segunda-feira, 18 de maio de 2009

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Outubro de 2004

Neste acórdão do STJ, relativo ao “Tiro aos Pombos” é possível de se explorar fundamentações a favor e contra a utilização de pombos como alvos vivos num concurso de tiro. É feita uma anotação em relação aos dois acórdão em analise, o primeiro que decide a favor da Requerente, proibindo a realização do concurso de tiro aos pombos, e o mencionado recurso interposto pelo Requerido. Analisemos, sumariamente, ambos os acórdãos:
- No primeiro acórdão, que decide “a favor dos pombos”, a questão é resolvida pela impossibilidade (para o Relator) de se poder fazer analogia com as excepções constantes na Lei 92/95, de 12 de Setembro. O legislador, ao excepcionar aí a tourada e caça, terá consagrado situações que, apesar de serem descritivamente semelhantes, são normativamente distintas. A tourada por ser um acontecimento cultural com centenas de anos e a caça, por estar em causa o acto venatório e não o simples divertimento do atirador. Logo, o tiro aos pombos seria ilícito.
- No segundo acórdão, que decide “a favor dos atiradores”, chama-se a atenção para o facto de a protecção do património cultural estar efectivamente consagrada na CRP (artigo 9º, alínea e) em conjugação com o artigo 78º) e isto seria claramente o caso, uma vez que a tradição já se praticaria no último século e meio. Além disso, não só as excepções positivadas não seriam taxativas, como não teriam carácter excepcional, não se vendo como impedir a analogia em situações tão semelhantes como a caça e o tiro aos pombos. Acrescentava ainda que o sofrimento não era assim tanto, uma vez que os animais morriam depressa e que, se fosse proibido o tiro aos pombos, não se via como conseguia subsistir a pesca desportiva. Logo o STJ considerou que o tiro aos pombos seria lícito.

Após uma breve análise da anotação do Dr. André Dias Pereira, importa retirar algumas conclusões: nomeadamente que nem o Tribunal da Relação de Guimarães, nem o Supremo Tribunal de Justiça estão isolados nas suas posições. De facto, o STJ seguiu, coerentemente, as posições de anteriores arestos sobre o mesmo tema e o Tribunal de Guimarães decidiu da mesma maneira que têm decidido muitos tribunais de primeira instancia até ao presente.
Diz-se que os animais não são nunca sujeitos de direitos mas que as normas que os protegem visam tutelar “a comunidade de pessoas que encaram desconfortavelmente a desumanidade de terceiros contra animais”. Então, se o panorama é esse, não se estará a alargar demasiado o número de situações que carecem de tutela? Não será igualmente desconfortável assistir a uma caçada? São dados como exemplos quase paralelos, as situações de touradas, caças ou pesca desportiva, alegando que, ou os valores em causa são diferentes (de cariz tradicionalmente cultural, por exemplo) ou é insubstituível o papel desempenhado pelos animais (como se afirma no caso da pesca desportiva). O que não deixa de ser perplexo, uma vez que, se não for necessário arranjar uma alternativa para a substituição do papel do peixe, enquanto alvo vivo na pesca desportiva, nunca ninguém apostará na invenção de um alvo não vivo apto para o substituir.
 Ao argumento do peso da tradição do tiro aos pombos, o Anotador responde com a necessidade de remissão legal para atendermos aos usos com fonte legal. Ora, mesmo que estivéssemos perante um mero uso, a discussão devia antes ser situada no campo do património cultural constitucionalmente tutelado. E nada nos artigos 9º e 78º da CRP distingue uma tradição de “segunda” ou de “primeira”. Isto é, se apenas pudermos apelidar de tradição os usos para os quais a lei remeta, deixaremos de fora todos os usos omissos e costumes tradicionais portugueses, por falta de remissão legal (no quadro do artigo 3º do CC).

Assim, teríamos de nos pronunciar sobre a licitude da prática de tiro aos pombos, por todos os motivos supra expressos mas, sobretudo porque, apesar de haver uma proibição geral no diploma, esta modalidade é em tudo idêntica à caça e, como tal, comporta analogia. Seja por má técnica legislativa ou por esquecimento do legislador, o diploma deveria conter uma lista de proibições e não uma cláusula geral que comportasse excepções: só assim se poderia limitar uma liberdade privada que, acresce, é um direito cultural constitucionalmente protegido e consubstancia uma tarefa fundamental do Estado.

 

Telma Sebastião, subt. 4