sexta-feira, 22 de maio de 2009

O Princípio do Poluidor-Pagador

I – Introdução geral:

Sempre que a doutrina se debruça sobre a questão dos princípios de Direito do Ambiente, é sempre controverso, duvidoso e discutível o âmbito que é dado ao princípio poluidor-pagador, doravante designado por PPP.
Numa primeira abordagem é preciso ter em conta que este não é um princípio de compensação dos danos causados pela poluição. O alcance do PPP é bem mais amplo, inclui todos os custos de protecção ambiental, abarcando também os custos de prevenção, de reparação e de repressão do dano ambiental.
Ao invés de PPP a expressão mais acertada seria a de Princípio Usuário-Pagador, pois aquela, ao contrário desta, "cria a ideia – falsa – de que a poluição e a protecção do meio ambiente é assegurada num simples acto de pagar e numa mera equação económica”. Ora, o PPP não visa pagar a poluição, mas antes evitar que o dano ecológico fique sem qualquer tipo de reparação".

Existe uma tendência da doutrina para limitar a garantia do PPP à efectiva contribuição monetária, i é, ao pagamento do imposto ou de uma taxa,“ O PPP decorre da consideração de que os sujeitos económicos, que são beneficiários de uma determinada actividade poluente, devem igualmente ser responsáveis, pela via fiscal, no que respeita ao exercício dessa actividade” 1 página 75 VPS Verde cor de direito liçoes de direito de ambiente almedina 2002.

II - Origem legal:


O PPP nasceu oficialmente como Princípio Internacional de Política do Ambiente numa recomendação adoptada pelo conselho da OCDE em 26 de Maio, denominada “Guiding Principles Concerning International Aspects of Environmental Policies”.
O ponto 4 do anexo da referida recomendação da OCDE definia o PPP nos seguintes termos: “O PPP significa que o poluidor deve suportar os custos do desenvolvimento das medidas de controlo da poluição decididas pelas autoridades públicas para garantir que o ambiente esteja num estado aceitável, ou, noutras palavras, que os custos de tais medidas sejam reflectidos nos preços dos bens ou serviços que causam poluição na sua produçao ou/e consumo”.

Tal recomendação deixara logo assente, desde o início, que não fazia sentido que as referidas medidas fossem acompanhadas de subsídios que criariam distorções a esta lógica.

Em 1987 o PPP tornou se um Princípio Constitucional de Direito Comunitário do Ambiente, através do aditamento ao tratado do artigo 130º - R (actual 174º) operado pelo Acto único Europeu.

A sua protecção constitucional enquanto princípio expressamente consagrado pela CRP é controvertida. O Professor Vasco Pereira Da Silva, afirma expressamente que “o PPP goza entre nós de protecção constitucional, uma vez que representa um corolário necessário da norma do artigo 66º, nº2, alínea h)”, que “impõe ao Estado a tarefa de assegurar que a política fiscal compatibilize o desenvolvimento com o ambiente e qualidade de vida”. Em sentido divergente, afirma a Drª Isabel Marques Da Silva que “Entre nós, não constitui um princípio constitucional(…)”. Junta-se ainda, a esta corrente doutrinária, a posição do Prof. Gomes Canotilho que apenas elenca o PPP na Lei de Bases do Ambiente.
Já quanto à inclusão do PPP na lei de Bases do Ambiente, apesar do Prof. Gomes Canotilho afirmar, que o mesmo consta do art. 3º da Lei de Bases do Ambiente « (…) sendo o poluidor obrigado a corrigir ou recuperar o ambiente, suportando os encargos daí resultantes, não lhe sendo permitido continuar a acção poluente», a Drª. Isabel Marques Da Silva parece confundir os conteúdos da Responsabilidade civil e penal, ao elencar o PPP na Lei de Bases do Ambiente apenas quando relacionado com os artigos 41º e 48º.

III - Desenvolvimento:


Verificam-se exterioridades negativas, pelo facto de o preço de mercado dos bens não reflectir fielmente os verdadeiros custos ou benefícios da sua produção ou consumo, o que tem como consequência que o preço do bem no mercado seja inferior ao seu preço real uma vez que, os custos dos efeitos externos causados não foram contabilizados pelo produtor que pode por isso, produzir mais do que seria socialmente desejável.
Esta situação é solucionada pela imposição da interiorização da exterioridade. O custo do sacríficio imposto a terceiros pela decisão do produtor terá de ser por este contabilizada como custo de produção. Assim sendo, o fundamento económico do PPP é o de impor ao poluidor que suporte as despesas públicas ou privadas necessárias ao controlo da poluição que a sua actividade económica produz.

