de torna patente . As dificuldades técnicas e de fundo que em termos gerais aplicação da responsabilidade civil à problemática ambiental levanta têm , de resto , sido repetidamente assinaladas :em crise ficam os vários pressupostos da responsabilidade civil



da ilicitude ao dano passando pela culpa . É todavia no campo do nexo de causalidade que os problemas revestem maior complexidade sendo nele que a dogmática tradicional tem reconhecidamente mais dificuldade em trabalhar. Na verdade se pode por exemplo prescindir-se do carácter ilícito e culposo do comportamento enverendando-se no domínio ambiental por formas de responsabilidade objectiva , já não pode aqui abdicar-se do pressuposto do nexo causal . Como sublinha a Directiva Comunitária Relativa à responsabilidade ambiental de Abril de 2004 no seu considerando 13: ( ... ) . Assim sendo procura-se no âmbito da responsabilidade civil ambiental – seja por facto de entes privados ou de entes públicos – respostas que reconhecendo e respeitando o papel desempenhado pelo nexo de causalidade sejam suficientemente flexíveis para se adaptarem às características do processo causal dos danos ambientais .



Na área do dano ambiental e do respectivo processo causal é na verdade utópica a demanda de clareza científico -natural devido ao modo próprio de actuação dos poluentes, à influência ou conjugação de factores múltiplos, alguns de carácter natural ( como factores climatéricos ou meteológicos ), outros de origem humana, com emissões poluentes de fontes diversas a fundirem-se num mesmo processo poluente , onde os contributos individuais não são destacáveis, onde a «mistura» de substâncias poluentes produz muitas vezes efeitos sinergéticos , e onde frequentemente substâncias prima facie neutras adquirem efeitos ambientalmente nocivos apenas quando conjugadas com as demais . Em suma , as situações de «multicausalidade» são a regra no domínio ambiental , ao mesmo tempo que o processo poluente tende também a prolongar-se no espaço e no tempo , originando os chamados «danos-à-distância» ( distanzschaden ) e «danos tardios» ( spatschaden ), que mais evidenciam as anunciadas dificuldades na detecção do nexo de causalidade entre facto e dano . Por isso , muitas vezes somos colocados perante uma situação me que recorrendo à expressão de Pedro Múrias « a incerteza sobre factos substantivamente relevantes é “objectiva” , i. e. , intersubjectiva , comum às pessoas mais esclarecidas sobre dado assunto inultrapassável segundo o “estado actual dos conhecimentos “ - o que pode até perdurar indefenidamente . Ou seja em matéria de dano ambiental defrontamo-nos com óbvias dificuldades de prova por parte do lesado e, no limite, até perante casos de «objectividade da dúvida», em que, mais do que incerteza a respeito do processo causal, há uma «certeza quanto à incerteza» . Assim podemos ainda hoje afirmar com Menezes Cordeiro que «há aqui todo um mundo que se oferece à investigação dos juristas civilistas ou ambientalistas, nos próximos anos».Vê-se assim que uma recusa se adaptação ou pelo menos de reponderação dos mecanismos clássicos de imputação bem como das exigências probatórias em matéria de causalidade excluiria ad limine em todos os casos tipo de danos ambientais a operatividade da responsabilidade civil condenando-a de antemão ao inscesso. Tal sucederá na realidade não só devido aos factores objectivos apontados mas ainda em virtude de o processo poluente – que se inicia e se desenvolve em boa medida no interior da instalação poluente – ser, na quase totalidade dos casos inacessível à vítima. Mesmo nos casos de responsabilidade objectiva ou pelo risco independente de ilicitude e culpa não poderá prescindir-se do apuramento de um nexo causal entre facto e dano , impondo-se determinar se o dano ambiental é objectivamente imputável ao comportamento ( ainda que lícito ) do agente .



O nexo de causalidade entre o facto e o prezuízo apresenta dificuldades no domínio ambiental não apenas porque só muito raramente é possível identificar uma única causa geradora de um dano ambiental , verificando-se antes, em regra, um “concurso” de causas ; mas também porque os factos causadores da lesão ambiental tanto podem agir isoladamente como conjugados ou até em colisão com outros factos ; para além de poderem ainda depender de circunstâncias externas , como as condições meteorológicas do momento ou a propagação através das águas . Assim sendo a solução passa pelo estabelecimento de presunções de causalidade. A utilização destas “ presunções de causalidade “ ( que no direito português na falta de lei só poderiam resultar de construção doutrinária ou jurisprudencial ) implica a atribuição de amplos poderes de decisão ao juiz a quem compete verificar a aptidão dos factos para a produção dos danos em razão de circunstâncias como a da situação da empresa , a do seu modo de funcionamento, a das condições meteorológicas existentes, entre outros critérios . Via alternativa da da aceitação de tais presunções poderia ser a da consideração da necessidade «de uma certa flexibilidade ( “souplesse” )» na aplicação das regras da causalidade , designadamente recorrendo às «regras da probabilidade» ( Gilles Martin ).


O nexo de causalidade assume-se hoje como a questão central no âmbito da responsabilidade civil ambiental : na verdade a fisionomia típica do dano ambiental e do respectivo processo causal tornam remota a possibilidade de encontarmos clareza científica nessa área devido ao modo de actuação dos poluentes às hipóteses frequentes de multicausalidade ( concorrendo por vezes causas naturais e humanas ) e devido ainda ao prolongamento no tempo e no espaço de processo poluente gerando danos tardios e danos à distância que mais evidenciam as anunciadas dificuldades na detecção do nexo causal entre facto e dano . Abandonando-se as teorias da conditio sine qua non e da adequação a solução dogmática e pragmáticamente correcta para o problema deve partir da ideia central de risco . Assim deve entender-se que o dano ambiental é imputável ao agente quando este concretamente cria ou aumenta um risco não permitido ( no caso da responsabilidade subjectiva ) ou um risco previsto na norma legal ( no caso da responsabilidade objectiva ) e o resultado lesivo é materialização ou concretização desse risco .