domingo, 24 de maio de 2009

Animaizinhos - Touradas, a Tortura Aplaudida

Introdução

As raízes da tauromaquia vêm dos tempos da antiguidade clássica. Foi em Espanha no reinado de D. Afonso VII, no ano de 1133, que teve lugar a primeira corrida de touros. Entre esta data e o final da Reconquista, a tourada alastrou a toda a península Ibérica. A festa brava chegou assim a Portugal e, ate a actualidade, continua a ser fortemente aplaudida, mesmo estando na origem de uma das tradições mais contestadas da actualidade portuguesa: as festas de Barrancos com touros de morte.
Ate ao final da Reconquista, a tourada tinha a dupla função de divertir o povo e manter treinados os nobres. A verdade é que esta última necessidade foi fortemente diminuída com o final da Reconquista o que leva o Papa Pio V, no reinado de D. Filipe II, a decretar o fim das touradas.
Com a chegada da dinastia francesa Bourbon a Espanha, a nobreza trocou a emoção da arena pelos prazeres da côrte-real. A corrida laiciza-se sendo deixada aos plebeus que entusiasticamente a praticam, levando-a a peito, como símbolo de uma coisa genuinamente espanhola.
Outras figuras importantes da fiesta são o touro e o cavalo. O touro bravo utilizado nas touradas é hoje em dia criado exclusivamente na Península Ibérica, de onde é originário, e depois exportado para o resto dos países onde ainda se realizam touradas. Desde o séc. XII este animal é criado exclusivamente para esta finalidade. As linhagens são cuidadosamente estudadas e seleccionadas e os animais são individualmente acompanhados com o objectivo de se obterem as melhores características de porte e bravura.

Os argumentos

Foi no ano de 2002 que ficou conhecida do público em geral uma das tradições portuguesas mais antigas e mais condenáveis da actualidade nacional: as touradas de Barrancos!
Estas touradas têm como características a morte do touro em plena arena. A reportagem feita na altura por uma das televisões portuguesas fez estalar a polémica e as manifestações de revolta contra esta tortura ganharam força e grandiosidade.
Em Portugal as touradas com touros de morte são há muito proibidas. Foi no reinado de D. Maria II, em 1836, que surgiu um decreto nos seguintes termos:

“Considerando que as corridas de touros são um divertimento bárbaro e impróprio de nações civilizadas, e bem assim que semelhantes espectáculos servem unicamente para habituar os homens ao crime e à ferocidade, e desejando eu remover todas as causas que podem impedir ou retardar o aperfeiçoamento moral da Nação Portuguesa: hei por bem decretar que ora em diante fiquem proibidas em todo o Reino as corridas de Touros”

Depois da lei de D. Maria II, a lei continuou a ser desaplicada e o legislador achou necessário sancionar esse comportamento. Surgiu então Decreto nº 15.335 que estabelecia, alem das sanções, uma proibição absoluta. Este decreto não excepcionava qualquer parcela do território e tinha “conteúdo institucional geral”, tal como afirma o Prof. Dr. Gomes Canotilho.
Parece que tal decreto foi ignorado pela população de Barrancos durante muito tempo e foi essa desaplicação que originou a tradição da polémica. O senhor Jorge Sampaio, então ilustre Presidente da Republica, expressou a opinião de que era necessário dar enquadramento legal à tradição das festa de Barrancos, reduzindo assim toda a questão a um problema de enquadramento jurídico, ignorando o problema moral e cultural na sua base. Quanto a mim, o cerne da questão não está propriamente nos touros de morte em Barrancos, mas sim em todas as touradas - de morte ou não - , pois a morte do touro na arena nada mais faz de que aliviar prontamente o sofrimento do animal já tão desgastado, que a não morrer na arena sofreria por mais uns instantes ainda que longe do olhar atento do publico.
O problema de fundo consiste em saber se o sofrimento e a morte de touros na arena com o fim de satisfazer objectivos lúdicos pode ou não ser moralmente justificado. A análise desta questão leva-me a concluir que o sofrimento dos animais é gratuito e inaceitável.
Na maioria dos casos, antes mesmo de entrarem na arena são administrados tranquilizantes e laxantes aos touros, já para não falar nas tareias onde lhe laceram o corpo. É-lhes colocada vaselina nos olhos para que o alcance da visão fique reduzido e algodão nas vias nasais para dificultar a respiração. Limam-lhes também os cornos para que o “destemido” toureiro saia ileso e fazem-lhes cortes nas patas, os quais são embutidos com amoníaco para que a dor se torne incomportável. Estas atrocidades são apenas alguns exemplos.
A sorte seria morrer de uma só investida…mas não! É costume o animal abandonar o recinto ainda consciente, momento no qual, desinteressado do seu estado moribundo, o matador lhe corta o rabo e/ou orelhas.
Talvez seja por isso que os defensores das touradas as tentam justificar com o argumento da tradição fugindo a questão moral. O simples facto das festas de Barrancos constituírem uma tradição, não justifica por si só a sua existência e aceitação. Pois esta trata-se de uma “má tradição”, moralmente reprovável. Só uma tradição moralmente neutra, o que não é de forma alguma o caso, seria aceitável. Importa saber se é moralmente correcto provocar o sofrimento de animais para prazer do ser humano. A aceitar esta ultima via, que me parece inaceitável, ficava desimpedida a defesa de espectáculos como as lutas de cães e galos.
A lei nº 92/95 de 12 de Setembro proíbe todas as violências injustificadas contra animais (art.1º nº1 da referida lei). Esta lei proíbe igualmente no seu art.3º nº3 qualquer espectáculo com touros de morte, ressalvando, no entanto, no seu nº4 (redacção feita pela Lei nº 19/2002 de 31 de Julho) os casos de tradições locais que se tenham mantido de forma ininterrupta, pelo menos, nos 50 anos que antecedem À entrada em vigor do dito diploma. A meu entender, esta ressalva não tem razão de ser, pois o acto não deixa de ser injustificável só porque é tradição.
É incrível como algumas pessoas defendem as touradas argumentando que se trata de uma (estranha) forma de arte, cultura e tradição. Contudo, em 1980, a UNESCO deixou bem claro:

“A tauromaquia é um espectáculo baseado na tortura e matança de animais em publico, o que traumatiza crianças e adultos sensíveis, assim como desnaturaliza a relação entre o Homem e o animal”


Parece-me que nenhum argumento demove os barranquenhos e os amantes da festa brava da prática de tamanha crueldade.
Outro argumento muito utilizado para a defesa de tão triste causa é o de que os animais não têm deveres e por isso não tem direitos. Parece-me inaceitável, pois os recém-nascidos e os deficientes mentais profundos não têm deveres e nem por isso deixam de ter direitos. Apesar de, lamentavelmente, nenhum artigo da Constituição da Republica Portuguesa consagrar expressamente os direitos dos animais, através de uma interpretação extensiva do artigo.66º da CRP, tal como defende a Dra. Carla Amado Gomes, podemos dizer que se todos têm direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado e o dever de o defender, a defesa dos animais concorre para esse ambiente de vida ecologicamente equilibrado e justamente por isso devem ser defendidos.
Há ainda quem defenda que por uma questão de coerência quem é contra as touradas não devia explorar os animais usando-os na alimentação. Ora, é ridículo chamar o vegetarianismo para esta questão. Basta pensar que os touros usados nas touradas visam o divertimento, que poderia ser obtido de muitas outras formas e não com a satisfação de nenhuma necessidade básica como a alimentação.
Existe também o argumento “bíblico” de que os animais foram criados para o homem e , portanto devem ser por eles dominados e obedecer aos seus desejos. Esta linha de pensamento não é de maneira nenhuma aceitável. A aceita-la, aceitar-se-ia o domínio do homem sob a mulher, algo que é inaceitável e poria em questão o princípio constitucionalmente consagrado da igualdade (art.13º da CRP). Já para não falar dos documentos papais que condenam explicitamente as touradas.
A teoria da evolução das espécies de Darwin ao fazer dos animais actualmente existentes o resultado de uma selecção natural, torna a ideia de domínio do homem ainda mais remota.
Esta argumentação não foi tida em conta pelo nosso legislador constitucional.


Conclusão

É curioso como uma audiência dita civilizada aplaude um espectáculo cujo fim é o divertimento através da chacina de um animal. Ainda para mais quando se sabe que o toureiro, o homem forte do espectáculo, tem a vida tão facilitada.
Também não nos devemos esquecer dos cavalos, os quais escondem por debaixo das típicas vestes, sinais da violência dos golpes causados pelas esporas, hematomas e outros ferimentos. Já para não referir os cortes nas cordas vocais para evitar que os seus relinchos de dor sejam ouvidos pelo público.
Curioso é o facto de a lei encobrir a situação adaptando a lei à realidade que não consegue combater fazendo cumprir uma lei mais humana e mais adaptada a moral actual.
Mais curioso e triste é a circunstância da Constituição da Republica Portuguesa ser tão omissa no que respeita aos direitos dos animais, numa época em que é de esperar que o zelo pelo ambiente futuro, onde sem duvida sem incluem os animais, seja fortemente acautelado. Os animais, não só os touros e os cavalos obviamente, merecem tutela constitucional.
Afinal de contas que fim tão supremo persegue o ser humano que se acha superior ao ponto de subjugar às suas vontades de forma tão cruel os animais?

Bibliografia e Webologia Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da Republica Portuguesa Anotada, 5ª edição.
 Jorge Miranda, Estudos Sobre a Constituição, I, 1977, «Inconstitucionalidade por omissão»
 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional – Tomo VII – Estrutura Constitucional da Democracia, 2007
 http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20000093.html
 http://pt.wikipedia.org/wiki/Tourada
 http://www.accaoanimal.com/site/content/view/246/133/