Vertente negativa:

Não se deve confundir o PPP com a responsabilidade civil por danos ambientais, fundamentalmente porque a primeira tem natureza preventiva, enquanto a segunda tem uma natureza reactiva.
Nos dias que correm é pacífico afirmar que o PPP não se reconduz a um mero princípio de responsabilidade civil. O contrário levaria a uma perda de sentido útil de ambos.

Vertente positiva:

Para o correcto preenchimento do conteúdo do Princípio em estudo, é necessário responder às seguintes questões:

1) Quem paga?
2) O que paga?
3) Como paga?


1) Quem paga?

A posição da Comunidade Europeia sobre a questão, vem expressa no nº3 da Comunicação anexa à Recomendação do Conselho 75/436, de 3 de Março de 1975. Básicamente a posição da Comunidade Europeia tem por fim que os custos da poluição sejam imputados à categoria de poluidores mais fácil de controlar e que possam contribuir mais eficazmente para a melhoria do ambiente, o que na prática significa atribuir os custos da poluição ao produtor. Não tivesse esta posição por base, os critérios da eficiência económica e administrativa da imputação dos custos, bem como o da capacidade de internalização dos custos pelos visados.
Parece mais correcto, ao contrário do que faz a Comunidade que determina quem é o poluidor “melhor pagador”, tentar encontrar o poluidor que deve pagar. E este, é sem dúvida aquele que tem poder de controlo sobre as condições que levam à ocorrência da poluição, podendo portanto preveni-las ou tomar precauções para evitar que ocorram.
A conclusão parece óbvia nos casos em que a poluição se dê através da produção, já poderá levantar dúvidas se a produção recái no momento do consumo do bem.
No primeiro caso porque, é efectivamente o produtor que cria e controla as condições em que a poluição se produz. A sua actuação foi sine qua non da poluição e só ele dispõe de meios para a evitar. No segundo caso, em que a produção de um bem cujo o consumo é poluente, deve encarar-se o consumidor como um poluidor indirecto. Deve manter se a resposta de que o poluidor que deve pagar, é o produtor não só porque, o consumidor não tem ao seu alcance meios razaoáveis para repelir a poluição, como também o produtor é quem lucra com a produção de um bem, cuja utilização provável e normal (o consumo) é prejudical para a sociedade.
Neste ponto, surge uma das mais persistentes critícas a este princípio. Ora, quer num caso quer noutro, os custos da poluição vão ser imputados aos produtores é natural que estes procurem repercuti-los nos consumidores, através de mecanismos de mercado, ou seja, aumentando o preço final do bem produzido. Esta é não só, uma critíca vinda do sector da economia, como também tem tido um longo apoio no sector do Direito, pois este princípio conduz a situações de extrema injustiça, já que quem na realidade paga são os consumidores e não os poluidores.
Em resposta à crítica do sector económico, tem se defendido que não está rigorosamente em causa uma inflação, pois “está em causa a subida de preços de produtos poluentes e não uma subida generalizada de preços”.
Em resposta à critíca do sector do Direito, tem se defendido que o produtor não só repercute taxa correspondente ao que polui no consumidor, como também repercurte tal taxa nos custos dos tradicionais factores de produção – matéria prima, trabalho e capital – e isso não significa que não sejam verdadeiros custos ou que não os pague. No entanto este argumento é bastante frágil, porque contas feitas e o produtor-poluidor continuará com o mesmo lucro. Basta que aquando do custo da matéria-prima tenha capacidade económica para esperar pela venda do produto, altura em que faz reverter a taxa ambiental para os consumidores. Melhor argumento é o de que o produtor produz para o mercado, logo, também o consumidor beneficia da poluição produzida, pois é para ele que o produtor produz, não sendo, por isso, injusto que lhe seja repercutido parte do custo da poluição.
Neste sentido, “Esta repercurssão dos custos da poluição não contraria a filosofia do PPP e até oferece vantagens (…) porque tem efeitos ecológicos benéficos sempre que a procura do bem em causa não seja inelástica, pois a repercussão vai fazer aumentar o preço do bem, e conequentemente reduzir a procura de bens cuja produção ou consumo são geradores de poluição.”.

2) O que paga?

