segunda-feira, 25 de maio de 2009

Qual a natureza juridica dos animais?

COISIFICAÇÂO OU PERSONIFICAÇÂO?

Antes do séc. XIX os animais eram vistos como coisas, comparados a objectos inanimados. Descartes teorizou que estes não tinham consciência e eram meros objectos feitos por Deus, desprovidos de qualquer tipo de linguagem, cujos movimentos eram automáticos e mecânicos.
Hoje em dia são já reconhecidos direitos morais aos animais, mas na sua maioria são tratados pelos sistemas legais como coisas.
Na sua obra “Ética Prática”, Peter Singer, procurou estender o princípio da igualdade aos não humanos, dentro da lógica de igualdade racial e entre sexos, para tal Singer criou o PICIS (Princípio da Igual Consideração de Interesses Semelhantes). O PICIS assenta na ideia de que se deve levar em linha de conta os interesses dos outros seres para além de um ponto de vista pessoal. A capacidade de sofrer como característica vital (a senciência) é fundamento suficiente para defender que um ser vivo tem interesses e como tal o direito a uma consideração igual. Contudo, a igualdade entre grupos não implica o tratamento exactamente igual do que é diferente, uma vez que a natureza dos grupos é distinto tal tem de se manter em consideração.
O Especismo assenta na distinção entre as espécies. Para Singer trata-se de um acto de discriminação a par do racismo ou do sexismo, em que se dá menos valor a X porque tem esta ou aquela característica ou a falta dela. No caso especifico dos animais deixa de se levar em conta os seus interesses por serem menos inteligentes. Com base no PICIS, assenta-se na sensibilidade e não nas capacidades especificas.
A questão que se levanta agora é numa situação limite qual o sofrimento que prevalece? Qual o que tem menos importância?
Singer defende a aplicação do PICIS no sentido de prevalecer o alivio do sofrimento maior, não atendendo à espécie em si.
Singer foi dos anti-especistas mais ferrenhos e radicais, precursor da teoria utilitarista da igual consideração de interesses semelhantes.
Francione invoca a extensão do princípio da igualdade aos animais de forma a que estes deixem de ser tratados como coisas e passem a ter personalidade. A extensão da personalidade aos animais não implica a extensão de todos os direitos humanos (direito ao nome, à honra, à privacidade, à intimidade da vida animal) aos não humanos, já que existem direitos incompatíveis com a sua essência. Trata-se de um meio para os proteger do sofrimento a que são submetidos por serem vistos como propriedade ou recurso.
Em geral nos Códigos ocidentais, os animais são ainda tratados como coisas móveis. É disso exemplo o Código Civil Português, em que os animais não são considerados sujeitos de direito. De acordo com o Prof. José Tavares, o fundamento do direito é a natureza social do homem não se concebendo “normas jurídicas reguladoras de seres inferiores”. Existem normas no interesse dos animais, mas estes não têm direitos subjectivos a serem tratados ou protegidos.
Contudo, a acção das associações de defesa dos animais e de protecção do ambiente defendendo a atribuição de verdadeiros direitos àqueles tem vindo a lucrar resultados positivos. Em 1978 foi proclamada em Paris a Declaração Universal dos Direitos do Animal a qual consagra o direito à igualdade, existência, respeito. Não acarreta nenhuma vinculatividade legal, visa o despertar de tutela estadual dos animais.
Questões se levantaram acerca dessa atribuição de direitos. Como podem eles usufruir de direitos se é inconcebível atribuir-lhe deveres? Sendo sujeito de direito como podem ser objecto de direitos e consequentemente de negócios jurídicos? Ambas as questões podem ter resposta, já que também os nascituros, crianças e incapazes não têm deveres mas usufruem de direitos e as sociedades comercias têm personalidade jurídica o que não impede que sejam objecto de negócios jurídicos.