Na medida em que já deixei claro que o conteúdo da responsabilidade civil não coincide com o do PPP, não poderei agora afirmar coerentemente que o que o poluidor paga são os custos necessários à reparação dos danos causados. Os fins próprios dos PPP são os de prevenção e redistribuição equitativa dos custos de protecção do ambiente.
Após um longo percurso no alargamento do âmbito do PPP, é práticamente admitido por toda a doutrina que o PPP abrange tanto custos directos, como custos indirectos.
Os custos directos são os custos das medidas de prevenção e precaução da poluição, directamente asseguradas pelo poluidor, em cumprimento de normas jurídicas, por sua vez, os custos indirectos são os custos administrativos inerentes ao desenvolvimento de políticas de ambiente e as despesas públicas de protecção deste, que o poluidor financia, através de contrapartidas financeiras do Estado.

3) Como paga?

Na resposta a esta questão a OCDE não nos dá grande ajuda, apenas nos é dito que as medidas decididas pelas autoridades públicas para que o ambiente esteja num estado aceitável, não devem ser acompanhadas de subsídios, que criariam distorções significativas ao comércio e investimento internacionais.
A primeira ideia a reter é que da aplicação do PPP não tem de resultar necessáriamente a transferência de dinheiro. Os fins que o PPP visa realizar podem ser alcançados através de diversos meios ou instrumentos, que não implicam necessariamente transferências monetárias.
A escolha do instrumento através do qual se garante o PPP e a melhoria da qualidade ambiental deve ter em conta o tipo e a gravidade da poluição em causa, bem como a categoria e quantidade dos poluidores.
Na senda do que tenho vindo a afirmar face à distinção entre responsabilidade civil por danos ambientais, também aqui só serão adequados à filosofia do PPP os instrumentos preventivos de que são exemplos, as proibições e limitações administrativas, as redes de vigilância, as taxas por acesso ao domínio público, as avaliações de impacto ambiental, o seguro ambiental, entre outros…
Dentro destes instrumentos preventivos existe uma importante tripartição entre instrumentos normativos, instrumentos económicos e títulos de poluição transaccionáveis.
Os primeiros consubstanciam-se na regulamentação de directa (imposição legal ou adminitrativa), i é, o poluidor deve conformar o exercício da sua actividade com normas legais coactivas. A sua grande vantagem reside na clareza com que são fixados os objectivos a atingir e os meios mais adequados para o efeito.
Os segundos consubstanciam-se no recurso aos impostos e taxas. São impostos ecológicos quando o facto tributável é a poluição, passada, actual, ou potencial, ou de uma forma mais geral, a utilização de recursos ambientais. Os impostos ecológicos têm apenas a função de estímulo dirigido à conduta ecológica dos poluidores. Esses estímulos têm de ser adequados, bem como necessitam de um bom planeamento da política ambiental. E como se está mesmo a advinhar à Administração desagrada a dificuldade deste correcto planeamento, bem como a dificuldade de cálculo do valor exacto da taxa a aplicar.
As taxas têm uma lógica semelhante à dos impostos ecológicos. O principal traço distintivo no âmbito do Direito do Ambiente, é o facto de as taxas se traduzirem num pagamento de serviços de despoluição prestado pelo Estado ou entidades privadas aos poluidores.
A doutrina francesa tem entendido que os instrumentos normativos e ecológicos em nada são antagónicos, pois a limitação de uma actividade poluente, através de uma lei ou regulamento tem os mesmos efeitos sobre os preços que a aplicação de uma taxa à actividade. Une économie écologique, in revue politique et parlamentaire,1,1973,p.23.
Em ordem a dar resposta às insuficiências dos instrumentos normativos e os instrumentos económicos, foram criados os títulos de poluição transaccionáveis. Tais títulos consistem na emissão de documentos oficiais cuja posse confere ao seu detentor o direito de poluir até um certo valor estabelecido no título, de tal modo que quantos mais títulos de poluição um poluidor detiver, mais poderá poluír. É, na verdade, um instrumento aparentemente eficaz na medida em que o nível de qualidade do ambiente fixado pelas autoridades públicas é automáticamente atingido, e flexível, pois permite a cada agente económico uma adaptação progressiva às exigências de mercado. No entanto, não deixa de ter inconvenientes ao nível da fiscalização administrativa, pela sua livre compra e venda no mercado.


IV CONCLUSÃO:


Este princípio tem por base os Princípios da Prevenção, Precaução e Correcção na Fonte. Apresenta-se como concretização máxima de todos os princípios enunciados.
Quando o PPP surgiu foi olhado com desconfiança, questionava-se a bondade ambiental por detrás de uma simples maneira de o Estado arrecadar receitas. Actualmente muitos são os que defendem a sua aplicação nas mais diversas áreas económicas. No entanto, nenhum instrumento através do qual se concretiza é isento de critícas, o que tem dificultado a sua correcta fiscalização…