Atentando ao nosso Código Civil verificamos a classificação dos animais como “coisas” em sentido jurídico, basta para tal verificarmos o art. 202ºCC. Ainda que alguns animais constituam “res nullius” e que outros não possam ser apropriados por particulares, todos devem ser incluídos no conceito de coisa, segundo o Prof. Manuel de Andrade. São entendidos como coisas móveis, pois não se encontram na enumeração de coisas imóveis (art. 204º e 205º).
Os animais são pois objecto de propriedade, de compra e venda, de posse e de utilização e a responsabilidade que advêm dos seus actos é imputada no âmbito dos art. 493º/1, 502º do CC, nunca ao animal.
Muitas questões se levantam.
- Para atribuir personalidade jurídica ao animal bastava que a norma legal o fizesse, sendo os seus interesses representados em juízo por terceiros, a par dos incapazes.
Contraposição: Talvez não fosse assim tão fácil, pois a personalidade é distinta de capacidade e a personalidade jurídica não é conferida aos incapazes de forma limitada. Só há limitação da sua capacidade. Como tal não parece fazer sentido uma concessão limitada de personalidade aos não humanos.
- Atribuição de personalidade jurídica aos animais com base na sua capacidade de sofrer pode assentar na ideia de igualdade entre animais e incapazes em termos de racionalidade, no sentido de alguns incapazes não possuírem inteligência ou consciência superior a alguns não humanos. – Prof. Menezes Cordeiro.
Contraposição: A criança um dia crescerá e tomará consciência de si, coisa que não acontece com o animal, que segue instintos.
- Há quem defenda que a personificação do animal em vez de garantir o melhor tratamento jurídico ao animal nega a personalidade jurídica a certos seres humanos
- Os defensores dos animais baseiam-se algumas vezes em critérios de maior proximidade com as pessoas para alegar pretensos direitos.
Contraposição: Leva a discriminação dentro do próprio seio animal, pois só os animais que exteriorizam sentimentos perceptíveis ao homem levaria à aquisição de personalidade.
Ainda que a questão possa ser polémica, tem vindo a desenvolver-se a ideia de que os animais não são coisas.
A Áustria aprovou em 1988 a lei federal sobre o estatuto jurídico do animal, afirmando no §285 que os animais não são coisas, sendo protegidos por leis especiais. As normas relativas às coisas só lhes são aplicáveis quando não exista norma em sentido contrário.
A Alemanha, em 1990, introduziu no §90 a afirmação de que os animais não são coisas e de que estão protegidos por leis especiais. Aplicam-se-lhes as disposições sobres as coisas de forma análoga quando não exista disposição em contrário.
Também a Suíça dispõe no art. 641 a) do CC suíço que os animais não são coisas e a aplicação do regime das coisas, salvo preceito em contrário.
O animal vem a assumir um estatuto distinto de coisa, não lhe concedendo necessariamente personalidade jurídica.
A Doutrina diverge. Há quem defenda uma alteração meramente simbólica, desprovida de maior tutela. Há quem defenda que a consideração do animal como criatura, ser vivo, transparece uma evolução do direito.

Na minha opinião a consciencialização de que os animais são sensíveis, seres vivos capazes de sofrer, merecedores de uma maior tutela jurídica por parte do ordenamento parece fundamentar a sua desqualificação como coisa. Não me parece, contudo, que a situação tenha de ser levada ao extremo oposto de personalização dos mesmos. Faz sentido a tutela dos mesmos como um terceiro género, ainda que a analogia com algumas das disposições inerentes ao regime das coisas se justifique.
A vida animal deve ser observada como um valor em si mesmo e ser merecedora de uma protecção especial.



Bibliografia:
-Pereira da Costa, António - “Dos animais – o direito e os direitos” – Coimbra Editora
-Pereira Teodoro, Pedro – Tese “O conflito entre espécies (os direitos dos animais)”
-Neves, Helena Telino - Tese “A natureza jurídica dos animais”